sábado, 15 de março de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Nova manobra para manter emendas ocultas é acintosa

O Globo

Regras aprovadas pelo Congresso ferem transparência, violam acordo entre Poderes e ofendem Constituição

É um acinte a insistência do Congresso em negar aos brasileiros o direito constitucional de rastrear o gasto público. Em sessão conjunta na quinta-feira, ela ganhou um novo e triste capítulo. Senadores e deputados — num arco que foi do PL ao PT — aprovaram regras sobre emendas parlamentares que contrariam a Constituição, contrariam decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e contrariam o acordo que os recém-empossados presidentes da Câmara e do Senado haviam firmado com o STF. O texto cria uma brecha para que os padrinhos das verbas continuem incógnitos nas emendas de comissão e de bancada. Se todos os partidos presentes no Congresso, com exceção dos nanicos Novo e PSOL, são contra a transparência, não restará outra alternativa ao Judiciário senão determinar novos bloqueios das verbas. O vaivém se arrasta desde 2022 — e precisa ter fim.

A reação à resolução foi imediata. As ONGs Transparência Brasil, Transparência Internacional e Contas Abertas emitiram nota afirmando que a decisão do Parlamento criou “mais uma versão do orçamento secreto”, em clara “afronta aos princípios constitucionais da publicidade e da moralidade que orientam o processo orçamentário e às determinações do STF”. A nota ressalta que a autoria das emendas coletivas — de comissão e bancada — continuará oculta “sob a assinatura de apenas uma pessoa”, o líder partidário ou o coordenador da bancada de cada estado. Para o Instituto Não Aceito Corrupção, a norma perpetua a “distorção decorrente da possibilidade de autores de projetos de emendas se esconderem atrás das figuras de líderes partidários e de bancadas, blindando-os do escrutínio”.

As regras atuais sobre as emendas surgiram depois do escândalo de corrupção conhecido como “Anões do Orçamento” nos anos 1990. Na concepção original, as emendas individuais serviriam para atender às demandas locais; as de bancada, às necessidades estaduais; e as de comissão, às prioridades nacionais. Com o tempo, tudo foi desvirtuado, e a fatia do Orçamento destinada às emendas explodiu, alcançando um patamar inédito no mundo democrático. Para completar, a cultura de esconder o nome dos parlamentares responsáveis por indicar as verbas foi mantida nas emendas de bancada e de comissão.

No mês passado, o ministro do STF Flávio Dino homologou um plano de trabalho apresentado em conjunto por Legislativo e Executivo para adequar as emendas às exigências da lei. O plenário da Corte referendou a decisão. No Congresso, parte das demandas foi atendida: haverá padronização de atas e planilhas das reuniões de comissão e bancada; códigos e informações relevantes sobre os montantes também serão registrados; haverá critérios comuns para divulgação. Todas essas mudanças podem ser descritas como avanços. Mas o principal ficou de fora.

Sem transparência, fica mais difícil o trabalho de fiscalizar desvios e irregularidades. Investigações já revelaram episódios insólitos: asfalto recém-inaugurado derretendo com o calor do sol, sacos de dinheiro arremessados pela janela e outras anomalias. No Brasil, mesmo quando tudo é rastreado, ainda há espaço para corrupção. Que dizer das operações mantidas nas sombras de propósito? A resistência do Congresso a deixar tudo às claras precisa acabar. Por questão de lógica, de moralidade e, também, simplesmente porque é o que manda a Constituição.


Queda de árvores em SP expõe como cidades estão vulneráveis

O Globo

Com tempestades e eventos extremos mais frequentes e intensos, cuidados usuais não têm dado conta do desafio

O temporal de quarta-feira em São Paulo, com ventos de mais de 60km/h, resultou em 343 relatos de queda de árvore, mais da metade do registrado em todo o mês de janeiro. No caso mais grave, um taxista morreu depois de seu carro ser atingido por um tronco na Avenida Senador Queirós, no Centro. A profusão de quedas interditou vias e, mais uma vez, provocou danos à rede elétrica, deixando dezenas de milhares de moradores sem luz. Não se trata de situação excepcional. Com eventos climáticos extremos mais intensos e frequentes, episódios assim não deveriam surpreender.

No inventário de prejuízos, inclui-se um xixá histórico no Largo do Arouche, também no Centro. Plantado há pelo menos 200 anos, com cerca de 30 metros de altura, era remanescente da época em que grandes chácaras dominavam a região. A queda do xixá — uma das árvores mais antigas da cidade — destruiu parte de um veículo. A Prefeitura alegou que fazia avaliações periódicas. Afirmou ainda ter 129 equipes para serviços de prevenção e poda na cidade. Mas é evidente que elas não têm dado conta da necessidade.

As mudanças climáticas impõem cuidado maior. Não há motivo para imaginar que novas tempestades não serão acompanhadas de rajadas de ventos e estragos semelhantes. Quanto mais vulneráveis as árvores, mais facilmente serão derrubadas, trazendo riscos e prejuízos. Não basta apenas podar. “A poda muitas vezes é a sentença de morte das árvores, na forma como é feita em São Paulo”, afirmou ao GLOBO o botânico e paisagista Ricardo Cardim. “A gente precisa de equipamentos que permitam enxergar por dentro das árvores.” Para ele, a Prefeitura deveria criar um núcleo especializado no plantio e na manutenção, de modo a evitar problemas como espécies inadequadas, cupins e construção de muretas bloqueando a absorção da água.

Em alguns bairros, a maioria das árvores está na fase final da vida, apodrecida ou infestada por cupins, à espera da trovoada ou rajada derradeira. Muitas das espécies plantadas não são indicadas para áreas urbanas, por isso devem ser monitoradas, já que seria inviável substituí-las. A simples queda de um galho, como se vê repetidamente, pode provocar enormes transtornos ao fornecimento de energia.

É importante, contudo, não tratar a árvore como problema. Por proporcionar sombra e aliviar o calor que se forma nas ilhas de concreto, ela é a solução para mitigar os efeitos do calor num planeta que não para de bater recordes de temperatura. O que as prefeituras têm de fazer é cuidar para que não fiquem tão vulneráveis a vendavais.

O cuidado com árvores é apenas mais uma das medidas que prefeituras devem tomar para adaptar as cidades às mudanças climáticas. É preciso investir em obras contra cheias e contenção de encostas, preparar planos de contingência para situações de emergência, remover moradores de áreas de risco e desenvolver sistemas de alerta. As práticas adotadas até agora não têm sido suficientes para dar conta dos desafios. E não há qualquer perspectiva de que o cenário extremo mudará.

Chance de paz na Ucrânia merece otimismo cauteloso

Folha de S. Paulo

Vaivém de Trump gera desconfiança dos dois lados; Putin tenta extrair o máximo do que para ele é uma derrota estratégica

Até agora a mais procedente ação da política externa de Donald Trump em termos de resultados, a ofensiva para pôr fim à Guerra da Ucrânia chegou nesta semana a um ponto de inflexão, que pode definir o destino do mais trágico conflito europeu desde 1945.

Em menos de dois meses, o presidente americano operou uma diplomacia de vaivéns atordoantes, deixando Moscou e Kiev desconfiados, cada uma a seu tempo.

Começou se alinhando a Vladimir Putin, trazendo o Kremlin para uma negociação bilateral baseada na controversa narrativa russa sobre a origem da guerra.

Dali decorreram cenas lamentáveis, como a admoestação pública de Volodimir Zelenski na Casa Branca, e o corte da ajuda militar dos EUA aos ucranianos.

Fiel à sua propalada tática negocial, o republicano então buscou abrir a porta a Kiev, pedindo em troca a aceitação de um cessar-fogo de 30 dias. Deu certo, e o fluxo de armas e de imagens de satélite foi restabelecido.

Movimento que desagradou Putin. Ante o coloquial "a bola está na sua quadra" enunciado por Trump, o autocrata russo devolveu dizendo que aceita a trégua, mas apenas se os termos da negociação de paz já estiverem claros.

Em outras palavras, os seus termos: neutralidade ucraniana, desarmamento do país e a cessão final dos cerca de 20% do território que controla do vizinho. A Casa Branca parece inclinada a aceitar o pacote e restará pouco a Kiev a não ser fazer o mesmo. Contudo há um inventário de óbices a ser examinado antes.

O mais espinhoso é a questão das garantias de segurança para a manutenção da paz. A Rússia afirma que sua palavra basta, mas os EUA e a Ucrânia querem uma força estrangeira para esse fim no local, europeia de preferência, o que Moscou rejeita.

Afinal, um dos motivos alegados por Putin para invadir o vizinho em 2022 foi justamente o risco de as forças da Otan, a aliança militar do Ocidente, ficarem ainda mais próximas com uma possível adesão da Ucrânia.

Esse assunto é um lembrete de como a guerra, por mais que termine favorável a Putin, também representa uma derrota estratégica do russo. Ele fracassou em dobrar um país mais frágil em poucas semanas, como era esperado até no Ocidente.

Ademais, viu sua fronteira seca com a Otan duplicar de tamanho, com a adesão da Finlândia devido ao discutível temor de que a Rússia não vai parar na Ucrânia. Por fim, há a fraqueza exposta pela necessidade do fim das sanções que ameaçam no longo prazo a economia de seu país.

Isso dito, a dura negociação é hoje a melhor chance para a matança acabar, o que justifica o otimismo cauteloso expresso em Moscou e Washington.

O risco, ainda inescrutável, é que Trump pode passar à história como uma versão caricata de Neville Chamberlain, o premiê britânico que vendeu terras alheias para comprar um ano de paz inútil com Adolf Hitler em 1938.

Diplomática, carta da COP30 deixa de lado gargalos

Folha de S. Paulo

Texto sobre cúpula do clima em Belém é otimista, apesar da alta emissão de carbono e de retrocessos no multilateralismo

A carta sobre a cúpula do clima em Belém (COP30) divulgada pelo embaixador André Corrêa do Lago, que a presidirá, embora se atenha à linguagem prudente da diplomacia, contém palavras fortes.

O documento profere a usual exortação a governos, empresas e organizações: "2025 tem de ser o ano em que canalizaremos nossa indignação e tristeza para uma ação coletiva construtiva. A mudança é inevitável —seja por escolha ou por catástrofe".

Apesar do arroubo, o texto passa ao largo do mau momento no multilateralismo, minado sob Donald Trump. Intimidação e isolacionismo foram ressuscitados após décadas de bonança globalizante no pós-guerra.

Há dois gargalos para a ação internacional contra a crise do clima: a queima ainda em alta de combustíveis fósseis e o financiamento de medidas de mitigação, para reduzi-la e neutralizá-la em menos de 30 anos, assim como de adaptação, para atenuar seus impactos presentes e futuros.

O primeiro mal é mencionado na carta. A inadiável redução do uso de carvão, petróleo e gás natural aparece só uma vez, quando trata dos objetivos fixados na COP28omitindo que foram obliterados na subsequente COP29.

Não por acaso, as duas cúpulas foram realizadas em países exportadores de petróleo e gás, Emirados Árabes e Azerbaijão. Ambos são membros da Opep, condição ora cobiçada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com a perspectiva de um novo pré-sal na foz do Amazonas.

Aqui, Planalto e Petrobras propagandeiam que a renda da margem equatorial custearia a transição energética. Alhures, petroleiras recuam de compromissos com energias renováveis, aproveitando o negacionismo climático impulsionado por Trump.

Estender-se sobre tal contradição equivaleria a falar de corda em casa de enforcado. Calar-se, entretanto, não dissipará o tom ambíguo que acompanha o anfitrião petista interessado em perfilar-se como estadista verde.

A carta dá mais atenção ao financiamento, ao tentar reviver a meta de US$ 1,3 trilhão por ano para mitigação e adaptação.

Mas instituições financeiras estão se afastando das exigências de neutralidade climática —como evidencia a debandada dos americanos da Net-Zero Banking Alliance, uma liga de bancos que se comprometem a aliar seus serviços com proteção ambiental.

A diplomacia está decerto condenada ao otimismo, mesmo com maus augúrios. Para outros setores, mais prudente é preparar-se para um mundo que vem escolhendo a catástrofe.

Congresso dá outro passa-moleque no País

O Estado de S. Paulo

Após ter prometido pela enésima vez ao STF cumprir o que manda a Constituição sobre as emendas parlamentares, o Congresso, pela enésima vez, mostra seu profundo desprezo pelos cidadãos

Todo poder emana do povo. Todo dinheiro nas mãos do poder público, também. Mas é estupefaciente a profusão de contorcionismos e prestidigitações dos mandatários do povo para ocultar o que fazem com o seu dinheiro. Os parlamentares se recusam a dar transparência sobre as emendas ao Orçamento da União, um comportamento profundamente antidemocrático.

Lá se vão oito meses desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a execução das emendas parlamentares até que se cumprissem exigências mínimas de transparência e rastreabilidade. No início do mês, a cúpula do Congresso celebrou um acordo com o governo e o STF comprometendo-se a redefinir o rito das emendas para identificar seus autores e dar transparência a critérios, valores e prazos.

Seguir a Constituição deveria ser simples e incontroverso, mas, nessa novela farsesca e monótona, a cada passo à frente que um Congresso relutante é forçado a dar por pressão popular ou judicial, os congressistas maquinam meios de dar vários passos atrás de volta à penumbra.

A aprovação do novo rito, anteontem, foi um exemplo de velhacaria na forma e no conteúdo, a começar pelo procedimento: a minuta preparada na cozinha do alto clero só circulou entre os parlamentares na véspera da votação, e o relatório oficial só ficou disponível 50 minutos antes. Alguns parlamentares pediram mais tempo para analisar o texto, mas a chefia negou.

A minuta esvaziava competências das consultorias de Orçamento, fiscalização e controle do Congresso, formadas por técnicos concursados para servir aos interesses públicos do Parlamento independentemente dos interesses particulares dos parlamentares de turno. Justamente essas consultorias vêm detectando irregularidades no manejo das emendas. Se prevalecesse a vontade dos autores do projeto, as consultorias seriam submetidas a uma tal “secretaria especial” comandada por algum títere dos líderes do Congresso. A ironia é que essas consultorias independentes foram criadas nos anos 1990 por recomendação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito justamente em reação ao escândalo de desvio de emendas dos “Anões do Orçamento”. O relógio institucional retrocederia 30 anos, com a diferença de que à época o volume de emendas era troco de pinga comparado às dezenas de bilhões de reais de hoje.

Denunciada por organizações civis que tiveram acesso à minuta, a manobra para esvaziar as consultorias foi abortada aos 45 do segundo tempo. Mas o texto aprovado por uma “frente ampla” de governo e oposição cria novos subterfúgios para cimentar a opacidade na distribuição das emendas. Tal como no malfadado “orçamento secreto”, revelado pelo Estadão e declarado inconstitucional pelo STF em 2022, a nova resolução adota figuras interpostas – antes o relator e as comissões, agora os líderes partidários e de bancada – que formalizam o pedido das emendas, mas ocultam seu patrocinador.

Várias regras mantêm os processos decisórios nas sombras, como as que flexibilizam o teto individual para cada autor das emendas, permitem que recursos previstos para as bancadas de um Estado sejam repassados a outro, ou dispensam detalhamentos e justificativas para as alocações.

Por que os mandatários em Brasília gastam tanta energia criativa para esconder dos eleitores o que fazem com seu dinheiro? A pergunta é retórica: é precisamente a falta de transparência que disfarça o favorecimento a parlamentares aliados do comando do Congresso, fazendo das emendas a seiva que alimenta campanhas eleitorais e amplia o poder dos grupos políticos que controlam sua distribuição.

O relator do caso das emendas no STF, ministro Flávio Dino, antecipou que as providências do Congresso “estão muito longe do ideal” e não descartou novos bloqueios. “Às vezes me perguntam: ‘Quando vai acabar?’. Vai acabar quando o processo orçamentário estiver adequado plenamente ao devido processo constitucional”, disse. A depender da audácia desta legislatura, os passa-moleques para burlar a Constituição não acabarão nunca. Caberá ao eleitorado dizer nas urnas até quando tolerará a apropriação descarada de seu dinheiro para fins privados.

A democracia numa encruzilhada

O Estado de S. Paulo

Há 40 anos, o País celebrava a volta do poder político para os civis. A conquista histórica, porém, foi só o início de uma jornada democrática cuja maturação ainda enfrenta diversos desafios

O Brasil celebra hoje 40 anos de vida democrática, o mais longo período ininterrupto sob a égide das liberdades civis na história do País. Em 15 de março de 1985, José Sarney tomava posse como presidente da República em razão da tragédia que se abateu sobre a Nação com o adoecimento de Tancredo Neves, eleito indiretamente pelo Colégio Eleitoral dois meses antes e hospitalizado na véspera.

A histórica posse de Sarney perante o Congresso marcou o fim de 21 anos de ditadura militar e o início da Nova República, um ciclo no qual o País reconstruiu suas instituições, restabeleceu direitos e garantias fundamentais dos cidadãos e assistiu à alternância de poder por meio de eleições livres e justas, ainda que sobressaltado por dois processos de impeachment e uma tentativa de golpe de Estado. Ao fim e ao cabo, a democracia prevaleceu sobre os ressentidos com a abertura política. Mas isso significa que, 40 anos depois, estejamos diante de uma democracia plenamente consolidada? Este jornal entende que ainda não.

Sob os auspícios da Nova República, é inegável que a sociedade experimentou avanços políticos, econômicos e sociais típicos do regime democrático. A promulgação da Constituição de 1988, o pacto social do Brasil redemocratizado, é o mais vistoso deles, malgrado sua notável prolixidade. Também se deve à retomada da democracia a criação do Sistema Único de Saúde, expressão da saúde de todos como direito, e não como privilégio, a recuperação do valor da moeda e o fim da hiperinflação, a redução da pobreza e a ampliação dos segmentos sociais com acesso à educação, entre outros louváveis feitos civilizatórios que só governos do povo, pelo povo e para o povo podem realizar.

Contudo, se há avanços a celebrar, também há distorções e ameaças que não podem ser negligenciadas. Em que pese sua resiliência, a democracia brasileira ainda convive com fragilidades institucionais, com ataques a seus primados e com a ascensão de uma extrema direita que se orgulha de sua saudade da ditadura militar. Antes circunscrita às franjas da sociedade, essa direita tacanha – autoproclamada conservadora, quando é só reacionária – ganhou força eleitoral e agora explora as garantias do Estado Democrático de Direito para tentar subvertê-lo.

Como falar em democracia madura quando o próprio Congresso, a expressão maior da representação política, a abastarda por meio de uma abjeção como o “orçamento secreto” e suas derivações? No caso brasileiro, sui generis, o Poder Legislativo suplantou o Executivo na execução de parte substancial da porção discricionária do Orçamento, ficando com o bônus eleitoral sem ter qualquer responsabilidade sobre a execução das obras e dos programas que recebem os recursos – e isso tudo ao abrigo dos mais elementares controles republicanos. Emendas opacas chegaram a financiar campanhas eleitorais em diversos municípios, como revelou este jornal, uma completa subversão da própria democracia representativa.

Também não se pode considerar madura a nossa democracia, ao menos não sem falsear a verdade dos fatos, quando a mais alta corte de Justiça do País, olímpica em relação às críticas de boa-fé que lhe são feitas, segue cometendo uma pletora de barbaridades jurídicas supostamente em defesa, ora vejam, da Constituição e do Estado Democrático de Direito. Ademais, aquele Supremo do alvorecer da Nova República, discreto, cioso de sua missão constitucional, transformou-se num tribunal que trata suas incursões indevidas sobre a vida política do País como um dever moral.

Cabe à sociedade aprimorar a democracia que está a seu serviço. Passividade não se coaduna com a democracia vibrante que queremos para o Brasil. É preciso reafirmá-la todos os dias, derrotar nas urnas os discursos autoritários e fortalecer as instituições que garantem sua higidez com a força das leis. Um bonito caminho foi percorrido desde 1985, mas a História ensina que retrocessos são possíveis quando os cidadãos não valorizam nem defendem suas conquistas.

SP cuida mal de suas árvores

O Estado de S. Paulo

Mais uma vítima de queda de árvore num temporal mostra que preservação ainda deixa a desejar

Na tempestade que atingiu a cidade de São Paulo no último dia 12, a ventania derrubou uma árvore sobre um táxi, matando seu motorista. A tragédia poderia ter sido maior, pois no táxi estavam uma mãe com seu filho, que escaparam por pouco. O motorista foi o sexto morto pelas chuvas do verão na capital paulista, mas seu caso chama a atenção em especial porque se trata de mais uma vítima de queda de árvore – só no dia 12, caíram 217 durante a chuva na cidade.

Curiosamente, poucas horas antes da chuva, São Paulo recebeu, pela quarta vez seguida, o certificado de “Cidade Árvore do Mundo”, da Arbor Day Foundation e da ONU. O título vai para cidades que se destacam na preservação e promoção da vegetação urbana. Uma dessas árvores que ajudaram a cidade a conservar o certificado era um chichá de 200 anos, típico da Mata Atlântica, que estava no Largo do Arouche e também não resistiu aos ventos.

Reportagem do Estadão com especialistas mostrou que esses episódios poderiam ter sido minimizados, mas se repetem a cada chuva porque a manutenção das árvores não é correta nem há planejamento de plantio. Segundo os professores de instituições como USP e Unifesp, quando há o plantio, as espécies escolhidas são de porte inadequado, o que leva a conflito com a fiação, além de constrição na base e nas raízes. Não raro, as podas são mutiladoras, o que desequilibra as plantas.

É claro que ventos fortes podem derrubar árvores. Mesmo espécimes sadios sucumbirão a ventos acima de 80 quilômetros por hora (km/h), segundo os especialistas, mas, na chuva mais recente, os ventos foram de 60 km/h. Uma massa arbórea mais densa ajudaria a conter o impacto dessas rajadas.

Para tentar mostrar trabalho, a Prefeitura informou que 129 equipes se dedicam à prevenção e à poda, que 163.808 árvores foram podadas em 2024 – alta de 39% em relação a 2019 – e que o número de engenheiros agrônomos trabalhando para o município cresceu de 239, em 2021, para os 394 de hoje.

A Prefeitura afirmou ainda que tem o mapeamento de todas as 52 mil árvores do Subdistrito da Sé, que engloba 25 bairros e 8 distritos, vistoriando-as a cada dois anos. E sobre a árvore que desabou sobre o taxista, alegou que “não constam pedidos para poda ou remoção”.

Apesar desses dados, os esforços parecem insuficientes. Como bem lembrou o botânico Ricardo Cardim em entrevista ao Estadão, basta um passeio curto por São Paulo para ver “um festival de árvores com cimento afogando tronco, muretas, podas mutiladoras, cupins, espécies equivocadas, um festival de erros e problemas”. Segundo ele, basear a manutenção só em poda de árvores é insuficiente.

Isso parece claro. Enquanto a Prefeitura se declara empenhada em manter em ordem as árvores da cidade, cada chuva mais forte se encarrega de mostrar que esse esforço, se existe, não tem sido bem-sucedido. Considerando-se que pessoas morrem em razão das frequentes quedas de árvores em temporais, ou mesmo quando não chove, é o caso de cobrar da Prefeitura outras soluções, urgentes, porque as atuais não estão funcionando.

Comemorar 40 anos de democracia

Correio Braziliense

Garantir que as conquistas democráticas das últimas quatro décadas não sejam apenas preservadas, mas ampliadas, depende da plena vigência do Estado Democrático de Direito e de um amplo consenso político e social

Quatro décadas após a redemocratização do país, que comemoramos hoje, ao homenagear o ex-presidente José Sarney no dia de sua posse (15 de março de 1985), o Brasil enfrenta o desafio de fortalecer seu Estado Democrático de Direito diante das ameaças do extremismo e da radicalização política. Isolar o "vírus" do golpismo é fundamental para a estabilidade institucional e para a construção de um ambiente político baseado no diálogo e na tolerância.

Comemorar o dia de hoje, como uma data nacional de grande relevância histórica, é ainda mais importante depois das graves revelações sobre a tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023. Quando vândalos invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília, houve um ataque coordenado contra as nossas instituições democráticas. O episódio foi o reflexo de um ambiente de radicalização política e de disseminação de desinformação sobre o processo eleitoral, que é um dos pilares da nossa democracia de massas.

Os inconformados com a derrota do ex-presidente Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2022 invadiram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF), destruíram móveis, vidraças e obras de arte, além de saquearem documentos. O objetivo aparente era forçar uma intervenção militar para destituir o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, eleito democraticamente, uma semana após a sua posse, como foi comprovado no decorrer das investigações. 

Seus responsáveis estão sendo devidamente responsabilizados perante o Supremo Tribunal Federal (STF) pelo Ministério Público. O episódio foi amplamente condenado por lideranças políticas nacionais e internacionais, sendo comparado à invasão do Capitólio dos Estados Unidos, em 6 de janeiro de 2021. 

Entretanto, a tentativa de golpe reforçou a necessidade de vigilância contra ameaças à democracia e levou a um fortalecimento do combate à desinformação e ao extremismo político no Brasil. Ao mesmo tempo, demostrou a resiliência e a capacidade de reação de nossas instituições, inclusive as Forças Armadas, que não ouviram as vivandeiras da intriga.

A democracia não é uma obra pronta e acabada. É uma construção permanente, sujeita às viragens eleitorais e mudanças de conjuntura, às contingências econômicas e internacionais. No caso brasileiro, sua trajetória não foi uma linha reta, de avanços continuados, mas um caminho sinuoso, cheio de obstáculos desafiadores — entre os quais, as desigualdades sociais e os preconceitos, o racismo e a misoginia. 

Equilibrar crescimento econômico com justiça social e garantir que as conquistas democráticas das últimas quatro décadas não sejam apenas preservadas, mas ampliadas, para beneficiar toda a população, é uma tarefa que depende da plena vigência do Estado Democrático de Direito e de um amplo consenso político e social.

Até aqui, por meio de sucessivos governos, avançamos em algumas questões fundamentais: a aprovação da Constituição de 1988, a abertura da economia, a estabilização da moeda, a modernização do Estado, a garantia de renda mínima para os mais necessitados. 

Entretanto, os desafios ainda são enormes, principalmente na educação, na saúde, na segurança pública, no saneamento básico e na habitação. Será com otimismo e fé na democracia que esses desafios serão suplantados.

 

 

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