Nova manobra para manter emendas ocultas é acintosa
O Globo
Regras aprovadas pelo Congresso ferem
transparência, violam acordo entre Poderes e ofendem Constituição
É um acinte a insistência do Congresso em
negar aos brasileiros o direito constitucional de rastrear o gasto público. Em
sessão conjunta na quinta-feira, ela ganhou um novo e triste capítulo.
Senadores e deputados — num arco que foi do PL ao PT — aprovaram regras sobre
emendas parlamentares que contrariam a Constituição, contrariam decisões do
Supremo Tribunal Federal (STF)
e contrariam o acordo que os recém-empossados presidentes da Câmara e do Senado
haviam firmado com o STF. O texto cria uma brecha para que os padrinhos das
verbas continuem incógnitos nas emendas de comissão e de bancada. Se todos os
partidos presentes no Congresso, com exceção dos nanicos Novo e PSOL, são
contra a transparência, não restará outra alternativa ao Judiciário senão
determinar novos bloqueios das verbas. O vaivém se arrasta desde 2022 — e
precisa ter fim.
A reação à resolução foi imediata. As ONGs Transparência Brasil, Transparência Internacional e Contas Abertas emitiram nota afirmando que a decisão do Parlamento criou “mais uma versão do orçamento secreto”, em clara “afronta aos princípios constitucionais da publicidade e da moralidade que orientam o processo orçamentário e às determinações do STF”. A nota ressalta que a autoria das emendas coletivas — de comissão e bancada — continuará oculta “sob a assinatura de apenas uma pessoa”, o líder partidário ou o coordenador da bancada de cada estado. Para o Instituto Não Aceito Corrupção, a norma perpetua a “distorção decorrente da possibilidade de autores de projetos de emendas se esconderem atrás das figuras de líderes partidários e de bancadas, blindando-os do escrutínio”.
As regras atuais sobre as emendas surgiram
depois do escândalo de corrupção conhecido como “Anões do Orçamento” nos anos
1990. Na concepção original, as emendas individuais serviriam para atender às
demandas locais; as de bancada, às necessidades estaduais; e as de comissão, às
prioridades nacionais. Com o tempo, tudo foi desvirtuado, e a fatia do
Orçamento destinada às emendas explodiu, alcançando um patamar inédito no mundo
democrático. Para completar, a cultura de esconder o nome dos parlamentares responsáveis
por indicar as verbas foi mantida nas emendas de bancada e de comissão.
No mês passado, o ministro do STF Flávio Dino homologou
um plano de trabalho apresentado em conjunto por Legislativo e Executivo para
adequar as emendas às exigências da lei. O plenário da Corte referendou a
decisão. No Congresso, parte das demandas foi atendida: haverá padronização de
atas e planilhas das reuniões de comissão e bancada; códigos e informações
relevantes sobre os montantes também serão registrados; haverá critérios comuns
para divulgação. Todas essas mudanças podem ser descritas como avanços. Mas o
principal ficou de fora.
Sem transparência, fica mais difícil o
trabalho de fiscalizar desvios e irregularidades. Investigações já revelaram
episódios insólitos: asfalto recém-inaugurado derretendo com o calor do sol,
sacos de dinheiro arremessados pela janela e outras anomalias. No Brasil, mesmo
quando tudo é rastreado, ainda há espaço para corrupção. Que dizer das
operações mantidas nas sombras de propósito? A resistência do Congresso a
deixar tudo às claras precisa acabar. Por questão de lógica, de moralidade e,
também, simplesmente porque é o que manda a Constituição.
Queda de árvores em SP expõe como cidades estão vulneráveis
O Globo
Com tempestades e eventos extremos mais
frequentes e intensos, cuidados usuais não têm dado conta do desafio
O temporal de quarta-feira em São Paulo, com
ventos de mais de 60km/h, resultou em 343 relatos de queda de árvore, mais da
metade do registrado em todo o mês de janeiro. No caso mais grave, um taxista
morreu depois de seu carro ser atingido por um tronco na Avenida Senador
Queirós, no Centro. A profusão de quedas interditou vias e, mais uma vez,
provocou danos à rede elétrica, deixando dezenas de milhares de moradores sem
luz. Não se trata de situação excepcional. Com eventos climáticos extremos mais
intensos e frequentes, episódios assim não deveriam surpreender.
No inventário de prejuízos, inclui-se um xixá
histórico no Largo do Arouche, também no Centro. Plantado há pelo menos 200
anos, com cerca de 30 metros de altura, era remanescente da época em que
grandes chácaras dominavam a região. A queda do xixá — uma das árvores mais
antigas da cidade — destruiu parte de um veículo. A Prefeitura alegou que fazia
avaliações periódicas. Afirmou ainda ter 129 equipes para serviços de prevenção
e poda na cidade. Mas é evidente que elas não têm dado conta da necessidade.
As mudanças climáticas impõem cuidado maior.
Não há motivo para imaginar que novas tempestades não serão acompanhadas de
rajadas de ventos e estragos semelhantes. Quanto mais vulneráveis as árvores,
mais facilmente serão derrubadas, trazendo riscos e prejuízos. Não basta apenas
podar. “A poda muitas vezes é a sentença de morte das árvores, na forma como é
feita em São Paulo”, afirmou ao GLOBO o botânico e paisagista Ricardo Cardim.
“A gente precisa de equipamentos que permitam enxergar por dentro das árvores.”
Para ele, a Prefeitura deveria criar um núcleo especializado no plantio e na
manutenção, de modo a evitar problemas como espécies inadequadas, cupins e
construção de muretas bloqueando a absorção da água.
Em alguns bairros, a maioria das árvores está
na fase final da vida, apodrecida ou infestada por cupins, à espera da trovoada
ou rajada derradeira. Muitas das espécies plantadas não são indicadas para
áreas urbanas, por isso devem ser monitoradas, já que seria inviável
substituí-las. A simples queda de um galho, como se vê repetidamente, pode
provocar enormes transtornos ao fornecimento de energia.
É importante, contudo, não tratar a árvore
como problema. Por proporcionar sombra e aliviar o calor que se forma nas ilhas
de concreto, ela é a solução para mitigar os efeitos do calor num planeta que
não para de bater recordes de temperatura. O que as prefeituras têm de fazer é
cuidar para que não fiquem tão vulneráveis a vendavais.
O cuidado com árvores é apenas mais uma das
medidas que prefeituras devem tomar para adaptar as cidades às mudanças
climáticas. É preciso investir em obras contra cheias e contenção de encostas,
preparar planos de contingência para situações de emergência, remover moradores
de áreas de risco e desenvolver sistemas de alerta. As práticas adotadas até
agora não têm sido suficientes para dar conta dos desafios. E não há qualquer
perspectiva de que o cenário extremo mudará.
Chance de paz na Ucrânia merece otimismo
cauteloso
Folha de S. Paulo
Vaivém de Trump gera desconfiança dos dois
lados; Putin tenta extrair o máximo do que para ele é uma derrota estratégica
Até agora a mais procedente ação da política
externa de Donald Trump em
termos de resultados, a ofensiva para pôr fim à Guerra da Ucrânia chegou
nesta semana a um ponto de inflexão, que pode definir o destino do mais trágico
conflito europeu desde 1945.
Em menos de dois meses, o presidente
americano operou uma diplomacia de vaivéns atordoantes, deixando Moscou e Kiev desconfiados,
cada uma a seu tempo.
Começou se alinhando a Vladimir
Putin, trazendo o Kremlin para uma negociação bilateral baseada na
controversa narrativa russa sobre a origem da guerra.
Dali decorreram cenas lamentáveis, como a
admoestação pública de Volodimir Zelenski na Casa Branca, e o corte da
ajuda militar dos EUA aos ucranianos.
Fiel à sua propalada tática negocial, o
republicano então buscou abrir a porta a Kiev, pedindo
em troca a aceitação de um cessar-fogo de 30 dias. Deu certo, e o fluxo de
armas e de imagens de satélite foi restabelecido.
Movimento que desagradou Putin. Ante o
coloquial "a bola está na sua quadra" enunciado por Trump, o
autocrata russo devolveu dizendo que aceita a trégua, mas apenas se
os termos da negociação de paz já estiverem claros.
Em outras palavras, os seus termos:
neutralidade ucraniana, desarmamento do país e a cessão final dos cerca de 20%
do território que controla do vizinho. A Casa Branca parece inclinada a aceitar
o pacote e restará pouco a Kiev a não ser fazer o mesmo. Contudo há um
inventário de óbices a ser examinado antes.
O mais espinhoso é a questão das garantias de
segurança para a manutenção da paz. A Rússia afirma
que sua palavra basta, mas os EUA e a Ucrânia querem uma força estrangeira para
esse fim no local, europeia de preferência, o que Moscou rejeita.
Afinal, um dos motivos alegados por Putin
para invadir o vizinho em 2022 foi justamente o risco de as forças da Otan, a aliança
militar do Ocidente, ficarem ainda mais próximas com uma possível adesão da
Ucrânia.
Esse assunto é um lembrete de como a guerra,
por mais que termine favorável a Putin, também representa uma derrota
estratégica do russo. Ele fracassou em dobrar um país mais frágil em poucas
semanas, como era esperado até no Ocidente.
Ademais, viu sua fronteira seca com a Otan
duplicar de tamanho, com a adesão da Finlândia devido ao discutível temor de
que a Rússia não vai parar na Ucrânia. Por fim, há a fraqueza exposta pela
necessidade do fim das sanções que ameaçam no longo prazo a economia de seu
país.
Isso dito, a dura negociação é hoje a melhor
chance para a matança acabar, o que justifica o otimismo cauteloso expresso em
Moscou e Washington.
O risco, ainda inescrutável, é que Trump pode
passar à história como uma versão caricata de Neville Chamberlain, o premiê
britânico que vendeu terras alheias para comprar um ano de paz inútil com Adolf
Hitler em 1938.
Diplomática, carta da COP30 deixa de lado
gargalos
Folha de S. Paulo
Texto sobre cúpula do clima em Belém é
otimista, apesar da alta emissão de carbono e de retrocessos no
multilateralismo
A carta sobre a cúpula do clima em Belém (COP30) divulgada
pelo embaixador André Corrêa do Lago, que a presidirá, embora se atenha à
linguagem prudente da diplomacia, contém palavras fortes.
O documento profere a usual exortação a
governos, empresas e organizações: "2025 tem de ser o ano em que
canalizaremos nossa indignação e tristeza para uma ação coletiva construtiva. A
mudança é inevitável —seja por escolha ou por catástrofe".
Apesar do arroubo, o texto passa ao largo do
mau momento no multilateralismo, minado sob Donald Trump.
Intimidação e isolacionismo foram ressuscitados após décadas de bonança
globalizante no pós-guerra.
Há dois gargalos para a ação internacional
contra a crise do clima: a queima ainda em alta de combustíveis fósseis e o
financiamento de medidas de mitigação, para reduzi-la e neutralizá-la em menos
de 30 anos, assim como de adaptação, para atenuar seus impactos presentes e
futuros.
O primeiro mal é mencionado na carta. A
inadiável redução do uso de carvão, petróleo e
gás natural aparece só uma vez, quando trata dos objetivos fixados na COP28, omitindo
que foram obliterados na subsequente COP29.
Não por acaso, as duas cúpulas foram
realizadas em países exportadores de petróleo e gás, Emirados Árabes e Azerbaijão.
Ambos são membros da Opep, condição ora cobiçada pelo governo de Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT), com a
perspectiva de um novo pré-sal na foz do Amazonas.
Aqui, Planalto e Petrobras propagandeiam
que a renda da margem equatorial custearia a transição energética. Alhures,
petroleiras recuam de compromissos com energias renováveis, aproveitando o
negacionismo climático impulsionado por Trump.
Estender-se sobre tal contradição equivaleria
a falar de corda em casa de enforcado. Calar-se, entretanto, não dissipará o
tom ambíguo que acompanha o anfitrião petista interessado em perfilar-se como
estadista verde.
A
carta dá mais atenção ao financiamento, ao tentar reviver a meta de US$ 1,3
trilhão por ano para mitigação e adaptação.
Mas instituições financeiras estão se
afastando das exigências de neutralidade climática —como evidencia a debandada
dos americanos da Net-Zero Banking Alliance, uma liga de bancos que se
comprometem a aliar seus serviços com proteção ambiental.
A diplomacia está decerto condenada ao
otimismo, mesmo com maus augúrios. Para outros setores, mais prudente é
preparar-se para um mundo que vem escolhendo a catástrofe.
Congresso dá outro passa-moleque no País
O Estado de S. Paulo
Após ter prometido pela enésima vez ao STF
cumprir o que manda a Constituição sobre as emendas parlamentares, o Congresso,
pela enésima vez, mostra seu profundo desprezo pelos cidadãos
Todo poder emana do povo. Todo dinheiro nas
mãos do poder público, também. Mas é estupefaciente a profusão de
contorcionismos e prestidigitações dos mandatários do povo para ocultar o que
fazem com o seu dinheiro. Os parlamentares se recusam a dar transparência sobre
as emendas ao Orçamento da União, um comportamento profundamente
antidemocrático.
Lá se vão oito meses desde que o Supremo
Tribunal Federal (STF) suspendeu a execução das emendas parlamentares até que
se cumprissem exigências mínimas de transparência e rastreabilidade. No início
do mês, a cúpula do Congresso celebrou um acordo com o governo e o STF
comprometendo-se a redefinir o rito das emendas para identificar seus autores e
dar transparência a critérios, valores e prazos.
Seguir a Constituição deveria ser simples e
incontroverso, mas, nessa novela farsesca e monótona, a cada passo à frente que
um Congresso relutante é forçado a dar por pressão popular ou judicial, os
congressistas maquinam meios de dar vários passos atrás de volta à penumbra.
A aprovação do novo rito, anteontem, foi um
exemplo de velhacaria na forma e no conteúdo, a começar pelo procedimento: a
minuta preparada na cozinha do alto clero só circulou entre os parlamentares na
véspera da votação, e o relatório oficial só ficou disponível 50 minutos antes.
Alguns parlamentares pediram mais tempo para analisar o texto, mas a chefia
negou.
A minuta esvaziava competências das
consultorias de Orçamento, fiscalização e controle do Congresso, formadas por
técnicos concursados para servir aos interesses públicos do Parlamento
independentemente dos interesses particulares dos parlamentares de turno.
Justamente essas consultorias vêm detectando irregularidades no manejo das
emendas. Se prevalecesse a vontade dos autores do projeto, as consultorias
seriam submetidas a uma tal “secretaria especial” comandada por algum títere
dos líderes do Congresso. A ironia é que essas consultorias independentes foram
criadas nos anos 1990 por recomendação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito
justamente em reação ao escândalo de desvio de emendas dos “Anões do
Orçamento”. O relógio institucional retrocederia 30 anos, com a diferença de
que à época o volume de emendas era troco de pinga comparado às dezenas de
bilhões de reais de hoje.
Denunciada por organizações civis que tiveram
acesso à minuta, a manobra para esvaziar as consultorias foi abortada aos 45 do
segundo tempo. Mas o texto aprovado por uma “frente ampla” de governo e
oposição cria novos subterfúgios para cimentar a opacidade na distribuição das
emendas. Tal como no malfadado “orçamento secreto”, revelado pelo Estadão e
declarado inconstitucional pelo STF em 2022, a nova resolução adota figuras
interpostas – antes o relator e as comissões, agora os líderes partidários e de
bancada – que formalizam o pedido das emendas, mas ocultam seu patrocinador.
Várias regras mantêm os processos decisórios
nas sombras, como as que flexibilizam o teto individual para cada autor das
emendas, permitem que recursos previstos para as bancadas de um Estado sejam
repassados a outro, ou dispensam detalhamentos e justificativas para as
alocações.
Por que os mandatários em Brasília gastam
tanta energia criativa para esconder dos eleitores o que fazem com seu
dinheiro? A pergunta é retórica: é precisamente a falta de transparência que
disfarça o favorecimento a parlamentares aliados do comando do Congresso,
fazendo das emendas a seiva que alimenta campanhas eleitorais e amplia o poder
dos grupos políticos que controlam sua distribuição.
O relator do caso das emendas no STF,
ministro Flávio Dino, antecipou que as providências do Congresso “estão muito
longe do ideal” e não descartou novos bloqueios. “Às vezes me perguntam:
‘Quando vai acabar?’. Vai acabar quando o processo orçamentário estiver
adequado plenamente ao devido processo constitucional”, disse. A depender da
audácia desta legislatura, os passa-moleques para burlar a Constituição não
acabarão nunca. Caberá ao eleitorado dizer nas urnas até quando tolerará a
apropriação descarada de seu dinheiro para fins privados.
A democracia numa encruzilhada
O Estado de S. Paulo
Há 40 anos, o País celebrava a volta do poder
político para os civis. A conquista histórica, porém, foi só o início de uma
jornada democrática cuja maturação ainda enfrenta diversos desafios
O Brasil celebra hoje 40 anos de vida
democrática, o mais longo período ininterrupto sob a égide das liberdades civis
na história do País. Em 15 de março de 1985, José Sarney tomava posse como
presidente da República em razão da tragédia que se abateu sobre a Nação com o
adoecimento de Tancredo Neves, eleito indiretamente pelo Colégio Eleitoral dois
meses antes e hospitalizado na véspera.
A histórica posse de Sarney perante o
Congresso marcou o fim de 21 anos de ditadura militar e o início da Nova
República, um ciclo no qual o País reconstruiu suas instituições, restabeleceu
direitos e garantias fundamentais dos cidadãos e assistiu à alternância de
poder por meio de eleições livres e justas, ainda que sobressaltado por dois
processos de impeachment e uma tentativa de golpe de Estado. Ao fim e ao cabo,
a democracia prevaleceu sobre os ressentidos com a abertura política. Mas isso
significa que, 40 anos depois, estejamos diante de uma democracia plenamente
consolidada? Este jornal entende que ainda não.
Sob os auspícios da Nova República, é
inegável que a sociedade experimentou avanços políticos, econômicos e sociais
típicos do regime democrático. A promulgação da Constituição de 1988, o pacto
social do Brasil redemocratizado, é o mais vistoso deles, malgrado sua notável
prolixidade. Também se deve à retomada da democracia a criação do Sistema Único
de Saúde, expressão da saúde de todos como direito, e não como privilégio, a
recuperação do valor da moeda e o fim da hiperinflação, a redução da pobreza e
a ampliação dos segmentos sociais com acesso à educação, entre outros louváveis
feitos civilizatórios que só governos do povo, pelo povo e para o povo podem
realizar.
Contudo, se há avanços a celebrar, também há
distorções e ameaças que não podem ser negligenciadas. Em que pese sua
resiliência, a democracia brasileira ainda convive com fragilidades
institucionais, com ataques a seus primados e com a ascensão de uma extrema
direita que se orgulha de sua saudade da ditadura militar. Antes circunscrita
às franjas da sociedade, essa direita tacanha – autoproclamada conservadora,
quando é só reacionária – ganhou força eleitoral e agora explora as garantias
do Estado Democrático de Direito para tentar subvertê-lo.
Como falar em democracia madura quando o
próprio Congresso, a expressão maior da representação política, a abastarda por
meio de uma abjeção como o “orçamento secreto” e suas derivações? No caso
brasileiro, sui generis, o Poder Legislativo suplantou o Executivo na execução
de parte substancial da porção discricionária do Orçamento, ficando com o bônus
eleitoral sem ter qualquer responsabilidade sobre a execução das obras e dos
programas que recebem os recursos – e isso tudo ao abrigo dos mais elementares
controles republicanos. Emendas opacas chegaram a financiar campanhas
eleitorais em diversos municípios, como revelou este jornal, uma completa
subversão da própria democracia representativa.
Também não se pode considerar madura a nossa
democracia, ao menos não sem falsear a verdade dos fatos, quando a mais alta
corte de Justiça do País, olímpica em relação às críticas de boa-fé que lhe são
feitas, segue cometendo uma pletora de barbaridades jurídicas supostamente em
defesa, ora vejam, da Constituição e do Estado Democrático de Direito. Ademais,
aquele Supremo do alvorecer da Nova República, discreto, cioso de sua missão
constitucional, transformou-se num tribunal que trata suas incursões indevidas
sobre a vida política do País como um dever moral.
Cabe à sociedade aprimorar a democracia que
está a seu serviço. Passividade não se coaduna com a democracia vibrante que
queremos para o Brasil. É preciso reafirmá-la todos os dias, derrotar nas urnas
os discursos autoritários e fortalecer as instituições que garantem sua higidez
com a força das leis. Um bonito caminho foi percorrido desde 1985, mas a
História ensina que retrocessos são possíveis quando os cidadãos não valorizam
nem defendem suas conquistas.
SP cuida mal de suas árvores
O Estado de S. Paulo
Mais uma vítima de queda de árvore num
temporal mostra que preservação ainda deixa a desejar
Na tempestade que atingiu a cidade de São
Paulo no último dia 12, a ventania derrubou uma árvore sobre um táxi, matando
seu motorista. A tragédia poderia ter sido maior, pois no táxi estavam uma mãe
com seu filho, que escaparam por pouco. O motorista foi o sexto morto pelas
chuvas do verão na capital paulista, mas seu caso chama a atenção em especial
porque se trata de mais uma vítima de queda de árvore – só no dia 12, caíram
217 durante a chuva na cidade.
Curiosamente, poucas horas antes da chuva,
São Paulo recebeu, pela quarta vez seguida, o certificado de “Cidade Árvore do
Mundo”, da Arbor Day Foundation e da ONU. O título vai para cidades que se
destacam na preservação e promoção da vegetação urbana. Uma dessas árvores que
ajudaram a cidade a conservar o certificado era um chichá de 200 anos, típico
da Mata Atlântica, que estava no Largo do Arouche e também não resistiu aos
ventos.
Reportagem do Estadão com
especialistas mostrou que esses episódios poderiam ter sido minimizados, mas se
repetem a cada chuva porque a manutenção das árvores não é correta nem há
planejamento de plantio. Segundo os professores de instituições como USP e
Unifesp, quando há o plantio, as espécies escolhidas são de porte inadequado, o
que leva a conflito com a fiação, além de constrição na base e nas raízes. Não
raro, as podas são mutiladoras, o que desequilibra as plantas.
É claro que ventos fortes podem derrubar
árvores. Mesmo espécimes sadios sucumbirão a ventos acima de 80 quilômetros por
hora (km/h), segundo os especialistas, mas, na chuva mais recente, os ventos
foram de 60 km/h. Uma massa arbórea mais densa ajudaria a conter o impacto
dessas rajadas.
Para tentar mostrar trabalho, a Prefeitura
informou que 129 equipes se dedicam à prevenção e à poda, que 163.808 árvores
foram podadas em 2024 – alta de 39% em relação a 2019 – e que o número de
engenheiros agrônomos trabalhando para o município cresceu de 239, em 2021,
para os 394 de hoje.
A Prefeitura afirmou ainda que tem o
mapeamento de todas as 52 mil árvores do Subdistrito da Sé, que engloba 25
bairros e 8 distritos, vistoriando-as a cada dois anos. E sobre a árvore que
desabou sobre o taxista, alegou que “não constam pedidos para poda ou remoção”.
Apesar desses dados, os esforços parecem
insuficientes. Como bem lembrou o botânico Ricardo Cardim em entrevista
ao Estadão, basta um passeio curto por São Paulo para ver “um festival de
árvores com cimento afogando tronco, muretas, podas mutiladoras, cupins,
espécies equivocadas, um festival de erros e problemas”. Segundo ele, basear a
manutenção só em poda de árvores é insuficiente.
Isso parece claro. Enquanto a Prefeitura se
declara empenhada em manter em ordem as árvores da cidade, cada chuva mais
forte se encarrega de mostrar que esse esforço, se existe, não tem sido
bem-sucedido. Considerando-se que pessoas morrem em razão das frequentes quedas
de árvores em temporais, ou mesmo quando não chove, é o caso de cobrar da
Prefeitura outras soluções, urgentes, porque as atuais não estão funcionando.
Comemorar 40 anos de
democracia
Correio Braziliense
Garantir que as conquistas
democráticas das últimas quatro décadas não sejam apenas preservadas, mas
ampliadas, depende da plena vigência do Estado Democrático de Direito e de um
amplo consenso político e social
Quatro décadas após a
redemocratização do país, que comemoramos hoje, ao homenagear o ex-presidente
José Sarney no dia de sua posse (15 de março de 1985), o Brasil enfrenta o
desafio de fortalecer seu Estado Democrático de Direito diante das ameaças do extremismo
e da radicalização política. Isolar o "vírus" do golpismo é
fundamental para a estabilidade institucional e para a construção de um
ambiente político baseado no diálogo e na tolerância.
Comemorar o dia de hoje,
como uma data nacional de grande relevância histórica, é ainda mais importante
depois das graves revelações sobre a tentativa de golpe em 8 de janeiro de
2023. Quando vândalos invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília,
houve um ataque coordenado contra as nossas instituições democráticas. O
episódio foi o reflexo de um ambiente de radicalização política e de
disseminação de desinformação sobre o processo eleitoral, que é um dos pilares
da nossa democracia de massas.
Os inconformados com a
derrota do ex-presidente Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2022
invadiram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal
Federal (STF), destruíram móveis, vidraças e obras de arte, além de saquearem
documentos. O objetivo aparente era forçar uma intervenção militar para
destituir o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, eleito democraticamente, uma
semana após a sua posse, como foi comprovado no decorrer das
investigações.
Seus responsáveis estão
sendo devidamente responsabilizados perante o Supremo Tribunal Federal (STF)
pelo Ministério Público. O episódio foi amplamente condenado por lideranças
políticas nacionais e internacionais, sendo comparado à invasão do Capitólio dos
Estados Unidos, em 6 de janeiro de 2021.
Entretanto, a tentativa de
golpe reforçou a necessidade de vigilância contra ameaças à democracia e levou
a um fortalecimento do combate à desinformação e ao extremismo político no
Brasil. Ao mesmo tempo, demostrou a resiliência e a capacidade de reação de
nossas instituições, inclusive as Forças Armadas, que não ouviram as
vivandeiras da intriga.
A democracia não é uma obra
pronta e acabada. É uma construção permanente, sujeita às viragens eleitorais e
mudanças de conjuntura, às contingências econômicas e internacionais. No caso
brasileiro, sua trajetória não foi uma linha reta, de avanços continuados, mas
um caminho sinuoso, cheio de obstáculos desafiadores — entre os quais, as
desigualdades sociais e os preconceitos, o racismo e a misoginia.
Equilibrar crescimento
econômico com justiça social e garantir que as conquistas democráticas das
últimas quatro décadas não sejam apenas preservadas, mas ampliadas, para
beneficiar toda a população, é uma tarefa que depende da plena vigência do
Estado Democrático de Direito e de um amplo consenso político e social.
Até aqui, por meio de
sucessivos governos, avançamos em algumas questões fundamentais: a aprovação da
Constituição de 1988, a abertura da economia, a estabilização da moeda, a
modernização do Estado, a garantia de renda mínima para os mais necessitados.
Entretanto, os desafios
ainda são enormes, principalmente na educação, na saúde, na segurança pública,
no saneamento básico e na habitação. Será com otimismo e fé na democracia que
esses desafios serão suplantados.
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