segunda-feira, 15 de junho de 2009

Escritores combatentes: o Congresso de escritores de 1945*

Ana Amélia de M. Cavalcanti de Melo**

Em janeiro de 1945 seria realizado em São Paulo o I Congresso Brasileiro de Escritores, organizado pela Associação Brasileira de Escritores. A relevância do encontro no âmbito do processo de redemocratização tem sido apontada seja em estudos referentes à história do PCB ou sobre a trajetória de alguns intelectuais brasileiros. No entanto pouco tem sido pesquisado sobre a organização da associação que convoca este e outros Congressos de Escritores que se realizarão seguidamente e que serão palco de intensas disputas.

O Congresso reuniria delegados de diversos estados brasileiros. Podem ser citadas a modo de exemplo algumas representações importantes como Graciliano Ramos e Aurélio Buarque de Holanda de Alagoas, do Ceará estaria presente Raquel de Queiroz, Raimundo Magalhães e Herman Lima. O Distrito Federal, teria sua representação composta de vinte membros tais como Affonso Arinos, Aparício Torely, Augusto Frederico Schmidt, José Lins do Rego, Moacir Wernneck de Castro, Manuel Bandeira, Sergio Buarque de Holanda, etc. Do Estado do Rio com Astrojildo Pereira, de São Paulo com Caio Prado, Antonio Candido, Mário de Andrade, Monteiro Lobato e várias delegações estrangeiras da França, Suíça, Inglaterra, Rússia, Áustria, Itália, Espanha, Portugal, Alemanha, Grécia, Estados Unidos, Canadá, República Dominicana, Paraguai, Panamá e México.[1]

A abertura faz-se oficialmente com o discurso do Presidente da sessão de São Paulo, Sérgio Milliet no qual afirma as sérias dificuldades da realização do encontro, não apenas pelas comuns questões financeiras, mas pelo desinteresse da categoria. O discurso, no entanto, faz apelo as responsabilidades do escritor frente ao mundo. No mesmo sentido é pronunciado o discurso de Aníbal Machado, presidente do diretório nacional da ABDE, enfatizando o papel do escritor na vida nacional. O destaque dos dois principais discursos torna claro o propósito do congresso. Entretanto o direcionamento político do evento não se faz sem tensões e resulta da hegemonia de certas forças que interessa aqui estudar.

A ABDE, esta associação de classe, se por um lado seria fundada com o objetivo de refletir sobre temas específicos do ofício de escritor, entretanto ao se propor no Congresso de 1945 uma pauta de discussões em torno da democratização da cultura e liberdade criativa coloca-se como espaço de discussão da política nacional. A própria atuação dos intelectuais nesta década será fortemente marcada pelo resgate da questão da liberdade como essencial na vida política. Este será o tema que, segundo Berenice Cavalcante, dará sentido as palavras formuladas nesse momento.[2] Os intelectuais que se reuniriam no Congresso de 1945 percebem-se como portadores de um papel na sociedade que se relaciona ‘a ação pública, ao mundo da política.

Segundo as declarações de Jorge Amado, presidente da delegação baiana da ABDE e um dos Vice-presidentes do Congresso, ele fora chamado pelo PCB para desempenhar a “tarefa” de ajudar na organização do conclave. Os delegados da Bahia eram Homero Pires, Odorico Tavares, Dias da Costa, Alberto Passos Guimarães, James Amado, Edson Carneiro, Jacinta Passos, Vasconcelos Maia, etc. Segundo o escritor baiano duas correntes se debatiam no plenário: os democratas e os comunistas. O grupo dos democratas era composto por liberais, democratas cristãos e sociais democratas além de comunistas não-alinhados como Caio Prado Jr., Mario Shemberg e obedeciam “à batuta” de Carlos Lacerda que havia rompido com o PCB em 1942.[3]

O momento era de absoluta necessidade de definição no campo ideológico. Esta atmosfera tem na literatura o melhor exemplo. A atualização formal que se fizera nos anos 20, fora, na década de 30, inteiramente absorvida. O anticonvencionalismo tornara-se não mais uma transgressão, mas um direito amplamente praticado e muito bem recebido.[4] O momento era o de revolver o conteúdo, atualizá-lo no sentido de uma crítica social feroz.

Os escritores alem da Torre de Marfim

A fundação da ABDE é sintomática dessa postura dos escritores. Além disso, a entrada do Brasil na guerra nesse mesmo ano criava um grande apelo nacional de mobilização dos ânimos no combate ao facismo. Esta seria também a postura dos comunistas brasileiros seguindo a orientação internacional. A luta democrática, vencida a guerra, continuava a ser uma bandeira defendida pelos intelectuais brasileiros organizados em torno da ABDE. A realização do I Congresso de Escritores no Teatro Municipal de São Paulo seria marcante como um dos eventos políticos mais importantes do período. O Congresso é encerrado com a leitura e aclamação de uma declaração em defesa da liberdade e da democratização da cultura.

Entretanto, apesar do consenso em torno de questões mais gerais, a politização da ABDE gerava certas tensões e conflitos. Para alguns a Associação deveria manter seu caráter de uma entidade meramente de escritores. Nessa perspectiva é criada a UTI (União dos Trabalhadores Intelectuais) com o sentido de aliviar a ABDE das demandas políticas. Astrojildo Pereira seria seu presidente provisoriamente.

Destes escritores o exemplo de Graciliano Ramos é bastante significativo da tensão existente neste momento em torno da função do intelectual na vida política brasileira e das tensões que se estabelecem no interior da ABDE. Na biografia de Graciliano os anos 40 são assinalados por uma participação na política de caráter muito mais acentuado do que fora até então e com um grau de repercussão nacional que ele nunca conhecera. A homenagem realizada no Rio de Janeiro, em 1942, pelo aniversário de seus 50 anos, com a participação de inúmeros intelectuais, políticos e escritores, confirmaria sua consagração. Graciliano tornara-se um homem público cuja opinião e inserção em atos políticos era importante. A compreensão que teria dessa sua nova situação continuaria sendo marcada pela discrição absoluta. No processo de ebulição democrática que se iniciava no país, Graciliano integrar-se-ia às campanhas pela anistia aos presos políticos e pela convocação da constituinte.[5] Seria nesse fluxo de acontecimentos políticos do ano de 1945 que Graciliano se tornaria membro do Partido Comunista Brasileiro.

Dentro do PCB o escritor mantinha-se fiel às diretrizes internas, considerando que, um indivíduo, ao filiar-se a qualquer partido, tacitamente estava de acordo com o que fosse estabelecido.[6] À afirmação feita pela filha do escritor deve-se acrescentar, no entanto, outras circunstância de sua vida. O próprio conflito que teria com as lideranças do PCB, quando inicia a elaboração das Memórias do Cárcere, indica que o grau de aceitação parece não ter sido total. Prevalecia a necessidade de independência que não via na filiação dever de obediência.

A experiência da cadeia certamente redefiniriam a visão política do escritor, acentuando um conflito interior entre a necessidade de atuar na política do país, a participação na construção dos rumos da sociedade brasileira e o sentimento de ceticismo e dúvida permanente que lhe subtraía a vontade de atuar efetivamente. Diria em Memórias do Cárcere:

“Se todos os sujeitos perseguidos fizessem como eu, não teria havido uma só revolução no mundo. Revolucionário chinfrim. Desculpava-me a idéia de não pertencer a nenhuma organização, de ser inteiramente incapaz de realizar tarefas práticas. Impossível trabalhar em conjunto. As minhas armas, fracas e de papel, só podiam ser manejadas no isolamento.”

“Realmente não me envolvera em nenhum barulho, limitara-me a conversas e escritas inofensivas, e imaginara ficar nisso. A convicção da própria insuficiência nos leva a essas abstenções; um mínimo de honestidade nos afasta de empresas que não podemos realizar direito.” [7]

À parte as atividades do partido, o escritor seria um dos mais ativos participantes da Associação Brasileira De Escritores (ABDE). Graciliano não pudera participar do Congresso de 1945 mas acompanhava e integraria suas atividades.

Com o PCB novamente na ilegalidade em 1947, seus membros buscariam outras formas de inserção política no país. A ABDE seria uma dos órgão preferidos, uma vez que dela participavam diversos escritores que pertenciam ao partido, além de ser ela uma organização caracterizada por uma atuação importante na política nacional. No segundo semestre de 1947 seria realizado o II Congresso dos escritores e este seria o momento de dar maior ênfase à atuação dos comunistas na associação. A questão fundamental, apresentada no congresso pelos escritores comunistas, entre eles Jorge Amado, seria a da aprovação de uma moção contra o fechamento do PCB e contra a caça os seus parlamentares. Ao querer priorizar essa moção, alguns dos membros da Associação opuseram-se. A contenda que se estabeleceria revelava, na verdade, um outro conflito que se desenvolvia dentro do partido. Por um lado havia a necessidade de atuação dos comunistas, postos na ilegalidade, a partir de outras vias que não a partidária; por outro existiam divergências entre os membros do partido com relação ao dogmatismo. A estes conflitos somava-se ainda o desagrado dos não comunistas frente à transformação da ABDE em órgão de representação do PCB. Graciliano, apesar de discordar do estreito sectarismo que em muitos casos se impunha, sobretudo nas questões literárias, apoiaria os comunistas.[8]

Dentro desse quadro, a participação dos comunistas na ABDE, sobretudo o interesse do partido em dirigi-la, seriam vistos com desagrado pelos outros membros da associação. Graciliano Ramos, em 1947, durante o II Congresso, seria consultado sobre a possibilidade de assumir a presidência da associação uma vez que seu anterior presidente, Guilherme Figueiredo, havia renunciado por divergências ideológicas com o PCB. Graciliano recusaria o convite.

Apesar de todas as divergências com relação à política cultural do PCB, Graciliano manter-se-ia em suas fileiras e chegaria, por duas vezes, nos anos 51 e 52, a presidir a ABDE, já definitivamente controlada pelo PCB. Seria precisamente como representante dessa instituição que o escritor seria convidado à URSS para os festejos de 1º de maio.

Durante a realização do Congresso em 1945 a expectativa difundida na imprensa era do papel dos intelectuais na condução da sociedade. Falava-se na missão dos escritores reunidos no Congresso[9]. De acordo com Werneck Sodré, em suas memórias, a ditadura já incapaz de impedir a realização do evento, impediria a divulgação na imprensa das declarações finais.[10]

Não obstante, o evento se transforma em um acontecimento político marcante assinalando o início do processo de redemocratização. Os intelectuais assumem a cena política trazendo a tona uma das teses em debate: “O apolitismo dos intelectuais” de Osório Borba.

No parecer lido por Astrojildo Pereira afirma-se: “A tese em apreço examina os aspectos mais expressivos de tão debatido problema da posição dos intelectuais em face das questões de ordem política, e com razão afirma que o chamado ‘apoliticismo’ dos intelectuais “é apenas uma posição conformista, fuga a um dever elementar de cidadania”[11]
* Texto apresentado no XXVIII Congresso Internacional da Associação de Estudos Latino-Americanos - LASA2009 / Repensar as desigualdades - 11- 14 DE JUNHO 2009 - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro(PUC/RJ).

** Ana Amélia é professora do Departamento de História da UFCE.

[1] Anais do I Congresso Brasileiro de Escritores. São Paulo, Imp. Graf. Da Revista dos Tribunais, 1945.

[2] Berenice Cavalcante. Certezas e ilusões: os comunistas e a democratização da sociedade brasileira. Rio de Janeiro, Eduff, 1986.

[3] Amado, J. Navegação de Cabotagem. Rio de Janeiro, Record, 1993.

[4] A afirmação é feita por Antonio Candido, “A Revolução de 1930 e a cultura”, Novos Estudos Cebrap, São Paulo, V, 2, 4, pp. 27-36, abril 1984, p. 30.

[5] RAMOS, Clara, Cadeia. Rio de Janeiro, José Olympio, 1992p. 166.

[6] Ibid., p. 169

[7] Memórias do Cárcere. São Paulo, Círculo do Livro, s/d. p. 36.

[8] MORAES, Dênis, O velho Graça: uma biografia de Graciliano Ramos. Rio de Janeiro, José Olympio, 1993, p. 248.

[9] Jornal do Brasil, 23 de janeiro de 1945.

[10] Nelson Wernneck Sodré, Memórias de um escritor. Rio de Janeiro, Civilização. Brasileira, 1970, p. 335.

[11] Anais. Op. Cit. P. 145.
FONTES

Mario Neme (or.) Plataforma da Nova geração. Porto Alegre, Ed. Livraria Globo, 1945.

Carlos Laurence Hallewell. O livro no Brasil: sua história. São Paulo, T. A. Queiroz/Edusp, 1985.

Um comentário:

Joaquim Pinto da Silva disse...

NO Primeiro Congresso de EScritores Brasileiros, o português Lúcio Pinheiro dos Santos apresentou uma comunicação sobre Filosofia do Momento Actual, que foi recomendada para publicação.
Tenho muito interesse em encontrar esse texto e ainda um outro de 1931 sobre Ritmanalise (Rythmnlise, pois teria sido publicado em francês pela sociedade de Psicologia e Filosofia).
É mesmo muito importante encontrar esses textos de Lúcio ou outros, pois publicou em muitos jornais do Rio, não se sabendo nada disso.

Cumprimentos.