Folha de Paulo
Soberanos de várias partes do mundo tentaram
proibir a bebida para evitar que as pessoas se encontrassem e discutissem
problemas do país
Do século 16 até principalmente a segunda
metade do 18, soberanos de diversas nações tentaram proibir o café. Eles
fracassaram. Basta ver que, hoje, porção não desprezível da humanidade se
socorre matinalmente da infusão de grãos de plantas do gênero Coffea. Mas
não dá para dizer que a intuição desses reis estivesse errada.
A bebida café deu origem aos cafés, lugares onde pessoas de diferentes estratos sociais se reuniam para apreciar o líquido e conversar. Eram, portanto, do ponto de vista das autoridades, verdadeiros antros de subversão.
O filósofo alemão Jürgen Habermas corrobora
essa tese. Para ele, os cafés na Inglaterra, ao lado dos salões literários na
França e das Tischgesellschaften (reuniões ao redor da mesa) na Alemanha, são a
origem do que ele chama de esfera pública (Öffentlichkeit), o espaço social
discursivo no qual cidadãos identificam problemas, trocam ideias e
eventualmente formam consensos. É um traço essencial das democracias
contemporâneas, cujas políticas são influenciadas não só pelo voto mas também
pela opinião pública.
Vai ganhando tração na sociedade hodierna a
noção de que existe o direito de não ser ofendido. O corolário disso é que as
pessoas devem sempre contar com espaços seguros, nos quais as ideias que lhe
são mais caras estariam ao abrigo de críticas e contestações.
Não vejo como conciliar esse suposto direito
de não ser ofendido com a Öffentlichkeit habermasiana. Na verdade, para que o
debate público exerça sua mágica, é necessário que cada tese lançada na arena
de discussões choque ou tire da zona de conforto uns 30% da população (imagino
aqui uma distribuição gaussiana das opiniões).
Ninguém precisa ser mal-educado ao desafiar
as crenças alheias. Como mostraram alguns dos filósofos iluministas, é possível
fazê-lo com respeito e elegância. Mas, se precisarmos escolher entre examinar
livremente todas as ideias e preservar suscetibilidades, não tenho dúvida de
que devemos optar pelo primeiro.
Não dá para proibir o café.
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