sábado, 15 de março de 2025

Protecionismo de Trump é um desastre – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Quem diria que a globalização seria detonada a partir dos Estados Unidos? Pois é o que o presidente está fazendo

E essa, hein?! Quem diria que a globalização seria detonada a partir dos Estados Unidos? Pois é o que Trump está fazendo a golpes de tarifas de importação distribuídas de modo errático. Se prosseguir nessa direção, causará danos enormes aos Estados Unidos e ao mundo todo.

A perspectiva de desastre já aparece nos Estados Unidos. O índice S&P 500, que reúne ações das maiores companhias americanas, registrou alta expressiva com a eleição de Trump. O pessoal esperava um ambiente de corte de impostos e eliminação das regras que controlam os negócios. Para esse pessoal, isso de tarifas era só coisa de campanha, que Trump logo esqueceria depois de impor algumas taxas aqui e ali. Diante do modo agressivo do presidente, o mercado se assustou. Todo o ganho na Bolsa de Valores foi consumido em dias recentes.

Os consumidores também perceberam que algo estava errado. Haviam votado num presidente que prometia derrubar preços “no primeiro dia”. E toparam logo com a perspectiva de mais inflação. Os dois principais índices de confiança do consumidor, da Universidade de Michigan e do Conference Board, despencaram em março, depois das altas de dezembro, pós-eleição.

As dúvidas envolvem métodos e objetivos. No primeiro momento, parecia que as tarifas aplicadas às importações de México e Canadá eram uma ameaça. Se os dois países vigiassem as fronteiras, de modo a coibir a passagem de imigrantes ilegais e drogas para os Estados Unidos, as tarifas seriam suspensas. Os governos de México e Canadá reforçaram seus controles de fronteira, com bons resultados. Mas as tarifas, viu-se logo, não eram só para isso. Trump está no modo protecionista clássico: aumentar tarifas para tornar mais caros produtos importados e, assim, levar as companhias americanas a produzir e vender localmente.

Não funcionará. Pior. Será uma “devastação”, disse o CEO da Ford, Jim Farley. Consideremos três situações: indústria automobilística, setor agrícola exportador e vinhos.

A produção de carros na América do Norte é um exemplo acabado de integração de produtos e serviços. Nada menos que 3,6 milhões de veículos leves vendidos nos Estados Unidos no ano passado foram montados no México e no Canadá. Isso representa quase um quarto do total de vendas. Ocorre que parte importante das fábricas instaladas nos vizinhos pertence às três grandes companhias com base em Detroit: Ford, Stellantis e GM. Além disso, todo carro montado nos Estados Unidos tem componentes importados de México e Canadá. Não é raro que um componente cruze as fronteiras várias vezes, sendo elaborado em diferentes fábricas. Além disso, parte dos carros da Volkswagen e da Nissan vendidos nos Estados Unidos também sai de fábricas mexicanas. Segundo Trump, os Estados Unidos não precisam de nada disso. Podem produzir tudo em casa.

O pessoal faz contas: quanto custaria fechar as fábricas de fora e reconstruí-las nos Estados Unidos? Segundo cálculos citados pela revista Economist, não ficaria por menos de US$ 50 bilhões, em vários anos. Feito isso, os custos das montadoras subiriam às nuvens, reduzindo lucros e vendas. E, pois, derrubando a atividade econômica. Só com a aplicação das tarifas de 25%, os carros provenientes de México e Canadá ficam em média US$ 2.700 mais caros no mercado americano. Nos mais sofisticados e mais lucrativos, US$ 9 mil de sobrepreço.

Trump também disse que os agricultores americanos deveriam produzir e vender localmente, em vez de exportar. A Economist, na sua ironia, perguntou: como transformar fazendas de soja para exportação em produtoras de avocado, fruta hoje comprada no México?

E os vinhos? A União Europeia, em retaliação, anunciou tarifas sobre a importação de uísque americano, o bourbon. Enraivecido, Trump ameaçou com tarifas de 200% sobre vinhos europeus. Os Estados Unidos são ao mesmo tempo os maiores produtores, consumidores e importadores de vinho, especialmente de França e Itália. Levaria anos para as vinícolas locais substituírem a importação, se tivessem recursos para esse pesado investimento. Enquanto isso, o preço dos vinhos importados vai disparar.

Protecionismo dá nisso: inflação e desaceleração da economia.

 

Nenhum comentário: