Correio Braziliense
O mundo mudou muito, mas infelizmente as
discussões em Brasília não querem ou não conseguem sair do provincianismo e
perceber a profunda modificação da política internacional
Na Ucrânia, bem antes da guerra, a palavra sovok, gíria local, se aplicava aos vestígios miseráveis da existência soviética, economia letárgica, burocracia corrupta, estagnação e tudo o que o governo da época representava. Esse conjunto de evidências apontava no sentido de que os jovens teriam a mesma vida medíocre, sem horizontes experimentada pelos respectivos pais. Esse entendimento permeou a sociedade, desde o pobre até o rico, e resultou em diversos tumultos e revoluções que terminaram por derrubar os governos pró-Moscou. Foi o início da confusão que desaguou na invasão do país pelas tropas russas.
Pequenos incidentes resultam em grandes
terremotos políticos. A Ucrânia é apenas um exemplo, existem outros. Donald
Trump, por exemplo. Ele pretendeu refazer a economia norte-americana mais ou
menos como era no século 19, antes da globalização. E no momento em que o país
não era líder do mundo ocidental, nem representava a vanguarda da defesa do
liberalismo econômico e dos valores democráticos. Os Estados Unidos receberam
milhões de migrantes pobres — inclusive a mãe de Trump, que chegou pobre ao
novo país e casou com empresário rico — que ajudaram a construir o país com
base no esforço individual e na liberdade de religião.
O desencanto dos ucranianos com seu país
conduziu ao confronto com o vizinho poderoso. No Brasil, os índices de
popularidade do governo frequentam os níveis mais baixos desde que se faz esse
tipo de aferição. Lula não mais consegue vender horizontes melhores para os
brasileiros, aborrecidos com a inflação elevada, o grande número de projetos
inócuos, burocráticos, complicados, corruptos, que acarretam poucas vantagens
ao povo. A alta de preços, a cada mês, come um pedaço do salário, e não há
promessa que faça o bom humor voltar a prevalecer. O tamanho do mau humor vai
aparecer por inteiro na próxima eleição.
O governo brasileiro está diante de dois
desafios profundos. Nos Estados Unidos, o governo errático de Donald Trump
começa a produzir resultados negativos na economia norte-americana. Além disso,
o evidente desgaste na relação com o milionário Elon Musk — sul-africano que
migrou para o Canadá e depois para os Estados Unidos e levou o presidente a
anunciar, de público, ter comprado um carro Tesla. As vendas dessa marca estão
sofrendo violenta queda de cotação na bolsa de valores. Na Europa, as vendas
caíram até 45%. Os grandes jornais norte-americanos apostam na próxima crise
entre os dois. A aliança não promete vida longa.
A administração Trump apresenta traços
ridículos, muito parecidos com cacoetes dos ditadores latino-americanos. Ele
proibiu o Exército norte-americano de transigir com as questões de gênero. Nos
Estados Unidos, segundo ele, só existem homens ou mulheres. O Exército tomou as
medidas para eliminar de seus manuais e museus qualquer menção a um eventual
outro sexo. Uma das vítimas foi o avião B-29, que lançou a bomba atômica em
Hiroshima, em 6 de agosto de 1945. Ele foi pilotado pelo coronel Paul Tibbets
Jr., que decidiu homenagear sua mãe, Enola Gay, e pintou o nome de sua genitora
na fuselagem. O avião foi retirado das exposições aeronáuticas dos Estados
Unidos por causa de Enola Gay.
O governo brasileiro está diante do seu
cenário de horrores. Lula não fez, quando necessário e possível, o prometido
ajuste fiscal. Ele só governa gastando muito, distribuindo dinheiro por todos
os balcões, como manda o manual dos populistas. Mas a mágica se esgotou. Ele
está olhando para a eleição de 2026, e só há um candidato do PT, ele mesmo. A
solução é prorrogar essa situação até o possível, conviver com inflação e
culpar o freguês, o atravessador, o estrangeiro, o dólar, e, agora, as
sobretaxas impostas por Trump, porque o governo Lula não é capaz de produzir
uma proposta capaz de empolgar boa parte dos brasileiros. Ao contrário, ele
governa com o PT e para o PT. Só.
A sua política externa, embora sustentada em dezenas de viagens, não resultou em nada de muito positivo. O Brasil está fora da discussão sobre a Ucrânia e não chega perto da questão palestina. E, na América Sul, surgiram novas possibilidades de lideranças. É difícil enxergar o quadro político com nitidez. O senador francês Claude Malhuret conseguiu. Ele disse, semana passada, que "estávamos em guerra contra um ditador. Agora estamos em guerra contra um ditador apoiado por um traidor". Os jornais ingleses deram destaque à declaração do parlamentar gaulês. O mundo mudou muito, mas infelizmente as discussões em Brasília não querem ou não conseguem sair do provincianismo e perceber a profunda modificação da política internacional, que implicará em mudanças estruturais no país.
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