O Globo
Quem diria que a globalização seria detonada
a partir dos Estados Unidos? Pois é o que o presidente está fazendo
E essa, hein?! Quem diria que a globalização
seria detonada a partir dos Estados Unidos?
Pois é o que Trump está fazendo a golpes de tarifas de importação distribuídas
de modo errático. Se prosseguir nessa direção, causará danos enormes aos
Estados Unidos e ao mundo todo.
A perspectiva de desastre já aparece nos Estados Unidos. O índice S&P 500, que reúne ações das maiores companhias americanas, registrou alta expressiva com a eleição de Trump. O pessoal esperava um ambiente de corte de impostos e eliminação das regras que controlam os negócios. Para esse pessoal, isso de tarifas era só coisa de campanha, que Trump logo esqueceria depois de impor algumas taxas aqui e ali. Diante do modo agressivo do presidente, o mercado se assustou. Todo o ganho na Bolsa de Valores foi consumido em dias recentes.
Os consumidores também perceberam que algo
estava errado. Haviam votado num presidente que prometia derrubar preços “no
primeiro dia”. E toparam logo com a perspectiva de mais inflação. Os
dois principais índices de confiança do consumidor, da Universidade de Michigan
e do Conference Board, despencaram em março, depois das altas de dezembro,
pós-eleição.
As dúvidas envolvem métodos e objetivos. No
primeiro momento, parecia que as tarifas aplicadas às importações de México e Canadá eram uma
ameaça. Se os dois países vigiassem as fronteiras, de modo a coibir a passagem
de imigrantes ilegais e drogas para os Estados Unidos, as tarifas seriam
suspensas. Os governos de México e Canadá reforçaram seus controles de
fronteira, com bons resultados. Mas as tarifas, viu-se logo, não eram só para
isso. Trump está no modo protecionista clássico: aumentar tarifas para tornar
mais caros produtos importados e, assim, levar as companhias americanas a
produzir e vender localmente.
Não funcionará. Pior. Será uma “devastação”,
disse o CEO da Ford,
Jim Farley. Consideremos três situações: indústria automobilística, setor
agrícola exportador e vinhos.
A produção de carros na América do Norte é um
exemplo acabado de integração de produtos e serviços. Nada menos que 3,6
milhões de veículos leves vendidos nos Estados Unidos no ano passado foram
montados no México e no Canadá. Isso representa quase um quarto do total de
vendas. Ocorre que parte importante das fábricas instaladas nos vizinhos
pertence às três grandes companhias com base em Detroit: Ford, Stellantis e GM.
Além disso, todo carro montado nos Estados Unidos tem componentes importados de
México e Canadá. Não é raro que um componente cruze as fronteiras várias vezes,
sendo elaborado em diferentes fábricas. Além disso, parte dos carros da
Volkswagen e da Nissan vendidos nos Estados Unidos também sai de fábricas
mexicanas. Segundo Trump, os Estados Unidos não precisam de nada disso. Podem
produzir tudo em casa.
O pessoal faz contas: quanto custaria fechar
as fábricas de fora e reconstruí-las nos Estados Unidos? Segundo cálculos
citados pela revista Economist, não ficaria por menos de US$ 50 bilhões, em
vários anos. Feito isso, os custos das montadoras subiriam às nuvens, reduzindo
lucros e vendas. E, pois, derrubando a atividade econômica. Só com a aplicação
das tarifas de 25%, os carros provenientes de México e Canadá ficam em média
US$ 2.700 mais caros no mercado americano. Nos mais sofisticados e mais lucrativos,
US$ 9 mil de sobrepreço.
Trump também disse que os agricultores
americanos deveriam produzir e vender localmente, em vez de exportar. A
Economist, na sua ironia, perguntou: como transformar fazendas de soja para
exportação em produtoras de avocado, fruta hoje comprada no México?
E os vinhos? A União Europeia, em retaliação,
anunciou tarifas sobre a importação de uísque americano, o bourbon.
Enraivecido, Trump ameaçou com tarifas de 200% sobre vinhos europeus. Os
Estados Unidos são ao mesmo tempo os maiores produtores, consumidores e
importadores de vinho, especialmente de França e Itália. Levaria anos
para as vinícolas locais substituírem a importação, se tivessem recursos para
esse pesado investimento. Enquanto isso, o preço dos vinhos importados vai
disparar.
Protecionismo dá nisso: inflação e
desaceleração da economia.
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