segunda-feira, 15 de junho de 2009

Escritores combatentes: o Congresso de escritores de 1945*

Ana Amélia de M. Cavalcanti de Melo**

Em janeiro de 1945 seria realizado em São Paulo o I Congresso Brasileiro de Escritores, organizado pela Associação Brasileira de Escritores. A relevância do encontro no âmbito do processo de redemocratização tem sido apontada seja em estudos referentes à história do PCB ou sobre a trajetória de alguns intelectuais brasileiros. No entanto pouco tem sido pesquisado sobre a organização da associação que convoca este e outros Congressos de Escritores que se realizarão seguidamente e que serão palco de intensas disputas.

O Congresso reuniria delegados de diversos estados brasileiros. Podem ser citadas a modo de exemplo algumas representações importantes como Graciliano Ramos e Aurélio Buarque de Holanda de Alagoas, do Ceará estaria presente Raquel de Queiroz, Raimundo Magalhães e Herman Lima. O Distrito Federal, teria sua representação composta de vinte membros tais como Affonso Arinos, Aparício Torely, Augusto Frederico Schmidt, José Lins do Rego, Moacir Wernneck de Castro, Manuel Bandeira, Sergio Buarque de Holanda, etc. Do Estado do Rio com Astrojildo Pereira, de São Paulo com Caio Prado, Antonio Candido, Mário de Andrade, Monteiro Lobato e várias delegações estrangeiras da França, Suíça, Inglaterra, Rússia, Áustria, Itália, Espanha, Portugal, Alemanha, Grécia, Estados Unidos, Canadá, República Dominicana, Paraguai, Panamá e México.[1]

A abertura faz-se oficialmente com o discurso do Presidente da sessão de São Paulo, Sérgio Milliet no qual afirma as sérias dificuldades da realização do encontro, não apenas pelas comuns questões financeiras, mas pelo desinteresse da categoria. O discurso, no entanto, faz apelo as responsabilidades do escritor frente ao mundo. No mesmo sentido é pronunciado o discurso de Aníbal Machado, presidente do diretório nacional da ABDE, enfatizando o papel do escritor na vida nacional. O destaque dos dois principais discursos torna claro o propósito do congresso. Entretanto o direcionamento político do evento não se faz sem tensões e resulta da hegemonia de certas forças que interessa aqui estudar.

A ABDE, esta associação de classe, se por um lado seria fundada com o objetivo de refletir sobre temas específicos do ofício de escritor, entretanto ao se propor no Congresso de 1945 uma pauta de discussões em torno da democratização da cultura e liberdade criativa coloca-se como espaço de discussão da política nacional. A própria atuação dos intelectuais nesta década será fortemente marcada pelo resgate da questão da liberdade como essencial na vida política. Este será o tema que, segundo Berenice Cavalcante, dará sentido as palavras formuladas nesse momento.[2] Os intelectuais que se reuniriam no Congresso de 1945 percebem-se como portadores de um papel na sociedade que se relaciona ‘a ação pública, ao mundo da política.

Segundo as declarações de Jorge Amado, presidente da delegação baiana da ABDE e um dos Vice-presidentes do Congresso, ele fora chamado pelo PCB para desempenhar a “tarefa” de ajudar na organização do conclave. Os delegados da Bahia eram Homero Pires, Odorico Tavares, Dias da Costa, Alberto Passos Guimarães, James Amado, Edson Carneiro, Jacinta Passos, Vasconcelos Maia, etc. Segundo o escritor baiano duas correntes se debatiam no plenário: os democratas e os comunistas. O grupo dos democratas era composto por liberais, democratas cristãos e sociais democratas além de comunistas não-alinhados como Caio Prado Jr., Mario Shemberg e obedeciam “à batuta” de Carlos Lacerda que havia rompido com o PCB em 1942.[3]

O momento era de absoluta necessidade de definição no campo ideológico. Esta atmosfera tem na literatura o melhor exemplo. A atualização formal que se fizera nos anos 20, fora, na década de 30, inteiramente absorvida. O anticonvencionalismo tornara-se não mais uma transgressão, mas um direito amplamente praticado e muito bem recebido.[4] O momento era o de revolver o conteúdo, atualizá-lo no sentido de uma crítica social feroz.

Os escritores alem da Torre de Marfim

A fundação da ABDE é sintomática dessa postura dos escritores. Além disso, a entrada do Brasil na guerra nesse mesmo ano criava um grande apelo nacional de mobilização dos ânimos no combate ao facismo. Esta seria também a postura dos comunistas brasileiros seguindo a orientação internacional. A luta democrática, vencida a guerra, continuava a ser uma bandeira defendida pelos intelectuais brasileiros organizados em torno da ABDE. A realização do I Congresso de Escritores no Teatro Municipal de São Paulo seria marcante como um dos eventos políticos mais importantes do período. O Congresso é encerrado com a leitura e aclamação de uma declaração em defesa da liberdade e da democratização da cultura.

Entretanto, apesar do consenso em torno de questões mais gerais, a politização da ABDE gerava certas tensões e conflitos. Para alguns a Associação deveria manter seu caráter de uma entidade meramente de escritores. Nessa perspectiva é criada a UTI (União dos Trabalhadores Intelectuais) com o sentido de aliviar a ABDE das demandas políticas. Astrojildo Pereira seria seu presidente provisoriamente.

Destes escritores o exemplo de Graciliano Ramos é bastante significativo da tensão existente neste momento em torno da função do intelectual na vida política brasileira e das tensões que se estabelecem no interior da ABDE. Na biografia de Graciliano os anos 40 são assinalados por uma participação na política de caráter muito mais acentuado do que fora até então e com um grau de repercussão nacional que ele nunca conhecera. A homenagem realizada no Rio de Janeiro, em 1942, pelo aniversário de seus 50 anos, com a participação de inúmeros intelectuais, políticos e escritores, confirmaria sua consagração. Graciliano tornara-se um homem público cuja opinião e inserção em atos políticos era importante. A compreensão que teria dessa sua nova situação continuaria sendo marcada pela discrição absoluta. No processo de ebulição democrática que se iniciava no país, Graciliano integrar-se-ia às campanhas pela anistia aos presos políticos e pela convocação da constituinte.[5] Seria nesse fluxo de acontecimentos políticos do ano de 1945 que Graciliano se tornaria membro do Partido Comunista Brasileiro.

Dentro do PCB o escritor mantinha-se fiel às diretrizes internas, considerando que, um indivíduo, ao filiar-se a qualquer partido, tacitamente estava de acordo com o que fosse estabelecido.[6] À afirmação feita pela filha do escritor deve-se acrescentar, no entanto, outras circunstância de sua vida. O próprio conflito que teria com as lideranças do PCB, quando inicia a elaboração das Memórias do Cárcere, indica que o grau de aceitação parece não ter sido total. Prevalecia a necessidade de independência que não via na filiação dever de obediência.

A experiência da cadeia certamente redefiniriam a visão política do escritor, acentuando um conflito interior entre a necessidade de atuar na política do país, a participação na construção dos rumos da sociedade brasileira e o sentimento de ceticismo e dúvida permanente que lhe subtraía a vontade de atuar efetivamente. Diria em Memórias do Cárcere:

“Se todos os sujeitos perseguidos fizessem como eu, não teria havido uma só revolução no mundo. Revolucionário chinfrim. Desculpava-me a idéia de não pertencer a nenhuma organização, de ser inteiramente incapaz de realizar tarefas práticas. Impossível trabalhar em conjunto. As minhas armas, fracas e de papel, só podiam ser manejadas no isolamento.”

“Realmente não me envolvera em nenhum barulho, limitara-me a conversas e escritas inofensivas, e imaginara ficar nisso. A convicção da própria insuficiência nos leva a essas abstenções; um mínimo de honestidade nos afasta de empresas que não podemos realizar direito.” [7]

À parte as atividades do partido, o escritor seria um dos mais ativos participantes da Associação Brasileira De Escritores (ABDE). Graciliano não pudera participar do Congresso de 1945 mas acompanhava e integraria suas atividades.

Com o PCB novamente na ilegalidade em 1947, seus membros buscariam outras formas de inserção política no país. A ABDE seria uma dos órgão preferidos, uma vez que dela participavam diversos escritores que pertenciam ao partido, além de ser ela uma organização caracterizada por uma atuação importante na política nacional. No segundo semestre de 1947 seria realizado o II Congresso dos escritores e este seria o momento de dar maior ênfase à atuação dos comunistas na associação. A questão fundamental, apresentada no congresso pelos escritores comunistas, entre eles Jorge Amado, seria a da aprovação de uma moção contra o fechamento do PCB e contra a caça os seus parlamentares. Ao querer priorizar essa moção, alguns dos membros da Associação opuseram-se. A contenda que se estabeleceria revelava, na verdade, um outro conflito que se desenvolvia dentro do partido. Por um lado havia a necessidade de atuação dos comunistas, postos na ilegalidade, a partir de outras vias que não a partidária; por outro existiam divergências entre os membros do partido com relação ao dogmatismo. A estes conflitos somava-se ainda o desagrado dos não comunistas frente à transformação da ABDE em órgão de representação do PCB. Graciliano, apesar de discordar do estreito sectarismo que em muitos casos se impunha, sobretudo nas questões literárias, apoiaria os comunistas.[8]

Dentro desse quadro, a participação dos comunistas na ABDE, sobretudo o interesse do partido em dirigi-la, seriam vistos com desagrado pelos outros membros da associação. Graciliano Ramos, em 1947, durante o II Congresso, seria consultado sobre a possibilidade de assumir a presidência da associação uma vez que seu anterior presidente, Guilherme Figueiredo, havia renunciado por divergências ideológicas com o PCB. Graciliano recusaria o convite.

Apesar de todas as divergências com relação à política cultural do PCB, Graciliano manter-se-ia em suas fileiras e chegaria, por duas vezes, nos anos 51 e 52, a presidir a ABDE, já definitivamente controlada pelo PCB. Seria precisamente como representante dessa instituição que o escritor seria convidado à URSS para os festejos de 1º de maio.

Durante a realização do Congresso em 1945 a expectativa difundida na imprensa era do papel dos intelectuais na condução da sociedade. Falava-se na missão dos escritores reunidos no Congresso[9]. De acordo com Werneck Sodré, em suas memórias, a ditadura já incapaz de impedir a realização do evento, impediria a divulgação na imprensa das declarações finais.[10]

Não obstante, o evento se transforma em um acontecimento político marcante assinalando o início do processo de redemocratização. Os intelectuais assumem a cena política trazendo a tona uma das teses em debate: “O apolitismo dos intelectuais” de Osório Borba.

No parecer lido por Astrojildo Pereira afirma-se: “A tese em apreço examina os aspectos mais expressivos de tão debatido problema da posição dos intelectuais em face das questões de ordem política, e com razão afirma que o chamado ‘apoliticismo’ dos intelectuais “é apenas uma posição conformista, fuga a um dever elementar de cidadania”[11]
* Texto apresentado no XXVIII Congresso Internacional da Associação de Estudos Latino-Americanos - LASA2009 / Repensar as desigualdades - 11- 14 DE JUNHO 2009 - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro(PUC/RJ).

** Ana Amélia é professora do Departamento de História da UFCE.

[1] Anais do I Congresso Brasileiro de Escritores. São Paulo, Imp. Graf. Da Revista dos Tribunais, 1945.

[2] Berenice Cavalcante. Certezas e ilusões: os comunistas e a democratização da sociedade brasileira. Rio de Janeiro, Eduff, 1986.

[3] Amado, J. Navegação de Cabotagem. Rio de Janeiro, Record, 1993.

[4] A afirmação é feita por Antonio Candido, “A Revolução de 1930 e a cultura”, Novos Estudos Cebrap, São Paulo, V, 2, 4, pp. 27-36, abril 1984, p. 30.

[5] RAMOS, Clara, Cadeia. Rio de Janeiro, José Olympio, 1992p. 166.

[6] Ibid., p. 169

[7] Memórias do Cárcere. São Paulo, Círculo do Livro, s/d. p. 36.

[8] MORAES, Dênis, O velho Graça: uma biografia de Graciliano Ramos. Rio de Janeiro, José Olympio, 1993, p. 248.

[9] Jornal do Brasil, 23 de janeiro de 1945.

[10] Nelson Wernneck Sodré, Memórias de um escritor. Rio de Janeiro, Civilização. Brasileira, 1970, p. 335.

[11] Anais. Op. Cit. P. 145.
FONTES

Mario Neme (or.) Plataforma da Nova geração. Porto Alegre, Ed. Livraria Globo, 1945.

Carlos Laurence Hallewell. O livro no Brasil: sua história. São Paulo, T. A. Queiroz/Edusp, 1985.

O medo da classe sem destino

José de Souza Martins*
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

Em sua decadência, a nova classe média brasileira está usurpando a ideologia de esquerda para sustentar práticas de direita

O previsto fim da classe média, em face da crise econômica e da recessão eufemisticamente chamada de "técnica", é improvável, pois a classe média é média porque está no meio de extremos, que com a crise se radicalizam. Não obstante, há uma classe média no que esse estrato social consolidou como padrão de consumo e padrão de comportamento, traduzidos numa mentalidade própria e peculiar, a do medo. A classe média se constitui na única classe sem destino e, portanto, a que mais teme as incertezas que a rodeiam. É, sem dúvida, a que mais facilmente se dá conta de que as coisas vão mal e a que mais prontamente reage contra mudanças e riscos, com facilidade tornando-se conservadora e direitista.

Aqui as coisas acontecem de modo diverso do que ocorre nos países prósperos. O favorecimento da direita, nas recentes eleições europeias, indica uma rápida tradução política da crise econômica. Na ameaça, ela reflui para a defesa corporativa de seus interesses e de seus privilégios, elege inimigos e culpados, como os estrangeiros, radicaliza e cinde a sociedade. Na vida cotidiana ela já exercita o radicalismo compensatório que supostamente a protege contra o que ameaça banir seus membros para os estratos inferiores da sociedade.

O sociólogo americano C. Wright Mills, autor do melhor estudo já feito sobre a classe média, a define como a classe do homem pequeno, na mentalidade minúscula que rege sua vida de todo dia. Desprovido de originalidade porque sobrevive na dependência de um desempenho teatral, é antes de tudo imitador e copista. Faz sacrifícios imensos, pagando prestações, para ter os itens do consumismo e do modo de vida que o insere no teatro das aparências que é a sociedade moderna.

É a única classe social que paga juros para se apresentar socialmente.

É próprio da classe média a adoção de um equipamento de identificação, como trajes, calçados, adornos pessoais e objetos complementares, como óculos, relógios e agora o celular, que no seu cenário de ocultamento cotidiano, que é a rua, lhe permita imitar quem não é, mas gostaria de ser, a elite cujos padrões são difundidos pelo cinema, pela televisão e pelos jornais e revistas. Os modos e gestos, a fala e a postura do corpo completam essa adaptação imitativa que torna a vida suportável e escamoteia as crises econômicas cada vez mais frequentes.

No Brasil, a classe média tem características singulares decorrentes de sua história peculiar. Aqui ela se propôs, com a difusão do trabalho livre, muito aquém do marco liberal, contratual e racional que lhe foi próprio nos Estados Unidos e nos mais avançados países europeus. Em nosso marco próprio definiu-se nossa ideologia da ascensão social pelo trabalho, o caminho dos trabalhadores para a classe média. A ideologia da ascensão pressupunha méritos para escalar os degraus do escape das posições sociais ínfimas. Portanto, regulava não só o ritmo da mobilidade social, mas também instituía um certo conformismo na mudança. Até os anos 50, a ascensão se estendia por pelo menos três gerações até que avós pudessem ver seus netos claramente situados na classe média, empregados em ocupações de trajes limpos e compostos, prisioneiros da deferência cerimonial no trato de terceiros, adotando modos e gestos de distanciamento social em relação aos inferiores. Mudanças profundas começaram a ocorrer nos mesmos anos 50, sobretudo com a expansão industrial, a ampliação da indústria automobilística e as migrações originárias do campo. Uma certa pressa no progresso pessoal se difundiu, baseada na valorização da escola e da educação como meio de ascensão social, operários seguros de que seus filhos seriam doutores.

A mentalidade ascensionista sofreu, porém, profundas mudanças e adaptações num cenário em que o crescimento populacional urbano parece cada vez mais descompassado com as oportunidades de inserção individual na prosperidade econômica de um país que empresta US$ 10 bilhões ao FMI, mas não assegura emprego e salário digno às novas gerações. Mais importante do que a educação veio a ser o diploma, mais importante do que a personalidade veio a ser a vestimenta, mais importante do que a classe social veio a ser a ideologia de classe.

A consciência de classe média persistiu, porém não mais como consciência da obrigação dos sacrifícios próprios das conquistas pessoais, do preço a pagar pela ascensão, mas como consciência do débito entre o desejado e o realizado, do preço a receber pela condição de classe. A nova classe média brasileira não está perecendo, mas está em franca decadência, o que pode ser observado todos os dias, nos últimos anos, no tipo de reivindicação que faz e no protesto que grita. As reivindicações corporativas, como as das cotas de todo tipo para ingresso nas universidades proclamam a disseminação de um novo vestibular, não mais para selecionar talentos, mas para distribuir privilégios, o vestibular das cotoveladas nos direitos universais em nome dos direitos corporativos. Ainda nestes dias, nos incidentes ocorridos na Cidade Universitária, na USP, tivemos claras evidências da inversão de valores da velha classe média na prática da nova classe média. Os estudantes opõem-se à implantação, pela Secretaria de Ensino Superior de São Paulo, da Universidade Virtual, que seguindo o exemplo dos países modernos, tornaria o ensino superior de boa qualidade acessível a populações privadas dessa possibilidade.


No fundo, levantam a bandeira reacionária de pretenderem o ensino público e gratuito só para si. Os professores não foram por via diferente: numa assembleia de 94 docentes, 80 votaram pela greve e a impuseram aos outros cerca de 4.900 professores da USP, que não delegaram à minoria ínfima o direito de decidir por eles. Comportamentos de direita na nova classe média estão marcados por outra característica própria do despistamento e do caráter dessa categoria social: a usurpação da ideologia da esquerda para sustentar práticas de direita.

*Professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Autor de Fronteira - A Degradação do Outro nos Confins do Humano (Contexto, 2009)

Uma olhada no Chile

Fábio Wanderley Reis
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Para muitos brasileiros de minha geração, o Chile se transformou numa referência pessoal e política de importância. Pessoalmente, assim como outros têm cônjuges chilenos, eu próprio tenho uma filha chilena de nascimento, fruto de um período de dois anos em que morei no país.

Politicamente, além de animadas discussões com colegas chilenos em que a instabilidade brasileira de começos da década de 1960 era qualificada por eles como "tropicalismos" a que o Chile seria infenso, lembro, naturalmente, o interesse com que a partir de certo ponto, já imerso o Brasil na ditadura de 1964, acompanhamos de cá (ou de lá, em muitos casos) a experiência chilena da busca de uma transição singular ao socialismo por via democrática - e o duro aprendizado de todos, em seguida, de que as raízes sociológicas das turbulências brasileiras iam bem além dos trópicos e atingiam, sim, o Chile, embora análises internacionais supostamente sofisticadas tendessem igualmente a idealizar a política chilena anterior a 1973 como uma espécie de vitrina democrática.

Seja como for, tivemos também de engolir, mais tarde, a evidência de que a longa ditadura de Pinochet, juntando-se a condições mundiais favoráveis, criou um Chile próspero, incluindo a "Santiago-Hollywood" de que falam os chilenos, diferente da cidade de aparência meio pobre que conhecíamos antes. Que essa prosperidade teve custos sociais importantes se percebe, por exemplo, em dados do Latinobarômetro relativos a 2002, em que o Chile, na comparação com outros países do continente, se singulariza de maneira sugestiva: em contraste com o que ocorre em outros países, onde surgem padrões como a insatisfação com a democracia entre pessoas educadas e exigentes e satisfação desinformada e ingênua nos níveis mais baixos de escolaridade, no Chile é bem claro o conteúdo de classe quanto à satisfação com a democracia: são os mais pobres e de menor escolaridade que se mostram mais insatisfeitos com ela. A conjectura plausível, mesmo se admitidamente algo tortuosa, parece ser a de que a explicação se encontra na experiência do regime de Pinochet e na provável percepção de distorções sociais ou classistas na prosperidade que o acompanhou. Isso resultou, de todo modo, em estabilidade bastante marcada do apoio eleitoral às forças político-partidárias que se enfrentaram nas duas últimas décadas, em particular a coalizão de centro-esquerda entre socialistas e democrata-cristãos (a Concertación), de um lado, e a direitista Alianza por Chile, de outro.

Agora, porém, estamos aparentemente num momento de mudança. A Concertación, que governa o país há dezenove anos e tem de novo como candidato presidencial o ex-presidente democrata-cristão Eduardo Frei Ruiz-Tagle, se vê desgastada. Ela enfrenta Sebastián Piñera, candidato da Alianza, que, apesar de derrotado em duas disputas anteriores (e de certos desencontros nos números fornecidos por pesquisas diversas), parece contar desta vez com apoio mais forte nos dois turnos e melhores chances de vitória. Há, além disso, a contestação dirigida à Concertación pela esquerda, que se manifesta em rachas de feições distintas: de um lado, Jorge Arrate, de longa militância no Partido Socialista, mas de reduzida penetração eleitoral, que abandonou o partido e a coalizão governista e foi escolhido em abril como o candidato da coligação Juntos Podemos Más, que reúne partidos e movimentos de esquerda; de outro lado, e certamente com maior impacto eleitoral, a candidatura independente de Marco Enríquez-Ominami, originalmente também do Partido Socialista, jovem e de perfil apropriado à exposição nos meios de massa, que subiu meteoricamente nas pesquisas nas últimas semanas e surge agora em empate técnico com Eduardo Frei, quando não em vantagem sobre ele.

Nada há de especialmente intrigante, por certo, em que o processo eleitoral leve alternadamente grupos políticos mais à esquerda ou à direita ao poder. O fato de que haja agora rupturas da Concertación à esquerda é talvez de maior consequência, e pode provavelmente ligar-se à crise mundial e às mudanças que acarreta no cenário ideológico. Dá-se, porém, que tanto Enríquez-Ominami como Arrate têm suas credenciais de esquerda postas em questão - no caso do primeiro, não obstante ser filho de Miguel Enríquez, líder do Movimiento de Izquierda Revolucionaria, o MIR, o questionamento é feito pelo próprio Arrate, de currículo certamente mais denso, mas cujas propostas, por sua vez, não escapam de soar algo estranhas vindo de quem foi por duas vezes ministro, além de embaixador, de governos da Concertación. Como se indica em resumos até agora divulgados, trata-se, com Arrate, de abandonar o "neoliberalismo" e "gerar mudanças estruturais num sistema que por tantos anos restringiu os chilenos", com assembleia constituinte, criação de educação e saúde pública de qualidade, renacionalização do cobre, redução dos juros...

Num plano distante das perplexidades contemporâneas quanto a esquerda, liberalismos e direita, um fato especial é interessante do ponto de vista da conjuntura política brasileira: as pesquisas mostram a presidente Michelle Bachelet com o apoio de nada menos de 69% dos eleitores, nível nunca antes alcançado por ela mesma ou por qualquer outro governante do pós-ditadura. E o curioso e revelador é que a ascensão, a partir do nível de 42%, se deu com a chegada da crise econômica em setembro do ano passado, sendo claramente a consequência da percepção favorável da atuação do governo na crise (o ministro da Fazenda, Andrés Velasco, também obtém avaliação favorável singularmente alta). O que não impede (mesmo se a avaliação do governo é bastante negativa em certos aspectos, como o relativo a corrupção) que já se tenha ouvido falar em reeleição.

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

Un populismo de baja intensidad y pocos horizontes

Marcos Novaro,
Centro de Investigaciones Políticas - Argentina

Hay algo de cierto en lo que dicen los oficialistas de países como Venezuela y Bolivia (en lo que se revela sin embargo no que ellos tengan la solución para los problemas de esos sistemas políticos, sino más bien la gravedad de la situación que los gobiernos que apoyan han generado en ellos): ser opositor ha quedado asociado en la opinión mayoritaria venezolana y boliviana con ser rico, blanco, pronorteamericano, liberal, más o menos elitista, o reunir varias de esas características, en suma, es estar condenado a ser minoría. Por tanto, el juego democrático ha quedado allí bloqueado, o peor, se vuelve finalmente un juego imposible: las mayorías se han tornado más y más irrespetuosas de los derechos de las minorías, al mismo tiempo que, a raíz de ello o estimulándolo, o las dos cosas a la vez, éstas se volvían más escépticas respecto a la utilidad y la legitimidad de las vías electorales para acceder y ejercer el poder. Por esta vía, se evoluciona a paso firme hacia regímenes híbridos, “semidemocracias”, o directamente hacia el autoritarismo.

Hay buenos motivos para dudar de que esto pueda replicarse en Argentina. Ante todo es fácil comprobar que, por más que el kirchnerismo ha venido recurriendo a la polarización populista, no logró con ello éxitos comparables a los alcanzados en sus países por Evo Morales y Hugo Chávez. Incluso puede decirse que intentar ese camino ha contribuido en gran medida a su actual debilitamiento. Sin embargo, existen muchos intelectuales oficialistas que promueven una visión radicalmente populista de las cosas, o porque creen que revela la esencia de los conflictos que el país tiene que resolver, o porque creen que hacer que ellos se acomoden a esa idea es el único camino para recuperar el favor de la mayoría (que reconocen así, implícitamente, se ha perdido). A la luz de los discursos con que Néstor y Cristina han encarado la campaña, y de algunas de las medidas de gobierno que vienen impulsando, lo menos que se puede decir es que esta radicalización populista ejerce una influencia nada despreciable en la cúpula oficial. Pareciera incluso que a medida que las “amenazas” que les plantean los opositores, los grupos de interés y los actores externos se vuelven más serias para su supervivencia, la reacción natural en el oficialismo es abroquelarse en torno a estas ideas, que le permiten, si no triunfar en las batallas que tienen por delante, al menos encararlas con exaltado heroísmo.

Parafraseando a Napoleón, actuar así es peor que un crimen, es un grave error político. Pero las ideologías funcionan así: les dejan ver a quienes las abrazan sólo aquello que confirma sus premisas, y les permiten ignorar datos “duros” y molestos de la realidad. Un buen ejemplo de cómo funcionan estos mecanismos en el oficialismo lo ha brindado en estos días Ernesto Laclau, convertido en máximo ideólogo kirchnerista en los últimos tiempos, y proveedor de una supuesta solidez conceptual y de cierto glamour académico a todos aquellos que trabajan para sostener la tesis de la radicalización populista. En un intenso raid en los medios de comunicación, Laclau se esmeró en demostrar teóricamente que el populismo no puede ser una amenaza a la democracia porque expresa la voluntad de las masas empobrecidas, y en cambio sí la amenazan los intereses de los ricos, por definición minoritarios, y las ideas que ellos promueven, las del neoliberalismo.

Axiomas como estos no necesitan prueba alguna, son verdades autoevidentes. Pero para que los periodistas que lo entrevistan y la audiencia que lo sigue reciban mejor el mensaje, Laclau se rebaja igualmente a dar algunos ejemplos, y entonces explica cómo en Bolivia, Venezuela, y también en Argentina las masas empobrecidas, que en los años noventa no eran representadas fielmente sino manipuladas, ahora se sienten partícipes de grandes cambios, y eso significa que la democracia allí ha “mejorado su calidad”.

Es interesante recordar que en los años ochenta, Laclau participó, igual que muchos otros académicos de origen marxista, de la tendencia revisionista que permitió a los teóricos y a muchos activistas de izquierda apropiarse de las banderas democráticas en boga en la región: en esa época, su principal preocupación, en línea con la de muchos gramscianos, era cómo articular las reivindicaciones socialistas con las de derechos políticos y civiles. Por esta vía, pudo acercarse a las tesis socialdemócratas dominantes en Europa, y asumir, como una premisa de su propuesta teórica y política, que las batallas de la izquierda debían definirse en términos de la “expansión de las luchas democráticas”, es decir, apropiarse del liberalismo político para ampliar sus horizontes. La actitud teórica y política del Laclau actual, y lo mismo cabe decir de muchos de sus seguidores, revela un cambio muy profundo respecto a esa opción, y un cierto “regreso a las fuentes”: ante las frustraciones acumuladas en esa vía reformista y liberal hacia la transformación de las sociedades latinoamericanas por la que se apostó en los años ochenta, y la reapertura real o imaginada de una vía “revolucionaria” tras las crisis resultantes de las reformas de mercado de los noventa, aparece como una respuesta adecuada, o mejor dicho como la única respuesta posible, el populismo radical de los setenta. En sus términos, el problema de las dos últimas décadas de vida democrática que experimentaron nuestros países ha sido que las mayorías pobres no utilizaron el peso del número, que les asegura ganar elecciones, para imponerse a las minorías ricas, y que en cambio se inclinaron a soluciones “concertadas” con éstas, que nunca podían terminar bien porque no podían satisfacer los intereses de aquéllas. Dicho de otro modo, el modelo socialdemócrata habría probado ser una vía hacia la resignación, y es preciso repudiarlo, para recuperar la vocación transformadora perdida.

Lo llamativo es que esta tesis se ha fortalecido en algunos países de la región, a medida que la opción socialdemócrata ganaba terreno en otros, y acumulaba logros nada despreciables para fortalecer su opción por el reformismo y el liberalismo político. A este respecto, podría decirse que Argentina está a medio camino entre dos mundos. Por cierto, aquí las frustraciones del reformismo no han sido pocas, pero ello no ha significado una completa polarización social, ni tampoco que el resentimiento contra los ricos derive en fuertes tendencias anticapitalistas y aislacionistas. Por otro lado, el liberalismo político no ha perdido tanto terreno con esos fracasos como en otros lados. Para las izquierdas, por tanto, renunciar a él y cederlo a sus adversarios ni se justifica por la posibilidad de imponer cambios económicos y sociales, ni es irrelevante en términos de los costos electorales que implica. Es en gran medida por ello que la democracia argentina no está bloqueada como sí es el caso de las de Bolivia y Venezuela, sino que lo que quedó bloqueado fue el proyecto de un populismo radical local: él ha probado ser una amenaza a las libertades sin ofrecer a cambio ningún horizonte igualador y comunitario más o menos innovador. Estando en el peor de los mundos, no tardará en extinguirse.

Bienal de São Paulo e de Veneza

Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Por que a Bienal de SP vem perdendo relevância artística enquanto a de Veneza continua a alcançar sucesso?

DIANTE DE crise que dura anos, há cerca de duas semanas o Conselho Curador da Bienal de São Paulo escolheu um jovem e dinâmico consultor e colecionador para a presidência da instituição. Logo em seguida, na Itália, a Bienal de Veneza deste ano foi inaugurada com festas que celebram seu êxito.

Por que essa diferença de destinos? Por que a Bienal de São Paulo, que não deixei de visitar desde quando foi inaugurada, em 1951, até 2006, ano a ano vem perdendo relevância artística e apoio social, enquanto a Bienal de Veneza continua a alcançar sucesso e respeito? Por falta de dinheiro, dirá alguém. Por falta de suficiente apoio do Estado, completará outro. E talvez ambos tenham alguma razão. Sugiro, entretanto, outra explicação que não pretende ser exclusiva, porque ela também ajuda a explicar a falta de recursos, mas que, se for levada em conta pela Bienal de São Paulo, poderá levá-la de volta a seus belos tempos. Há uma diferença fundamental entre as duas bienais. Enquanto a de Veneza está dividida em três setores, a de São Paulo está limitada a um. Enquanto Veneza mantém um amplo setor para as representações nacionais no Giardino e no Arsenale, um setor pequeno mas relevante para artistas consagrados no Giardino, e um setor amplo no Arsenale, em que o curador desenvolve um tema e abre espaço para novos artistas, a Bienal de São Paulo decidiu, há alguns anos, de forma arrogante e equivocada, limitar-se ao tema escolhido pelo curador e aos novos artistas. Refletiu, dessa forma, um fato real e até auspicioso: a importância crescente de curadores criativos para os grandes museus e também para as bienais. Mas o fez de forma radical e, por isso mesmo, equivocada.

Um espaço para artistas consagrados é importante porque é educativo e porque dá mais legitimidade à mostra junto aos demais artistas consagrados, independentemente de estarem ou não presentes. Por outro lado, as representações nacionais são importantes porque, por meio delas, é possível lograr a participação de grandes artistas sem custo para a Bienal, já que fica por conta do governo do país representado. Assim, se decidirmos dividir o espaço da Bienal de forma que 45% fiquem para as representações nacionais, 10% para o curador exibir artistas consagrados e 45% para o tema da Bienal daquele ano, teremos uma mostra mais atrativa para o público e mais barata.

Mas, em compensação, essa limitação do poder do curador não implicará uma queda da qualidade artística ou da significação cultural da Bienal? De forma alguma. Primeiro porque ele terá poder sobre os três segmentos da mostra. Mesmo no caso das representações nacionais, poderá e deverá haver negociação. Segundo porque sobrarão mais recursos para o grande segmento temático -para que o curador possa convidar os melhores artistas que estão despontando.

A Bienal de São Paulo sempre teve um papel importante na difusão da arte de vanguarda brasileira e mundial e na consagração de novos artistas. Por meio dela, a cidade de São Paulo e o Brasil se integram na contemporaneidade, participam das experimentações de vanguarda cultural e da crítica fundamental que transparece na arte conceitual.

Mais do que antes, vemos hoje os artistas se apropriarem das tecnologias mais avançadas para inovar e criar. Não podemos deixar uma instituição como essa morrer por incompetência administrativa e arrogância intelectual. O conselho da Bienal e seu novo presidente têm diante de si um belo desafio.

Luiz Carlos Bresser-Pereira , 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".

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Serguei Prokofiev
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Serguei Sergueievitch Prokofiev, também conhecido pela transliteração anglófona Sergei Sergeievich Prokofiev[1] (em russo: Серге́й Серге́евич Проко́фьев; Sontsovka, 23 de Abril de 1891Moscou, 5 de Março de 1953) foi um compositor russo.

Um dos compositores mais celebrados do século XX, ele é conhecido mais conhecido por obras como o balé Romeu e Julieta, as óperas O Amor das Três Laranjas e Guerra e Paz, a composição infantil Pedro e o Lobo e duas trilhas sonoras para filmes de Sergei Eisenstein. Precoce, mostrou-se talentoso no piano e na composição. Prokofiev nasceu no Império Russo, viajou o mundo em turnês, e voltou à terra local, ex- União Soviética. Em seus últimos anos, enfrentou dificuldades financeiras e de saúde. Junto com Shostakovitch, foi uma das figuras mais importantes da música soviética.