segunda-feira, 30 de setembro de 2013

OPINIÃO DO DIA – Luiz Werneck Vianna: embargos infringentes

Por outro lado, tenha-se presente que a Constituição que aí está, prestes a comemorar 25 anos de bons serviços ao País, foi concebida para ter uma natureza de obra aberta, admitindo sua filiação à corrente doutrinária do constitucionalismo democrático. Sob essa inspiração, recriou o nosso Direito e suas instituições no sentido de que fossem capazes de acolher a voz das ruas, quer no exercício do controle de constitucionalidade das leis, nas ações civis públicas, quer nos inúmeros conselhos que criou com o intuito de incorporar os cidadãos na gestão de matérias afetas ao interesse público.

Luiz Werneck Vianna, sociólogo , professor da PUC-Rio. In “No tempo dos embargos infringentes”, O Estado de S. Paulo, 29/9/2013

Constituição 25 anos: Carta cidadã é realidade distante para minorias

Apesar dos avanços garantidos pelos direitos individuais, Constituição ainda não é aplicada de forma igualitária para todos os brasileiros

Por Carolina Benevides e Karine Rodrigues

Deputado constituinte, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal e ex-ministro da Justiça Nelson Jobim recorda-se do clima de batalha política na Constituinte e diz que, naquele ambiente, foi necessário fazer correções de última hora. Após a aprovação do texto final, constatou-se que era preciso distinguir serviços de Comunicação e de Comunicação Social — para separar setores como o de telefonia, que deveriam ser taxados com ICMS, dos meios de comunicação como rádio e televisão. A mudança precisou do aval de todos os líderes partidários.

Esse é o segundo trecho que sofreu ajustes revelado por Jobim. Ele já contara ao GLOBO, há dez anos, que a expressão “independentes e harmônicos entre si”, para tratar da relação entre o Executivo, Legislativo e Judiciário foi feita após a primeira votação, quando os constituintes se deram conta de que a Carta refletia ainda o sistema parlamentarista — e, no final, o sistema presidencialista havia sido aprovado:

— Houve um acordo de lideranças e começamos a votar, na Comissão de Redação, emendas acordadas com todos. Como se fosse um terceiro turno, três votações com maioria absoluta. Houve uma alteração, pequena, depois da Comissão de Redação final. Era o problema da Comunicação Social. Porque o texto sobre ICMS tinha estabelecido imposto sobre Comunicações, mas estávamos falando, naquele momento, de telefonia. Mas a palavra Comunicação também foi usada para rádio e televisão. Então, no final, se acrescentou a palavra Social, para separar a Comunicação Social da Comunicação. Era um ajustamento. Um tributarista advertiu que a palavra Comunicação pegava telefonia, mas também televisão e jornal — diz.

"Falta muito para atingir o ideal"

Foi também a Constituição de 1988 que transformou o racismo em crime inafiançável:

— A lei veio para botar freio. Se formos medi-la pela sanção, podemos deturpar a realidade achando que muitas pessoas não são presas. Mas será que o racismo continua sendo praticado do mesmo jeito que era antes da Constituição? Estamos longe do ideal, mas houve avanço.

Universitária, Abigail Ekanola, de 19 anos, nasceu quando o racismo já era considerado crime inafiançável, mas conta ter crescido sendo chamada de “macaca” e “cabelo duro”. Única negra de sua turma de Direito, lembra que uma professora criticou as cotas raciais na sala de aula, pois permitiriam que “estudantes sem capacidade entrem na universidade e se tornem péssimos profissionais”:

— A Constituição é linda, mas falta muita coisa para atingir o ideal. Acho que ficaram mais quietos por causa da lei, mas creio que diminuiria muito o racismo se as pessoas passassem a nos enxergar como capazes.

Mudanças aconteceram também dentro de casa. Desde 1988, casais heterossexuais podem assinar contrato de união estável. Foi o que fizeram o arquiteto Odilon Terzella e a empresária Sandra Vergara, juntos há mais de 25 anos.

— A burocracia para casar nos desanimava. Começamos a pensar que união estável era mais prático e queríamos uma prova de que construímos uma vida juntos — conta Sandra.

O STF reconheceu o mesmo direito aos homossexuais, mas sem haver emenda constitucional. Ainda que a lei esteja na Constituição, isso não garante que a conduta será respeitada e a norma, aplicada. Um exemplo é o levantamento do CNJ sobre superlotação e insalubridade nos presídios. Mensalmente, o setor de fiscalização do sistema carcerário e de execução de medidas socioeducativas do CNJ recebe, em média, 245 reclamações e denúncias, até de tortura.

— Ainda há claro descumprimento de direitos dos presos. Prevalece uma mentalidade associada ao olho por olho, dente por dente. A gente precisa avançar; diante de condições desumanas em que essas pessoas vivem, elas saem das prisões pior do que entram e voltam a cometer crimes — avalia o conselheiro do CNJ Guilherme Calmon.

Fonte: O Globo

Texto atual é 39% maior do que o aprovado em 88

Crescente Pesquisa mostra que 718 dispositivos foram incluídos e 80 retirados da versão original; última mudança ocorreu em junho deste ano

Por Tatiana Farah - Enviado especial

ÁGUAS DE LINDOIA (SP) - A Constituição chega aos 25 anos 39% maior do que quando foi promulgada, em 1988. Levantamento obtido pelo GLOBO revela que, desde a primeira emenda constitucional, em 1992, até a Emenda 73, de junho passado, foram acrescidos 718 dispositivos e retirados 80 do texto original, que já contava com 1.627 dispositivos. O saldo, de 638 dispositivos, mostra como a Carta não para de crescer.

O estudo foi realizado pelos cientistas políticos Cláudio Couto (FGV) e Rogério Arantes (USP). O documento e suas emendas foram esquadrinhados e divididos em dispositivos, uma unidade de medida, para apontar o crescimento e o perfil da Constituição. O trabalho recebeu prêmios no Brasil e no exterior e foi atualizado com as últimas emendas para O GLOBO.

— Não há dúvida de que temos uma Constituinte permanente. E isso ajuda a explicar como ela se tornou longeva — diz Couto, lembrando que o país já teve outras seis Constituições e só duas no regime democrático: a de 1946 durou apenas 18 anos.

Segundo os pesquisadores, o modelo da Constituição brasileira é marcado por dispositivos que versam sobre políticas públicas e esta é a principal explicação para que ela seja permanentemente modificada. Pela pesquisa, 30% dos dispositivos da Constituição de 88 tratam dessas políticas. Assim, a Carta é uma “grande lei ordinária do país", segundo os especialistas.

— Há um estudo que mostra um censo de todas as Constituições que vigoraram no mundo. Fizeram uma análise epidemiológica constatando que a mediana de vida de uma Constituição é de 19 anos. Então, há motivos para comemorar, porque já ultrapassamos isso. Eles analisaram ainda quais fatores explicam a longevidade e os fatores são os que temos no Brasil: uma Constituição extensa e detalhada, relativamente fácil de mudar e inclusiva, no sentido de atrair os atores a participar de sua própria reelaboração — explica Arantes.

Ele frisa que a Constituição dos Estados Unidos, que vigora desde 1787, com apenas 27 artigos, é um caso à parte:

— A Constituição americana é uma exceção até lá. Lá, quando se vai para o nível estadual, as mais duradouras são as mais prolixas. As mais parecidas com a Constituição Federal americana não duraram. Por isso, ela é completamente atípica, mesmo comparada com os outros países — explica Couto.

Ele cita ainda efeitos da Constituição no sistema político. Para Couto, uma das razões das coalizões serem maiores, desde o governo Fernando Henrique, é garantir a mobilização do Congresso em torno das emendas de interesse do governo. Por seu caráter majoritariamente de políticas públicas, que versam do sistema de Saúde ao uso de precatórios, os governos se empenham para adequar a Carta a seus projetos.

Segundo os pesquisadores, apesar das incessantes propostas de emenda constitucional no Congresso, a Constituição não foi desfigurada no que diz respeito à garantia de direitos.

— Os direitos não ficam sob risco. Se olharmos historicamente, entre todas essas emendas, nenhuma diminuiu direitos. Mesmo a da Previdência Social, que é muito mais de ajuste contábil. Ela é considerada Constituição Cidadã porque já nasceu criando direitos.

Com uma Constituição que não para de crescer, e que tem facilidade de ser modificada, eles consideram a proposta do ex-presidente Lula e do PT de uma Constituinte exclusiva para a reforma política “fadada ao fracasso”:

— Os atores envolvidos têm muito receio de embarcar nessa ideia porque, na medida em que você instala uma Constituinte, não só o tema específico como os outros poderão ser objeto de revisão e negociação. O custo pode ser muito alto dado o risco de tudo ser revisto — diz Arantes.

*A repórter viajou a convite da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs)

Fonte: O Globo

Constituição Cidadã e desigualdade

Por Daniel Sarmento - Procurador-regional da República e professor de Direito Constitucional da Uerj

O país tem boas razões para celebrar os 25 anos da Carta de 1988, a “Constituição cidadã”, nas palavras de Ulysses Guimarães. Afinal, trata-se de uma Constituição democrática, que tem como preocupação central a proteção e promoção dos direitos fundamentais. E, diferentemente do que ocorreu com as nossas constituições anteriores, esta possui razoável eficácia social. Desde a sua promulgação, vêm ocorrendo eleições livres e regulares no país; a oposição e a imprensa desfrutam de liberdade; as crises institucionais são equacionadas seguindo as “regras do jogo”; e instituições como o Poder Judiciário e o Ministério Público funcionam com independência. Ainda mais importante, a cidadania se apropriou do discurso constitucional e aprendeu a reivindicar seus direitos, nas ruas e nas Cortes.

Porém, a Constituição de 1988 não tem sido suficiente para equacionar o mais grave dos problemas nacionais: a nossa crônica desigualdade. Esta se manifesta de múltiplas formas em nosso cotidiano, como na violência simbólica das relações de emprego doméstico; nas “masmorras medievais” em que são trancafiados pobres e pretos; nas nossas diferenças sociais vergonhosas; nas “carteiradas” e na impunidade da elite. No Brasil, como na Fazenda dos Bichos de George Orwell, todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros.

A culpa disso não é, certamente, da Constituição. A Carta de 1988 é igualitária e tem respaldado avanços importantes neste campo, como o reconhecimento da união homoafetiva e da legitimidade das políticas de ação afirmativa para pobres e negros. Porém, a persistência de uma cultura social fundada na desigualdade sabota a Constituição, na medida em que naturaliza ou torna invisíveis as violações de direitos dos grupos mais vulneráveis.

Essa cultura chancela a existência de verdadeiros quistos de estado de exceção no interior do estado de direito. Nos bairros de classe média, por exemplo, vigora a inviolabilidade do domicílio; já nas favelas vale a “lei do Capitão Nascimento”. A liberdade de expressão protege os artistas consagrados e os veículos de comunicação, mas jovens manifestantes, bailes funk e rádios comunitárias são tratados como casos de polícia. Enfim, a Constituição de 88 tem incontáveis virtudes, mas é urgente estender a todos o alcance dos seus princípios civilizatórios, superando as hierarquias que ainda impregnam as nossas relações sociais.

Fonte: O Globo

Constituições brasileiras

Do Império à ditadura militar

1824

Em 25 de março de 1824, Dom Pedro I outorgava a mais duradoura Constituição brasileira: duraria 65 anos, até a Proclamação da República. Uma Assembleia Constituinte chegou a ser instalada, mas o imperador, irritado com os rumos tomados pelos trabalhos, resolveu dissolvê-la. Entre as características mais marcantes da primeira Carta estavam a criação do Poder Moderador, exercido pelo monarca, que estava acima do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, e o direito de voto ser exclusivo aos homens livres e proprietários abastados.

1891

O Brasil republicano ganharia logo uma Constituição, só que provisória, criado por uma comissão de notáveis selecionados pelo presidente Deodoro da Fonseca e pelo vice Rui Barbosa. Esse texto teria validade até a conclusão da Assembleia Constituinte. Em 24 de fevereiro de 1891, a nova Carta seria promulgada com uma série de novidades: o país passava a ser uma república federativa (chamada Estados Unidos do Brasil); a independência entre os três poderes, a separação entre Estado e Igreja e o direito de voto estendido.

1934

O advento da Segunda República, com a Revolução de 30, seria seguido da instalação de uma nova Constituinte, em novembro de 1933. Oito meses depois, os brasileiros ganhavam sua terceira Carta Magna, totalmente sintonizada com a política do presidente Getúlio Vargas. Foi ela que introduziu o voto secreto e obrigatório a partir dos 18 anos de idade, com o direito de voto estendido às mulheres. Foram criadas a Justiça Eleitoral, a do Trabalho, e leis trabalhistas assegurando jornada de oito horas, repouso semanal, férias remuneradas.

1937

A Carta de 1934 foi a de vida mais curta entre todas. Em 10 de novembro de 1937, Getúlio revogou a Constituição em vigor, fechou o Congresso e impôs a Carta Constitucional do Estado Novo, de espírito fascista. No intervalo de 24 horas, o Brasil assistia à supressão de partidos políticos, à concentração de poder nas mãos de Getúlio, à instituição da pena de morte; à suspensão da liberdade de imprensa; à prisão e ao exílio de representantes da oposição. A eleição para presidente da República seria de forma indireta, e o mandato do chefe do Executivo, de seis anos.

1946

Com a deposição de Getúlio, em 29 de outubro de 1945, a Carta de 1934 foi praticamente posta de lado. O novo presidente eleito, general Gaspar Dutra, governou por decretos-lei até o país ganhar a sua quarta Constituição, promulgada em 18 de setembro de 1947, fruto do trabalho do Congresso eleito, que assumiu a tarefa de Assembleia Constituinte. A Carta sacramentou o reencontro do Brasil com a democracia, restabelecendo os direitos individuais e enterrando a censura e a pena de morte. Outras conquistas: eleição direta para presidente, direito de greve e livre associação sindical.

1967

Com um Legislativo que não lhe representava risco, o regime militar, instituído em 1964, apresentou ao Congresso uma proposta de Constituição que foi promulgada em 24 de janeiro de 1967. A Carta estabeleceu que as eleições para presidente seriam indiretas, através do Colégio Eleitoral, formado pelos parlamentares e delegados indicados pelas Assembleias Legislativas. Os direitos dos magistrados foram suspensos. Apesar de enxuta na sua origem, a Constituição acabou muito remendada com a decretação de vários atos institucionais, sendo o mais célebre deles o AI-5.

Fonte: O Globo

A geração constituinte, 25 anos depois

Por Raymundo Costa

BRASÍLIA - Passados 25 anos de sua promulgação, em 5 de outubro de 1988, a Constituição é a moldura bem acabada do mais longo período de normalidade democrática do país. Tinha tudo para dar errado. Misturou-se a discussão do sistema de governo com a extensão do mandato do ex-presidente José Sarney (1985-1990). Findou um presidencialismo com ares parlamentaristas. Pressionados pelas corporações, os constituintes criavam despesas sem especificar receitas; a economia mundial se abria, os congressistas brasileiros a fechavam. No Palácio do Planalto, Sarney proclamava que a Carta tornaria o país ingovernável. Estava enganado ou pensava apenas em proveito próprio. A geração constituinte tomou conta da cena política, desde então, e tratou de rescrever o que foi possível, até hoje.

A Assembleia Nacional Constituinte (ANC) foi instalada em 1º de fevereiro de 1987, convocada para escrever uma Carta democrática para o Brasil, em substituição a que fora outorgada pela ditadura, de caráter autoritário como o regime militar. Os congressistas trabalharam durante dois anos, conduzidos pelo deputado Ulysses Guimarães, que além da Constituinte presidia o PMDB e era o número um na sucessão do presidente José Sarney - eleito indiretamente vice de Tancredo Neves, morto em 1985. Ulysses era o homem forte da transição democrática; Sarney ressentia-se de legitimidade.

Dos 593 parlamentares que integraram a Assembleia Nacional Constituinte, saíram 12 candidatos a presidente da República, dos quais três ocuparam efetivamente o Palácio do Planalto - Itamar Franco (PL), Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Itamar Franco era vice e assumiu no lugar de Fernando Collor de Mello, o primeiro presidente eleito diretamente após a promulgação da Carta, deposto do cargo devido a denúncias de corrupção em seu governo. Ele assinou o Plano Real, o tiro que acabou com a inflação disparado por uma equipe comandada por FHC, à época ministro da Fazenda.

Na constituinte, FHC votou contra os cinco anos de mandato para Sarney e a favor da nacionalização dos recursos minerais. Eleito para um mandato de quatro anos em 1994, instituiu a reeleição e governou por oito anos. Em seu mandato foram flexibilizados os monopólios. Lula, que o sucedeu na Presidência, chegou à constituinte como o principal líder operário do país e por cerca de 700 mil votos, a maior de um deputado em todo o país. Votou contra a Carta de 1988 por entender que os avanços ocorridos na Constituinte ficaram "aquém daquilo que a classe trabalhadora esperava que acontecesse". Na Presidência Lula fez a reforma da Previdência do setor público, provocando no PT uma crise terminaria com os dissidentes formando um novo partido, o PSOL.

"O corpo constituinte fez o que era possível fazer, o que as circunstâncias permitiam", disse ao Valor o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim, ele próprio integrante da ANC e relator da revisão programada para 1993 e que fez água. "Prova é que nesses 25 anos foram aprovadas 80 emendas à Constituição, 74 aprovadas pelo Congresso e seis na revisão constitucional", diz Jobim. "Aprovou-se o que não havia espaço para aprovar em 1988. É um processo histórico, que começou a mudar em 1995 (com FHC) e no governo Lula é que se acabou com o tabelamento de 12% dos juros". Lula só chegou ao governo em 2003, mas foi a principal referência da oposição no país desde a ANC até a eleição de 2002.

Jobim é outro personagem que emergiu na Constituinte e atravessou os governos seguintes sempre em posições-chave de governo e do Judiciário. Ministro da Justiça de FHC e da Defesa, no governo Lula, atualmente é dono de uma das maiores, se não a maior, bancas de advocacia de Brasília. Líder do PMDB na Constituinte, "teve papel decisivo na garantia das conquistas sociais no segundo turno", segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), que deu nota 5,7 ao constituinte Jobim. Da geração constituinte saiu outro presidente do Supremo, Maurício Corrêa, que fora ministro da Justiça no governo Itamar Franco.

Além de Itamar, FHC e Lula, há os constituintes cujas campanhas presidenciais ainda ressoam na memória, apesar do déficit de votos, caso de José Maria 'Ei Ei Eymael, um democrata cristão". E outros que em alguns momentos da disputa presidencial, foram considerados candidatos competitivos. Mário Covas, líder do PSDB na Assembleia, e Guilherme Afif Domingos, à época no PL, tiveram seus momentos em 1989. Mas foi José Serra, no período pós-Lula, quem encarnou nos anos seguintes o antipetismo. Serra disputou contra Lula, em 2002, como candidato do governo FHC, e como candidato favorito em 2010, depois de governar a cidade e o Estado de São Paulo. Perdeu as duas eleições e pensa em disputar novamente em 2014, num cenário que certamente terá um outro representante da geração constituinte: Aécio Neves (PSDB-SP), eleito para a ANC aos 26 anos de idade.

Do quadro de atuais postulantes à Presidência, Aécio Neves é o único constituinte

Serra foi um constituinte aplicado, o que mais aprovou emendas, proporcionalmente, 130 num total de 208 apresentadas. "A Carta reflete, sim, em grande medida, as circunstâncias da época", diz o ex-governador paulista. "Primeiro, a redemocratização, e a ansiedade natural pela ruptura com o passado autoritário recente". Em segundo lugar, segundo Serra, a superinflação pressionou o tempo inteiro. "Todo o processo de elaboração da nova Carta foi marcado pela sombra da inflação de dois dígitos mensais, fator de profunda perturbação e instabilidade social", diz. Um quadro que só "aumentou a sede dos parlamentares para 'resolver' a crise mediante preceitos constitucionais".

Da Assembleia Nacional Constituinte de 1987/1988, também saíram dez candidatos a vice-presidente da República, sem contar com Itamar Franco. Dois foram eleitos, Marco Maciel (PFL), vice de Fernando Henrique em seus dois mandatos, e Michel Temer (PMDB), atual vice-presidente da República e provável companheiro de chapa da presidente Dilma Rousseff nas eleições de 2014. O capítulo dos vices apresenta algumas linhas amargas. O ex-senador e ex-ministro do Tribunal de Contas da União, Guilherme Palmeira (PFL/DEM) seria o candidato a vice de FHC, não fossem as acusações de corrupção contra um funcionário de seu gabinete. O ex-senador José Paulo Bisol, candidato a vice de Lula em 1989, não pôde repetir a dobradinha em 1994 por conta de acusação - nunca provada - de ter apresentado emenda superfaturada ao Orçamento para beneficiar um reduto eleitoral.

Além de três dos quatro presidentes - Collor, FHC, Lula e Dilma - eleitos, pelo voto direto, desde a redemocratização, a geração constituinte foi virtualmente hegemônica na direção das duas Casas do Congresso: contam-se oito presidentes da Câmara e cinco presidentes do Senado, com uma supremacia avassaladora do PMDB, até agora (veja a ilustração). Assim como o primeiro presidente da República eleito caiu por corrupção, constituintes que presidiram a Câmara também foram atingidos por denúncias: Ibsen Pinheiro, o deputado que o PMDB preparava para uma eventual candidatura presidencial, foi apanhado no redemoinho do escândalo dos anões do Orçamento da Câmara.

O atual presidente do Senado, Renan Calheiros, teve de renunciar ao mandato devido à acusações de que uma empreiteira pagava suas contas pessoais. O atual presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, esteve cotado para ser o vice de José Serra, mas sua candidatura foi abatida depois da denúncia de que fizera depósitos no total de U$ 15 milhões em contas bancárias em paraísos fiscais.

"O mundo passou por uma revolução (social, econômica e tecnológica) nos últimos 25 anos", disse Renan Calheiros ao Valor. "Se repetida hoje a Constituinte, muitos excessos provavelmente não estariam no texto como o tabelamento dos juros", afirmou. "Eu, pessoalmente, dei várias contribuições como o voto aos 16 anos".

Da legislatura que elaborou a Carta saíram 12 candidatos à Presidência da República

Outra demonstração de que a ANC formou a geração dos dirigentes do país, na sequência da Assembleia, é o número de constituintes que se elegeram, posteriormente, governadores de Estado: 36, contando com os vices que assumiram. O atual governador de Alagoas, Teotônio Vilela, ainda guarda na lembrança a emoção que sentiu durante os trabalhos. Motociclista, Teotônio está acostumado a percorrer as estradas e o litoral do país. Na ANC acredita ter redescoberto o país ao ver passar por ele índios, negros, quilombolas, trabalhadores de todas origens. Vilela se orgulha de ter colocado "o sertão na Constituição do Brasil", ao estabelecer que metade dos recursos do Banco do Nordeste seriam destinados ao semiárido. Até o deputado Delfim Netto, que já era uma referência na área econômica ao chegar à Constituinte, votou a favor da emenda, embora se declarasse contrário a esse tipo de vinculação.

Além de Teotônio Vilela, dois outros constituintes do que viria a ser o PSDB governam seus Estados: Siqueira Campos (TO) Geraldo Alckmin (SP). Siqueira Campos está em seu quarto mandato de governador do Estado que ele criou na Constituinte para chamar de seu: o Tocantins. Siqueira Campos votou com todos e contra todos para assegurar a divisão de Goiás e a criação do Tocantins. Votou a favor dos quatro anos de mandato para Sarney na comissão de sistematização, e com isso atraiu a simpatia da esquerda para sua causa; no plenário votou contra já pensando na ferrovia Norte - Sul, projeto do governo Sarney que beneficiaria o Estado. Na reforma agrária votou com a UDR, na mineração, com os progressistas.

"Ter sido Constituinte nos orgulha muito", diz hoje Siqueira Campos, que se prepara para deixar o cargo e assim viabilizar a eleição do filho, Eduardo Siqueira Campos, na eleição de 2014. "A ANC iniciou o processo de redivisão territorial do Brasil, o que deveria ter continuidade, pois foi o inicio da modernização do nosso país". Campos defende a divisão como instrumento para reduzir "as desigualdades, os contrastes sociais e transformar o Brasil em potência mundial. O Tocantins nasceu da Constituinte, e o nascimento do Estado trouxe melhorias na vida da população".

A ANC também foi palco para outro personagem crucial deste quarto de século da política nacional: Roberto Jefferson, eleito para seu segundo mandato, pelo PTB, com 24.938 votos. O autor da denúncia do esquema do mensalão no governo Lula teve sua participação bem avaliada pelo Diap, que lhe conferiu nota 5,25. Governista, Jefferson apoiou os cinco anos para Sarney e se alinhou com o centrão, grupo de centro-direita articulado no Congresso sob o beneplácito do governo Sarney, e com a barulhenta UDR, entidade ruralista que fez o lobby contra a reforma agrária. A denúncia de Jefferson sobre a existência do mensalão atingiu um dos mais ativos constituintes: José Genoino (PT-SP), hoje um deputado amargurado que se ressente do fato de o presente não reconhecer seu passado.

Em depoimentos e entrevistas, Lula reconheceu que o projeto do PT de Constituinte apresentava soluções mágicas que tornariam o governo inviável e até reconheceu que a Carta de 88 foi bastante avançada. Mas é lenda a história segundo a qual o PT não assinou a Constituição. Na realidade, Lula encaminhou contra a aprovação do texto constitucional em nome da bancada do PT. Em seu discurso, Lula reconheceu os avanços sociais alcançados, mas os considerou insuficientes. O deputado Olívio Dutra, que à época ombreava com Lula no movimento sindical, discursou na mesma linha.

Lula e o PT foram convencidos a assinar a nova Carta por Ulysses Guimarães com o argumento de que eles efetivamente participaram da elaboração do texto constitucional. O poder de aglutinação e de convencimento de Ulysses é destacado pelo ex-presidente do STF, Nelson Jobim. "Sem ele, não teria andado", diz, tantas eram as pressões. Lula se lembra das mais de 70 mil propostas populares. Fernando Henrique, do lobby das corporações, especialmente dos juízes, a que mais se mobilizou, na sua opinião. Numa sessão da comissão de sistematização o ex-presidente chegou a pedir que se retirassem da sala. Em depoimento ao Instituto Brasileiro de Direito Público, FHC resumiu o sentimento da época: "Foi um momento em que o Brasil sonhou".

Fonte: Valor Econômico

Em semana decisiva para oficializar partido, Rede faz vigília no TSE

Marina Silva deve ter encontro com a presidente do Tribunal, ministra Cármen Lúcia; prazo para obter registro em tempo de conseguir disputar eleições termina dia 5 de outubro

Erich Decat

BRASÍLIA - Com a possibilidade de ficarem de fora das eleições de 2014, integrantes da Rede devem fazer vigília esta semana no Tribuna Superior Eleitoral (TSE). Uma última rodada de conversa pode ocorrer nesta segunda-feira, 30, entre a idealizadora do partido, Marina Silva, e a presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia.

Na semana passada, a ex-senadora fez um périplo pelos gabinetes dos outros seis ministros em busca de apoio. Hoje ainda deve ser encaminhado à relatora do processo no TSE, Laurita Vaz, o número oficial de assinaturas coletadas pela Rede. Integrantes da sigla dizem que têm 440 mil apoiamentos registrados. Mas essa quantidade pode ser diferente da contagem do TSE, para mais ou para menos.

A análise do registro da sigla na corte pode ocorrer na sessão extraordinária de quarta-feira, 2. Outra sessão ordinária está prevista para quinta-feira, 3. O prazo final para filiação e criação de partido, para habilitar-se a disputar o próximo pleito, expira no sábado, dia 5.

O processo da Rede é diferente dos analisados na semana passada, quando a corte aprovou o registro do Solidariedade e do Partido Republicano da Ordem Social (PROS). O partido de Marina argumenta que ao menos 95 mil assinaturas foram rejeitadas pelos cartórios eleitorais sem justificativa. Um entendimento dos ministros de que esse apoio deve ser contabilizado levaria a Rede a extrapolar o mínimo exigido, de 492 mil assinaturas. "Em tese, todo ato tem de ser justificado", disse um ministro do TSE sob anonimato. "Mas um ato nulo também não gera efeitos", despistou.

A pressão de um possível impedimento da Rede de disputar as eleições já leva alguns ministros da corte a dizerem que não estão negando o registro de candidatura de Marina, mas a criação de um partido que não obedece aos critérios exigidos. Mesmo sem partido, a ex-senadora aparece nas pesquisas em segundo lugar na disputa pela Presidência da República.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Oposição vai pedir para TSE reavaliar contas de Dilma

Políticos querem que tribunal investigue se PT pagou cabos eleitorais 'por fora', o que seria crime de caixa dois

PT e núcleo financeiro da campanha da presidente dizem que todas as contas de 2010 foram aprovadas

SÃO PAULO - Políticos e partidos da oposição cobraram ontem que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) reexamine a prestação de contas da presidente Dilma Rousseff referente à campanha eleitoral de 2010.

Conforme reportagem da Folha publicada ontem, cabos eleitorais que aparecem na prestação de contas da candidata do PT como voluntários afirmaram terem sido pagos pelo trabalho.

Pelo menos 12 pessoas localizadas em Mato Grosso e no Piauí disseram nunca ter atuado de graça na campanha da presidente.

Efetuar pagamentos de campanha e não declará-los à Justiça Eleitoral é considerado crime de caixa dois.

O PT e os coordenadores da campanha de Dilma afirmaram que todas as contas foram aprovadas pelo TSE.

O presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), afirmou em nota que "são extremamente graves as denúncias publicadas".

Possível candidato ao Planalto em 2014, ele disse que o PSDB estudará medidas que poderão ser adotadas contra o PT e disse que aguarda explicações da presidente Dilma Rousseff sobre o caso.

Para o presidente do PPS, deputado federal Roberto Freire (SP), o Ministério Público Eleitoral deve pedir que o TSE reexamine as contas da campanha de 2010, todas elas já aprovadas pelo tribunal.

"É desonestidade e fraude. Mais uma malfeitoria do governo Lula-Dilma", disse Roberto Freire.

Sobre um pedido do partido para se investigar novamente as contas de 2010, ele se diz desanimado.

"Se o tribunal não rejeitou as contas do mensalão, vai criar algum problema por causa disso?", indagou.

O DEM, outro partido da oposição, também quer nova análise nas contas da presidente. Segundo o líder do partido na Câmara dos Deputados, Ronaldo Caiado (GO), há "fortes indícios de que houve uso de caixa dois na campanha" do PT.

Fonte: Folha de S. Paulo

Semana será decisiva para definir quebra-cabeça das eleições de 2014

Partidos têm até o dia 5 de outubro para filiar quem vai concorrer no pleito do próximo ano

Isabel Braga, Fernanda Krakovics e Juliana Castro

RIO - Esta semana será decisiva para saber com quais cartas os partidos políticos vão contar para as eleições de 2014. Isso porque as legendas têm até o dia 5 de outubro para filiar aqueles que vão concorrer no pleito do próximo ano. É neste período em que as conversas entre possíveis candidatos e siglas se intensificam, e o troca-troca aumenta.

A semana será crucial, principalmente, para a ex-senadora Marina Silva, que tenta viabilizar seu partido, o Rede Sustentabilidade, para disputar a Presidência da República. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decide nesta semana se concede o registro à nova sigla, que ainda não conseguiu certificar as 492 mil assinaturas exigidas por lei para a legalização da legenda.

O eventual naufrágio da Rede deixa em situação difícil alguns de seus apoiadores, como o deputado federal Alfredo Sirkis (PV-RJ):

— O PV está dizendo que não vai me dar legenda (para disputar as eleições do ano que vem).

A indefinição sobre a criação do Rede posterga ainda mais a escolha dos possíveis candidatos, já que muitos vão aguardar até o último minuto para saber se o partido realmente será oficializado a tempo de dar legenda para quem vai concorrer em 2014.

Embora diga que ainda tem esperança de que a Rede seja criada, o deputado Domingos Dutra (PT-MA) é outro sem ambiente para permanecer em seu atual partido, por causa do engajamento no projeto de Marina:

— É difícil ficar no PT, porque lá (no Maranhão) o partido está controlado pela família Sarney. É incompatível para quem tem dignidade.

A exceção seria o deputado Walter Feldman (PSDB-SP), que também está na linha de frente da criação da Rede. Segundo tucanos paulistas, Feldman, se quiser, poderá concorrer pelo PSDB.

A expectativa entre os “marineiros” é que a decisão do TSE saia na quinta-feira, a dois dias do prazo final. Pessoas próximas a Marina afirmam que ela não tem um plano B e que, politicamente, seria muito ruim para sua imagem, construída em cima do discurso ética, entrar às pressas em outro partido para se candidatar à Presidência.

— Se não conseguir o registro da Rede, ela vai para o PEN, um partido cartorial? Para qualquer legenda que ela for, irá contradizer o discurso dela, ficar igual. Vai ter que se explicar — ironizou o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ).

Cid Gomes definirá para qual partido vai

Enquanto Marina luta para tirar seu partido do papel, a aprovação da criação do Solidariedade e do PROS contribuiu para intensificar o troca-troca. Quem vai para uma nova sigla não poder ter o mandato contestado, por infidelidade partidária. O PROS aguarda a filiação do grupo do governador do Ceará, Cid Gomes. Eles também flertam com outras legendas.

O prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio, se reuniu com o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, na sexta-feira e prometeu dar uma resposta até terça. Cid, seu irmão Ciro Gomes, além de prefeitos, deputados e vereadores, deixaram o PSB porque apoiam a reeleição da presidente Dilma Rousseff e não a candidatura do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, à Presidência da República.

Outra que define seu futuro político é a presidente do PT do Ceará, a ex-prefeita de Fortaleza Luizianne Lins. Isolada em seu partido, foi convidada a ir para o PSB. Nesta segunda-feira, Luizianne conversa com o presidente do PT, Rui Falcão, em São Paulo. Na sequência, encontra o deputado Márcio França (PSB-SP), um dos mais próximos de Eduardo Campos. Apesar de persistirem no assédio, os socialistas estão pessimistas quanto à ida de Luizianne para o PSB.

No Rio, mudanças nas bancadas da Alerj

As conversas sobre a dança das cadeiras já eram intensas na semana passada, na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Agora, a expectativa maior é sobre o destino do deputado Wagner Montes, atualmente no PSD, e parlamentar mais votado para a Casa em 2010, com 528.628 votos. Ele está de malas prontas para o PRB, do senador Marcelo Crivella. Confirmada a saída de Wagner Montes, a aposta é que ao menos seis dos 11 deputados do PSD deixem o partido.

Quem também manifestou o desejo de mudar foi o ex-jogador Bebeto. Desgostoso com os escândalos envolvendo o PDT, ele tem conversado com várias legendas. Para completar o troca-troca, os cinco deputados estaduais do PSB devem deixar a sigla, após a crise envolvendo a direção nacional e o diretório do Rio.

O deputado estadual Pedro Fernandes, atualmente no PMDB, é o articulador do Solidariedade no Rio. A nova sigla, apesar de se alinhar nacionalmente a Aécio Neves (PSDB), deve apoiar Lindbergh Farias (PT) ao governo do Rio. Na Alerj, Pedro Fernandes tem tentado cooptar principalmente os deputados do baixo clero. Oficialmente, ele nega que o apoio a Lindbergh esteja certo e que tenha a intenção de atrair parlamentares com mandato.

Fonte: O Globo

Andando para trás - Aécio Neves

Os dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) 2012 divulgados pelo IBGE mostram os limites do modelo de políticas sociais adotado no país a partir de 2003, com a chegada do PT ao poder. O governo federal prefere fechar os olhos à realidade a refletir sobre os alertas que vêm sendo feitos por especialistas de várias áreas.

Vale destacar alguns dos números da Pnad 2012. Nada menos do que 13,2 milhões de brasileiros de 15 anos ou mais são analfabetos. De 2011 para 2012, mais 300 mil pessoas entraram nessa sombria estatística. No Nordeste, a taxa de analfabetos na mesma faixa etária ultrapassa 17% da população, o que demonstra a permanência de imensas diferenças regionais.

O crescimento da desigualdade é evidente: 1% dos brasileiros com rendimentos mais elevados ganham 87 vezes mais do que os 10% dos brasileiros com os rendimentos mais baixos. Em 2011, esta diferença era de 84 vezes.

Também é preocupante a questão da renda e do trabalho. O apagão de mão de obra qualificada se aprofunda pela baixa escolaridade do trabalhador e pela sua frágil formação para o mundo cada vez mais exigente do trabalho.

Os novos dados do analfabetismo que surpreenderam o país, somados a informações já reveladas por outras pesquisas e constatadas diariamente em todo o Brasil, mostram um governo que vem menosprezando a mais poderosa alavanca de transformação social: a educação.

Quando o governo do PSDB implantou os programas de transferência de renda --que continuam sendo fundamentais-- na década de 1990, o objetivo era que fossem ponto de partida para conquistas sociais importantes e definitivas para as famílias cadastradas. O PT fez com que esses programas se transformassem em ponto de chegada. E contenta-se hoje com a administração da pobreza, ao invés de investir em formas efetivas para a sua superação.

O partido submeteu a lógica de ações estratégicas para o país à conveniência do discurso político da legenda. Por isso, insiste em tratar a pobreza pela ótica exclusiva da privação de renda, quando o mundo caminha na direção de percebê-la como uma privação mais ampla, também de direitos e serviços. Essa visão, mais realista e mais justa com milhões de famílias, esbarra nos maus resultados da gestão federal em diversas áreas, na propaganda e no discurso salvacionista do governo.

Por mais que a atual administração federal tenha criado o mantra de que acabou com a miséria no país, os brasileiros sabem que isso não é verdade. Precisamos ter coragem de fazer avançar as políticas sociais no país, para que elas sejam de fato instrumento de travessia na vida de milhões de brasileiros.

Aécio Neves, senador (MG) e presidente nacional do PSDB

Fonte: Folha de S. Paulo

O "já ganhou" já era – Alberto Goldman

Curiosas essas pesquisas sobre sucessão presidencial que fazem os institutos de pesquisas. Aliás curiosas mesmo são as matérias e as interpretações que os vários jornais, em geral contratantes das pesquisas, dão aos resultados obtidos.

Falta um ano para o pleito. Como a pesquisa é uma fotografia, um momento de uma determinada trajetória, ela diz pouco do passado e nada do futuro. As centenas de eleições passadas e as milhares de pesquisas já mostraram isso. Mas nada muda na imprensa. Ela continua a noticiar e os "especialistas" continuam a escrever como se não tivessem aprendido nada na história das eleições e das pesquisas.

A mais recente pesquisa é noticiada como uma recuperação da Dilma. No início do ano ela apresentava "intenções" de voto em torno de 60%. Em Julho estava em torno de 30%. Agora "recuperou" 7% ou 8%. Coisa semelhante ocorre com o seu governo na avaliação positiva e negativa e essa avaliação é a razão da queda.

A melhora da avaliação levou à "recuperação". Também na mesma proporção, isto é, "recuperou" cerca de 25% do que havia perdido, e é só.

Não dá pra tirar nenhuma conclusão sobre o futuro, mas dá sobre o presente. Dilma perdeu porque seu governo começou a ser visto como um governo medíocre, incapaz de enfrentar as dificuldades do quadro econômico em que se encontra o país. Após a queda de julho Dilma investiu pesadamente na mídia e promoveu ações que, ainda que não se concretizem, como não se concretizarão, procura mostrar uma presidente preocupada com o quadro social do país. O seu marketing político procura associá-la a um esforço para enfrentar a crise de mobilidade, de habitação e da falta de atendimento médico adequado.

Nada de novo. A limitada "recuperação" mostra uma pequena parcela da população tocada pelo discurso, por mais falso que seja, de um presidente sensível ao sofrimento do povo. Mas parou por aí. Isso significa a sua vitória em 2014? Claro que não! Ou sua derrota? Também não!

O jogo ainda nem começou. Quais serão os candidatos? Como se comportarão as alianças? Qual o quadro econômico nos próximos doze meses? E qual será o efeito dos processos que atingem as lideranças petistas, no quadro presumível de dificuldades econômicas pelas quais vamos passar? E os novos escândalos que vem vindo por aí?

Há dados que devem deixar os petistas de cabelo em pé. Por exemplo, no momento atual, no cenário desenhado, em um segundo turno, Dilma varia intenções de voto entre 38% e 43%. É pouco para quem tem o governo, a máquina governamental, o acesso ilimitado à mídia, o poder de apresentar planos e mais planos, criando esperanças que não vão se realizar. E que tem de responder pelos problemas do país nos próximos longos doze meses. Vide o programa "mais médicos" que é como se fosse uma amostra grátis (aliás grátis não é) com efeitos limitadíssimos na crise da Saúde em que vivemos.

Até lá, muita água vai correr debaixo da ponte. A única coisa certa que as pesquisas mostram (aliás para isso elas não são necessárias) é que o "já ganhou" que os petistas cantavam, já era.

Alberto Goldman, vice-presidente nacional do PSDB

O STF e o velho Brasil - José Murilo de Carvalho

Os juízes da Suprema Corte americana que deixaram seu nome na história foram exatamente os que inovaram, alteraram a jurisprudência

O STF, com a ajuda da Procuradoria Geral e do Ministério Público, criara na opinião pública a expectativa de que estaria havendo uma inflexão na curva da jurisprudência brasileira no sentido de introduzir visão mais ampla e atual do papel da lei na sociedade. A entrada de dois novos ministros, no entanto, fez com que o que parecia inflexão se tornasse, nas palavras de um deles, apenas um ponto fora da curva, a ser corrigido, como de fato o foi. Com a correção, voltou-se ao velho, à nossa tradição de desigualdade na distribuição da justiça, bem traduzida na conhecida expressão popular: rico não vai para a cadeia. A jurisprudência bacharelesca foi recolocada a serviço do privilégio. Perdeu o STF, perdeu o país, perdeu a República.

Vale a pena examinar um dos principais argumentos brandidos pelos embargantes para eliminar o incômodo ponto fora da curva. Trata-se da ficção criada para dar legitimidade aos juízes na ausência de mandato popular. A ficção consiste em alegar que o juiz age segundo a razão, a lei, a justiça, de modo neutro e imparcial. Para atingir esse objetivo, ele tem que evitar o contágio da emoção, da paixão, do partidarismo, vícios próprios da opinião pública, da mídia, da multidão, do povão. O juiz, encastelado em sua torre de marfim, tem que se distanciar da sociedade, mesmo quando ela sai em massa às ruas clamando, entre outras coisas, pelo fim da corrupção, ou quando se manifesta no mesmo sentido em dezenas de pesquisas de opinião pública. Consta mesmo que o ministro que desempatou a votação dos embargos votou certa vez contra sua convicção só para não parecer que concordava com um jornal que antecipara seu voto.

Esse juiz imaginado, pairando olimpicamente sobre sociedade, é um ET, não existe. A ficção tem sua razão de ser e sua utilidade, mas não pode ser levada muito longe. As leis sempre permitem mais de uma interpretação, sobretudo as leis penais brasileiras, que são um cipoal de onde se pode, com ou sem chicana, extrair interpretações contraditórias, todas elas legais, técnicas, racionais. Nessas circunstâncias, a opção por uma interpretação, sobretudo em casos polêmicos como o do mensalão, será sempre metajurídica, dependerá de interesses, convicções, emoções, lealdades. Quanto mais técnica se pretende, maior a probabilidade de não o ser.

Como se dizia das eleições da Primeira República: quanto mais perfeitas as atas, mais falsas as eleições. Ou no latinório caro aos juristas, summum jus, summa injuria (o máximo de direito é o máximo de injustiça). Em meus tempos de estudante dizíamos brasileiramente dura lex, sed lastex (a lei é dura, mas espicha). Dessa situação, aproveitam-se todos os que têm recursos para contratar os melhores advogados do país, que, por sua vez, sabem muito bem como esgrimir a miríade de recursos a seu dispor e com eles convencer juízes. É assim que, passados nove anos do crime do mensalão, realizadas mais de 60 sessões de julgamento pela suprema corte do país, ainda se achou como argumentar que o direto de defesa dos réus de luxo ainda não se tinha esgotado. Foram mobilizados os embargos infringentes, criados por dispositivo regimental não confirmado em lei. É pena que tanta garantia seja reservada a poucos privilegiados e negada a dezenas de milhões de brasileiros. Esse uso do direito ao devido processo legal é a negação da igualdade perante a lei, base da República.

Em contraste, a operação Mãos Limpas, levada a efeito por promotores e juízes italianos na década de 1990, e dirigida contra vasto esquema de corrupção nos partidos políticos, emitiu milhares de mandados de prisão de políticos, empresários, funcionários públicos, entre eles 438 parlamentares. O Watergate, de 1972, teve 69 funcionários públicos acusados e 48 condenados. Dois anos após a denúncia, os culpados já estavam na cadeia, entre eles três altos funcionários ligados ao presidente Nixon, que, ele próprio, se viu forçado a renunciar. Em contraste, graúdos entre nós raramente pisam na cadeia e quando o fazem é em cela especial e não esquentam o lugar. Uma liminar, um habeas corpus logo os libertam e uma infinidade de recursos adicionais adiam, reformam, anulam as sentenças condenatórias.

Os juízes da Suprema Corte americana que deixaram seu nome na história, como Oliver Wendell Holmes Jr. e Earl Warren, foram exatamente os que inovaram, alteraram a jurisprudência. A lei para eles não era fetiche, era produto histórico que precisava ser constantemente adequado às contínuas mudanças por que passava a sociedade. Para Warren, até mesmo a Constituição não era um conjunto de cláusulas pétreas, mas um “documento vivo”, a ser constantemente reinterpretado. Eram juízes de olho na sociedade, sem medo da opinião pública, sempre fora da curva, em busca de novas curvas.

José Murilo de Carvalho é historiador

Fonte: O Globo

A “montanha-russa” da reforma política - Marcus Pestana

Volto ao assunto pelas recorrentes perguntas sobre o tema com que esbarro em minhas andanças. Confesso que mesmo estudando a questão há mais de 15 anos, tendo sido membro ativo da Comissão Especial da Câmara e representando o PSDB no Grupo de Trabalho que atualmente tenta construir uma proposta, ando meio cansado das discussões, já que sua dinâmica mais parece “montanha-russa”, cheia de altos e baixos.

As jornadas de rua em junho recolocaram indiretamente o tema. Chegou-se a falar em Constituinte exclusiva e plebiscito. A OAB e diversas entidades da sociedade civil empreendem campanha levantando diversas propostas sobre o tema.

Se o sistema político vigente atendesse às necessidades nacionais, o Congresso não discutiria a reforma por mais de uma década. Várias tentativas se frustraram. Nosso sistema não aproxima o mundo político da sociedade, produz campanhas caríssimas, é campo fértil para a corrupção, não fortalece os partidos políticos e não gera ambiente saudável para a governabilidade.

No mundo inteiro e no Brasil, a democracia representativa vive uma crise de legitimação. A cada evento, como a não cassação do deputado preso e condenado, o fosso entre as instituições democráticas e a população aumenta.

Muitos se perguntam por que a reforma não sai se há enorme convergência em torno de sua necessidade. É que os temas envolvidos são polêmicos, mexem com múltiplos interesses e a construção de consensos é difícil. A equação é do tipo “cada cabeça, uma sentença”.

Qual é o estado da arte?

No curto prazo, mudanças superficiais. Apenas com pequenas melhorias no processo eleitoral. Há uma chance remota de o Congresso votar nesta semana uma proposta com novas regras para as eleições de 2014.

Já o Grupo de Trabalho da Câmara prepara uma mudança mais profunda com vigência prevista para 2018. Foram aprovadas as propostas que resultarão no fim das coligações proporcionais, na introdução da cláusula de desempenho, no fim da reeleição com mandato de cinco anos e na coincidência de todos os mandatos.

Nas duas questões centrais – sistema eleitoral e financiamento de campanha –, a polêmica permanece. Distritão misto com grandes distritos com eleições majoritárias, lista fechada pré-ordenada, distrital misto e manutenção do atual sistema são as propostas em pauta no tocante ao sistema eleitoral. Financiamento público exclusivo, misto, exclusivamente privado, com diversas variantes pelo lado da receita e da despesa, presidem as discussões.

Diante da dificuldade de aprovar a proposta que julgo a melhor – o distrital misto –, coloquei na agenda uma hipótese simples e saneadora. As eleições permaneceriam com o voto nominal proporcional, mas os deputados seriam eleitos em grandes regiões. São Paulo teria nove regiões eleitorais, Minas seria dividida em sete regiões, cada uma elegendo oito ou nove deputados. Com a redução do território, aproximaríamos a representação da população e baratearíamos significativamente as campanhas.

Marcus Pestana, deputado federal e presidente do PSDB-MG)

Fonte: O Tempo (MG)

Os órfãos de junho - José Roberto de Toledo

Um a cada três eleitores brasileiros está sem candidato a presidente - mesmo depois de ser confrontado com a lista de presidenciáveis pelo Ibope. Ele já foi simpatizante de Dilma Rousseff (PT), antes dos protestos. Desiludiu-se, manifestou-se nas ruas e aderiu a Marina Silva (sem partido). Cansou. Agora, não sabe em quem votar. É o órfão de junho.

Essa orfandade não vai durar para sempre, porém. A história mostra que dois de cada três desses indefinidos vão acabar escolhendo um candidato, mesmo que na última hora e na base do "mal menor". Isso provoca dois efeitos.

O primeiro é precipitar análises aritméticas de que Dilma Rousseff se elegeria no primeiro turno. A conta pode estar certa (porque ela supera a soma dos votos dos rivais), mas a conclusão é simplista - como veremos mais à frente. O segundo e mais relevante efeito é que para onde penderem os órfãos, penderá a eleição.

As taxas de votos brancos e nulos somadas não chegaram a 10% nas eleições presidenciais de 2010 - nem na de 2006. Na mais recente pesquisa Ibope, 15% declaram a intenção de anular. Mas o histórico mostra que essa proporção deve baixar em pelo menos um terço até a hora de o eleitor votar.

O Ibope encontrou essa mesma taxa de branco/nulo em setembro de 2009, faltando os mesmos 12 meses para a eleição de 2010 que restam para a eleição de 2014. Está tudo dentro do script.

Tampouco a abstenção tem sido uma forma de protesto no Brasil. Descontados os fantasmas - que morreram, mas continuam vivos e saudáveis no cadastro da Justiça Eleitoral -, a taxa de eleitores que deixam de votar é inferior a 10%. Ela se distribui de forma razoavelmente homogênea pela sociedade, o que significa que não tende a prejudicar mais um candidato do que outro.

Tudo isso considerado, conclui-se que 20% do eleitorado está à deriva e pode, em tese, migrar para qualquer das candidaturas. É voto suficiente para levar até o mais nanico dos candidatos ao segundo turno - e, eventualmente, elegê-lo presidente. Isso não tira o favoritismo de Dilma, mas o coloca em perspectiva.

Esses órfãos podem voltar para o colo da petista e elegê-la no primeiro turno? Sim, mas a presidente terá primeiro que reconquistá-los. E ela está tentando.

Não foi por acaso que Dilma ressuscitou, justamente agora, sua conta no Twitter - depois de ter abandonado a rede social onde foi muito popular durante a campanha de 2010 e da qual se retirou sem dar qualquer satisfação logo que chegou ao poder.

Reforçar a presença online é uma tentativa de atingir o público que frequenta o Twitter e o Facebook com mais assiduidade: os "jovens" de menos de 45 anos. Foram eles que marcharam em junho. É entre eles que a taxa de branco/nulo se destaca. É com eles que a presidente tentará dialogar. Mas não falarão sozinhos.

Aécio Neves (PSDB) lançou uma estratégia de comunicação na semana anterior que se explica pelo nome, com direito a hashtag: #vamosconversar. O tucano também percebeu que tem uma oportunidade de crescer se alcançar esse eleitor desamparado. Está apelando às redes sociais para chegar mais perto dele.

Eduardo Campos (PSB), por enquanto, mostra-se mais preocupado em conquistar a simpatia dos donos dos prédios da avenida por onde passou a maioria dos protestos em São Paulo, a Paulista, do que se aproximar dos manifestantes. Mas é por saber que eles estão órfãos que o presidente do PSB tirou seu partido do governo e demonstrou que é de fato candidato contra Dilma.

Já Marina Silva parece ter acreditado que os órfãos adotariam sua Rede por inércia. Não adotaram. Nem assinaram fichas em quantidade suficiente para superar os riscos inerentes a quem desafia tucanos e petistas ao mesmo tempo. Agora é Marina que se arrisca a ficar órfã na eleição.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Troca-troca de valore$ - Valdo Cruz

Junho se foi, outubro bate à nossa porta e nada de reforma política. Lá se foi o prazo para fazer mudanças na legislação eleitoral a tempo de vigorarem na próxima eleição, em 2014.

Pior é que, em vez de uma higienizada nos modos da política, assistimos hoje a um festival de troca-troca de partidos e de criação de novas siglas, que já são 32 no país.

Como bem define um ministro do STF, cenário desalentador, prova de que as ideologias dos programas partidários não têm nenhum valor, o que tem valor é outra coi$a.

Não é de hoje que a criação de partidos está associada a um mercado que vai além da busca de votos. Parlamentares chegam a dizer publicamente quanto vão ganhar de recursos no novo partido. Tem deputado que está na sétima legenda.

Autêntico balcão de negócios que chegou a ser ameaçado pelos protestos de junho, quando a classe política, acuada, prometeu mudar e fazer diferente. Ficou na promessa.

Quem saiu lucrando foi a presidente Dilma. Ela poderá entoar o discurso de que fez sua parte: defendeu uma reforma política, com consulta popular, para vigorar em 2014.

Lucrou, por sinal, duplamente. Mantido o velho modelo, vai compensar as perdas de apoio e de tempo de TV pela saída do PSB do governo com o surgimento do Pros, que já nasce governista.

Curioso, para não dizer outra coisa, é notar que, enquanto alguns profissionais emplacam seus novos partidos, Marina Silva corre o risco de não aprovar a sua Rede.

Logo o partido que, dos novatos, teria mais legitimidade. Esbarra na sua falta de profissionalismo, em todos os sentidos, e na burocracia da Justiça Eleitoral --que deveria ter previsto e dela se precavido.

Entre seus apoiadores, há quem defenda que, sem a aprovação da Rede, Marina desista de ser candidata. Seria garantir lucro triplo para a petista Dilma. O que a oposição não quer nem pensar. A conferir.

Fonte: Folha de S. Paulo

Nunca estivemos tão baixo - Renato Janine Ribeiro

O Brasil chegou ao fundo do poço, em termos de debate político. Não lembro nenhuma época das três décadas, desde a democratização de 1985, em que tenhamos estado tão baixo. Nunca tantos brasileiros tiveram acesso a um veículo, como a internet, que transmite tantas informações e proporciona uma participação assim ativa no debate, por meio das redes sociais - e, no entanto, nunca foi tão estéril a discussão de ideias e projetos para a sociedade. Para quem esperou que a rede de computadores constituísse uma ágora - o nome grego para a praça na qual o povo reunido debatia e decidia as questões políticas - a frustração é enorme. Nossa democracia sobrevive, mas graças mais aos tribunais do que ao povo ou à mídia. Digo isto com tristeza.

Nossa lei eleitoral contém disposições que inibem a boa vida política. Não discuto aqui certas macroquestões, como o voto distrital ou o proporcional, mas regras simples, porém muito equivocadas.

Está na lei - e deverá continuar na lei, diante do boicote do PT na Câmara até mesmo à microrreforma eleitoral - que, se um candidato eleito a cargo majoritário for condenado pela Justiça Eleitoral, seus votos serão anulados, dando-se posse a seu adversário derrotado nas urnas. Isso vai contra a essência da democracia, que consiste no poder do povo, expresso pelo voto da maioria. O candidato vitorioso teve a maioria dos votos, relativa ou absoluta. Se esse contingente de sufrágios é cassado, o poder irá para um candidato perdedor. Essa insanidade já prejudicou tudo o que é partido, seja o PT (caso de Mauá - SP), o PSDB (a Paraíba) ou o PDT (o Maranhão). Mas está na lei, e a Justiça Eleitoral aplica-a. A regra é escandalosa. Entendo-a como inconstitucional, pois afronta um princípio essencial da democracia, mas a culpa maior pela violação do princípio democrático é do legislativo, mais que do Judiciário.

Desde 1985, nunca foi tão fraco o debate político

Também está na lei que a campanha eleitoral só pode começar depois da convenção que indique o candidato do partido. Em tese, os convencionais se reúnem sem saberem quem quer candidatar-se... E assim fingimos que Marina Silva, Aécio Neves, Eduardo Campos ou Dilma ainda não são candidatos. É uma bobagem sem fim. Imaginemos que alguém, hoje, queira concorrer a presidente em 2018. Não pode sair por aí dizendo isso. Mas por que não? Que mal faria alguém ter esse capricho?

Não espanta. A sociedade brasileira não tem o gosto norte-americano pelo debate público. Basta ver os júris cá e lá. Nos Estados Unidos, quando se reúne o conselho de sentença, a discussão rola solta. Quase sempre se exige unanimidade, para condenar ou absolver. Eles discutem até chegar a um acordo. Se não chegam, o julgamento é anulado e, se for possível, convoca-se outro. Mas geralmente uma parte convence a outra. Por isso mesmo, o júri norte-americano dá excelentes filmes de suspense.

Mas é impossível rodar um filme sobre o júri brasileiro. Quando o juiz reúne os jurados, reina o silêncio. Qualquer debate levaria à anulação do processo. Os jurados recebem as cédulas "sim" ou "não", escolhem uma sem deixar os outros a verem, e colocam na urna. Não se quer a geração coletiva de uma decisão; apela-se à consciência íntima de cada um. É como se pedíssemos a cada jurado que um espírito viesse iluminá-lo. Disso se espera uma decisão justa - da falta de discussão. É como se tivéssemos medo do debate, receando que os mais hábeis manipulem os menos. Em outras palavras, chamamos a livre expressão, a discussão pública, a ágora grega de mera manipulação.

Num país de escassa formação para o debate, espanta que a política seja tomada pelo ódio, e que os dois lados do espectro partidário ajam como Bourbons? Cito a anedota de Stendhal: em 1815, quando as dinastias depostas retornaram ao trono da França e de outros países, elas voltaram "sem esquecer nada, sem aprender nada". Assim funciona nossa discussão política, ou melhor, sua ausência.

Entre os critérios que o "Economist" usa para medir a qualidade das democracias estão as instituições, a cultura política e a mobilização política. No relatório de 2012, nossas instituições receberam nota elevada, enquanto os dois outros quesitos pontuaram mal. Este ano subirá nossa nota em mobilização, graças ao povo que tomou as ruas cobrando maior qualidade do Estado. Mas a cultura política continua baixa. Em 2014 a Justiça Eleitoral coibirá abusos no horário gratuito, conterá parte do uso da máquina governamental e barrará os fichas-suja. Mais que isso, não pode fazer. O problema somos nós, cidadãos, eleitores, que não fazemos nossa parte.

O que propor? Algo que parece ingênuo, mas que é básico do ponto de vista ético. Homens e mulheres de boa vontade, empenhados em melhorar nosso quadro político, deveriam assegurar um debate de qualidade. Isto não é abrir mão de convicções políticas, mas é reconhecer que há gente decente dos dois grandes lados de nosso espectro partidário, e que a vitória esmagadora de uma parte não é possível - nem desejável. Isso exige evitar palavras grosseiras, como petralha e tucanalha, que desqualificam em bloco muitas pessoas boas que fazem trabalho bom. Isso significa, sobretudo, fazer uso bom - e não mau - da vantagem histórica que é ter, desde 1994, disputando os principais cargos do país, dois partidos acima da média, PSDB e PT - e, este ano ou em breve, a Rede. Comparem isso a qualquer momento de nossa história anterior. Não podemos desperdiçar as conquistas das últimas décadas. Desde 1985 estamos construindo uma democracia sustentável. Mas precisamos que ela não fique só nas instituições, que se enraíze nos corações.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

Fonte: Valor Econômico

Painel - Vera Magalhães

Ganhar o mundo
Nas primeiras propagandas de TV depois do desembarque do governo federal, que vão ao ar amanhã, o PSB aposta em "nacionalizar" a imagem de Eduardo Campos. As peças mostram ações de sua gestão em Pernambuco, sob o slogan de que é possível fazer "mais", "diferente" e "bem feito". Um dos spots enfoca o programa de intercâmbio estudantil "Ganhe o Mundo". O outro diz que Campos é o governador mais bem avaliado do país e recebeu dois prêmios da ONU no mesmo ano.

Subliminar Campos só discursa na peça sobre educação. Com a câmera fechada em seu rosto, diz, em tom enfático: "Respeito!". O vídeo, a cargo de Edinho Barbosa, da Link, fala sobre a construção de um ensino público de qualidade. Mas o subtexto é um claro recado para o PT.

Estratégia O PSB escalonou a propaganda para aumentar a exposição de Campos. Novos filmes de 30 segundos vão ao ar nos dias 3, 5 e 8. Serão dez inserções por dia. O programa partidário, de dez minutos, será exibido na quinta-feira, dia 10.

Fora de rota Integrante do TSE que recebeu Marina Silva na semana passada argumenta que a Rede deveria ter recorrido aos tribunais regionais para tentar validar assinaturas rejeitadas, e não diretamente à corte superior. A falha, avalia, dificulta a aprovação do registro do partido.

Sabotagem? A Rede divulgou um vídeo em que o ator Wagner Moura critica a burocracia dos cartórios e afirma que é "inegável" que o fato de Marina ocupar o segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto "deve incomodar muita gente".

Empréstimo Aécio Neves (PSDB) vai se empenhar pessoalmente esta semana em emplacar aliados em postos de comando do Solidariedade, para garantir o apoio da legenda a sua candidatura. O senador mineiro incentiva até a filiação de políticos do PSDB ao novo partido.

Cerco Luizianne Lins se reúne hoje em São Paulo com o presidente petista, Rui Falcão, para definir se continua na sigla. Certos da permanência, seus rivais no PT cearense se articulam para barrar as pretensões da ex-prefeita de Fortaleza de se lançar ao Senado ou ao governo estadual.

Pendência Antes de partir para lua de mel na Itália, Henrique Alves (PMDB-RN) vai tentar convencer o PT a colocar em votação o projeto da minirreforma eleitoral. Os petistas, no entanto, mantêm posição de obstruir as tentativas de apreciação do tema.

Calendário Os peemedebistas insistem na votação, mas líderes da base governista e da oposição julgam ser impossível a aprovação do texto esta semana --a tempo de valer nas eleições de 2014.

Pirotecnia A ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais) terá audiências com prefeitos da região Norte na quinta e na sexta-feira. Diante da chuva de pleitos municipais e da escassez de recursos federais, a iniciativa ganhou o apelido de "caravana da ilusão".

Vai... O governo paulista criou uma Subsecretaria do Trabalho Artesanal nas Comunidades para substituir a Sutaco, autarquia extinta no pacote de corte de custeio anunciado em junho por Geraldo Alckmin (PSDB).

... e volta A medida é acompanhada da criação de um conselho de artesanato e de um programa de certificação de peças artesanais.

De perto A Prefeitura de São Paulo planeja manter o parque Ibirapuera aberto durante a noite no fim do ano para a observação de sua árvore de Natal. Segundo o município, a medida pode ajudar a aliviar o trânsito na região.

Tiroteio

"O Bolsa Família não substitui as políticas de desenvolvimento regional. O Nordeste, hoje, é um canteiro de obras inacabadas."

DO DEPUTADO BRUNO ARAÚJO (PSDB-PE), sobre os números do IBGE que mostram o crescimento da desigualdade na região Nordeste entre 2011 e 2012.

Contraponto

Time de veteranos

Em evento da Defensoria Pública na quinta-feira, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) repetiu o costume de elogiar funcionários e compará-los a jogadores de futebol. Depois de citar atletas de São Paulo, Corinthians e Palmeiras, o tucano gaguejou ao tentar se lembrar de um representante do Santos, seu clube do coração.

--A Defensoria é um time que só tem craque: Rogério Ceni, Alexandre Pato, Valdívia... nosso ex... o Neymar... Quem é o bom agora do Santos?

Diante do silêncio, emendou:

--Sou da época de Pelé e Pepe. Bons tempos!

Fonte: Folha de S. Paulo

Política – Cláudio Humberto

• Explodem despesas com cartões corporativos
A conta dos cartões corporativos do governo federal ultrapassou R$ 32 milhões em setembro, mês marcado pela decisão da presidenta Dilma Rousseff de hospedar-se com sua comitiva, em Nova York, esta semana, no luxuosíssimo hotel St. Regis, onde somente sua diária custou R$ 25 mil. Desde agosto foram R$ 6 milhões torrados com cartões. A Presidência é quem mais gastou: R$ 3,6 milhões.

• Conta secreta
Sob a surrada alegação de “segurança do Estado”, o Palácio do Planalto se recusa a detalhar as despesas com cartões corporativos.

• Prioridades
Enquanto Dilma ocupava no hotel St. Regis, líderes do seu governo negociavam reduzir reajuste salarial dos professores, em todo o Brasil.

• Nossos espiões
Gastos com cartões corporativos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) somam R$ 5,8 milhões em 2013. Tudo secreto, claro.

• Os espiões deles
Estimam-se que os gastos dos Estados Unidos com espionagem e inteligência ultrapassam os R$ 130 bilhões por ano.

• Infraero promove retorno dos ‘jabutis no galho’
Ato do diretor de administração da estatal Infraero, José Clovis Dattoli, e do diretor jurídico, Francisco José de Siqueira, obtido pela coluna, traz de volta os conhecidos “jabutis no galho”. O ato altera o estatuto da empresa a fim de permitir o retorno dos extintos cargos comissionados: uma porta aberta aos apadrinhados, que chegarão sem ter obrigação de bater ponto, cumprir horário e ganharão mais que os concursados.

• Foi inútil
Ao extinguir os cargos, em 2009, o ex-ministro Nelson Jobim (Defesa) chamou os indicados políticos da Infraero de “jabutis no galho”.

• ‘Bocão’ toma conta
A mudança no estatuto da Infraero coincide com a indicação de André Marques Barros, “André Bocão”, para cuidar da propaganda da estatal.

• …do galinheiro
“Bocão” foi indicado pelo PMDB, como os 98 que o partido indicou para a Infraero, sem concurso, e demitidos apos uma rebelião do partido.

Comendo poeira
Com a produção de soja empacada nos portos, produtores de Mato Grosso do Sul querem usar o porto chileno de Iquique – mais de mil quilômetros atravessando os Andes – para escoar a enorme produção.

• Casa dos horrores
Para o ex-prefeito Cesar Maia, que não morou lá, a desgraça do governador Sérgio Cabral está na lenda da “maldição” do palácio Guanabara, onde um escravo torturado antes de morrer lançou.

• Em baixa
O senador Ranfolfe Rodrigues (AP) se indispôs com ala mais radical do PSOL, após se reunir com a presidente Dilma, e queimou a chance de disputar Presidência em 2014. O nome mais forte é Chico Alencar (RJ).

• Estica e puxa
Os servidores do Tribunal Regional Federal da 2ª Região serão poupados de dores nas costas e nas juntas: terão aulas de pilates garantidas em contrato de R$ 4,7 milhões até setembro de 2014.

• Herdeira
Joaquim Roriz declara ser candidato ao governo do DF, em 2014, mas seu projeto real é catapultar a carreira política da filha, deputada Liliane (PRTB), que pode ser candidata a vice-governadora do DF.

• Malhação
O Tribunal de Contas do DF suspendeu concorrência de R$ 20 milhões em equipamentos para mil academias de ginástica em Brasília. Com amenidades e penduricalhos, cada academia custaria R$ 20 mil.

• Bandeira branca
A Executiva do PMDB designou comissão para tentar conciliar o ex-governador do Tocantins Marcelo Miranda e o deputado Júnior Coimbra, que deixará o comando do partido no Estado no dia 11.

• Cruz ou espada
Favorável a empresários que querem regulamentar a terceirização, o relator Arthur Maia (PMDB-BA) se filiará ao Solidariedade, comandado pelo presidente da Força Sindical, Paulo Pereira, contrário ao projeto.

• Pensando bem…
…já que não tem autossuficiência em petróleo, o Brasil bate recordes na produção de óleo de peroba.

Fonte: Jornal do Commercio (PE)

O que pensa a mídia - editoriais de alguns dos principais jornais

http://www2.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais

Yo pisaré las calles nuevamente - Pablo Milanes

Saudade – Pablo Neruda (12/7/1904-23/9/1973)

Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não foi embora,
mas o amado já...

Saudade é amar um passado que ainda não passou,
é recusar um presente que nos machuca,
é não ver o futuro que nos convida...

Saudade é sentir que existe o que não existe mais...

Saudade é o inferno dos que perderam,
é a dor dos que ficaram para trás,
é o gosto de morte na boca dos que continuam...

Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:
aquela que nunca amou.

E esse é o maior dos sofrimentos:
não ter por quem sentir saudades,
passar pela vida e não viver.

O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido.

domingo, 29 de setembro de 2013

OPINIÃO DO DIA – Aécio Neves: ciclo encerrado

"O dado que me parece relevante é de que 60 a 65% da população brasileira não quer votar na atual presidente da República, mesmo ela tendo uma exposição diária, na mídia, quase com uma lavagem cerebral. Nós temos uma candidata à presidente fulltime, marketing. O que eu percebo é um sentimento que divido com vários companheiros: o candidato que chegar no segundo turno será vitorioso, o ciclo do PT será encerrado."

Aécio Neves, senador (MG) e presidente nacional do PSDB. In Para opositores, exposição baixa limita desempenho. O Estado de S. Paulo, 28/9/2013

25 anos da Constituição: Conquistas e frustrações

Carta promulgada em 1988 previa fonte de recursos que hoje injetaria na Saúde R$ 137 bilhões, o dobro do Orçamento atual

Às vésperas de completar 25 anos, no próximo dia 5, a "Constituição Cidadã” como a definiu Ulysses Guimarães, foi fundamental para consolidar a democracia no país e deixa frutos como o Sistema Único de Saúde (SUS). O atendimento público e gratuito evoluiu muito, mas ainda sofre problemas de financiamento. Caso fosse mantido o investimento previsto pelos constituintes, a Saúde receberia R$ 137 bilhões, o dobro do Orçamento atual. Esse é um dos temas da série sobre a Carta Magna que O GLOBO inicia hoje.

Constituição 25 anos

A Constituição de 1988 completa 25 anos no dia 5 de outubro. Um ano e sete meses antes, foi convocada a Assembleia Nacional Constituinte, em meio ao processo de transição democrática do país após 21 anos sob o regime militar. A Constituinte foi palco de intensos debates, conflitos, impasses e negociações entre várias forças políticas brasileiras. O Especial Constituição 25 anos vai relembrar e refletir esse importante período da história do Brasil

O desafio de financiar saúde gratuita

Sistema universal: Um dos principais legados da Carta, SUS avança em atendimento básico e complexo, mas investimento é metade do previsto

Aos 6 anos, Yago ganhou um ouvido biônico. Pouco depois de nascer, Ana Sofia operou o coração. Tudo de graça. A universalidade no atendimento, seja de baixa, média ou alta complexidade, e sem exigir contrapartidas ou condições - a única das políticas sociais no país com essa característica universal -, foi o bem maior trazido pela Constituição Cidadã para a saúde dos brasileiros, com a instituição do Sistema Único de Saúde (SUS), há 25 anos. Nessas duas décadas e meia, o sistema avançou, universalizando, por exemplo, o combate à Aids e a entrega gratuita de medicamentos. Mas o SUS ainda sofre com o problema do financiamento: a Constituição, ao garantir serviços gratuitos e para todos, previu que 30% dos recursos da Seguridade Social iriam para a Saúde - o que, porém, não foi cumprido, e para ser aplicado hoje o governo teria de dobrar o orçamento do Ministério da Saúde.

Esse subfinanciamento, apontado por pesquisadores como grande desafio da Saúde, além da melhora da gestão, tenta ser solucionado por proposta de destinação de 10% da receita corrente bruta da União para a área, em debate no Congresso. Mesmo isso não acabaria com o subfinanciamento: esses 10% equivaleriam a R$ 40 bilhões - quando, para se cumprir os 30%, seriam necessários R$ 70 bilhões, diz José Noronha, diretor do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde e pesquisador da Fiocruz:

- Hoje cerca de 15% do orçamento da Seguridade são da Saúde. Se fossem aplicar os 30% previstos, teriam de dobrar o orçamento do ministério. O liquidado em 2011 para o orçamento do ministério foi de R$ 68,5 bilhões; iria para R$ 137 bilhões.

Trinta por cento foi uma estimativa baseada no que a Previdência gastava na época com Saúde mais os gastos do Ministério da Saúde. Pela Constituição, seria o previsto até que se aprovasse a lei de diretrizes orçamentárias.

- Esse trecho então caducou. Tentaram aprovar emenda fixando os 30%, e ela sequer foi apreciada pelo Congresso; foi substituída pela Emenda 29, aprovada depois - completa Noronha; a Emenda 29 acabaria fixando que o piso de investimento da União em Saúde seria baseado na variação do PIB nominal. - Mas, mesmo se fossem aplicados os 30%, iríamos de US$ 1 mil para US$ 1,2 mil per capita por ano gasto em saúde, quando esse valor é de US$ 3,4 mil no Reino Unido, por exemplo. Além disso, o percentual de gasto público desse total per capita é cerca de 40%; em outros países, é 80%.

Mesmo subfinanciado, o SUS continua sendo a única política universal na área de Seguridade.

- Foi criado o capítulo da ordem social, com o orçamento próprio da Seguridade e essas três áreas: Saúde, Previdência e Assistência Social - diz a professora da Ebape/FGV Sonia Fleury, que na Constituinte assessorou a elaboração desse capítulo. - Mas esses três poderiam ter gestão mais integrada, a base de dados dos programas de renda poderia melhorar a distribuição de remédios, por exemplo.

Professora do Instituto de Saúde Coletiva da UFRJ, Ligia Bahia destaca que o tratamento contra Aids teve sucesso no país graças ao SUS:

- Podíamos ter tido epidemia africana. Com o SUS foi possível saber quem tomava o remédio, o que mudar, quebrar patentes. Hemodiálise e medicamentos excepcionais também foram universalizados. E, antes do SUS, sangue era vendido, muitos pegavam hepatite - diz Ligia, que crê ser possível universalizar o tratamento de alguns cânceres.

Eu não tinha esperança que ele voltasse a ouvir. Mas eu acreditei e busquei"

Foi pelo SUS que Yago Bueno Lomba colocou um ouvido biônico, após ter ficado surdo por causa de meningite aos 5 anos. A cirurgia, em 2010, foi a primeira do tipo no Rio, no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da UFRJ.

- Ele já não falava direito, enrolava a voz - conta o padrasto, Sérgio Rodrigues, de Belford Roxo. - Hoje escuta, fala, joga videogame. Se não fosse no SUS, a gente não teria o implante, custa R$ 70 mil.

- Fizemos 72 implantes até agora. É um feixe de eletrodos que ligamos à cóclea (estrutura do ouvido interno) - diz Shiro Tomita, coordenador de Implante Coclear do hospital.

Ao nascer, Ana Sofia, hoje de 1 ano e meio, foi diagnosticada com estenose. Tinha de desobstruir a veia que oxigena sangue do pulmão ao coração.
- Estava pronto para vender a casa e pagar a cirurgia da minha filha - conta Francisco Uelison da Silva, professor na cidade de Cajazeiras (PB).

Francisco soube, porém, que o governo da Paraíba começava a implantar o projeto Círculo do Coração, que cuida das patologias congênitas cardíacas, e foi por ele que a menina fez a cirurgia. O projeto já operou 172 crianças, algumas na incubadora.

Problemas no atendimento de especialidades

A atenção de nível secundário no SUS - ou seja, consultas e exames de especialidades - é uma das principais áreas afetadas por falta de recursos, avalia Luis Eugênio de Souza, presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

- A ampliação da atenção básica demanda ampliar também a especializada, mais cara. Senão, o médico pede exames que o paciente não faz depois - diz o presidente da Abrasco, que em outubro realiza congresso sobre gestão em saúde.

- As centrais de regulação também são importantes para organizar a atenção secundária - ressalta o médico sanitarista Sérgio Piola, consultor do Ipea. - Você tem de saber o tamanho da sua demanda, mesmo que ainda não consiga atendê-la.

Carmem Lúcia Marinho, de 43 anos, espera desde 2011 consulta com um neurologista. Com fortes dores de cabeça, procurou há dois anos o Pronto-Socorro Central Dr. Armando Sá Couto, unidade municipal em São Gonçalo. O clínico pediu uma tomografia. Ela descobriu um tumor na cabeça, "que é benigno, mas cresceu".

No Centro do Rio, no Hospital Federal dos Servidores do Estado, Aristeu Matos, de 72 anos, também espera. Com câncer de próstata diagnosticado há oito meses, estava na madrugada de quinta-feira passada pela terceira vez na fila do hospital:

- O médico faltou nas outras vezes - conta o filho dele, Reginaldo, que teve de sair às 3h de casa, em Seropédica. - Agora, o médico disse que talvez tenha vaga só para daqui a dois meses.

Mesmo com todos os problemas, Sérgio Piola sublinha a importância de um sistema que "vai da vacina ao câncer":

- A atenção primária avançou nesses 25 anos. Em 1996, 32% da gestantes em áreas rurais nunca tinham feito pré-natal; esse número em 2006 já tinha ido para menos de 3,6%. A cobertura do Programa Saúde da Família hoje é de 54%. O Samu, que começou em 2003, hoje está em cerca de 2,5 mil cidades - diz Piola.

Os transplantes também avançaram. Chefe da Nefrologia do Hospital Pedro Ernesto, no Rio, José Suassuna lembra que essa universalização foi possível graças ao SUS. Semana passada, ele, o chefe da Urologia, Ronaldo Damião, e o médico Danillo Souza realizaram um raro transplante duplo de rim em um jovem de 17 anos:

- Desse tipo, foi o 1º do hospital, que faz transplante desde 1975 - diz Suassuna. - Mesmo após transplante feito por plano privado, o tratamento é pelo SUS.

O uso do SUS por planos faz com que devam ressarcimento ao sistema. O que poderia aumentar a verba para o setor: segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar, em 2012 foram para dívida ativa R$ 110,26 milhões de débitos de planos. Outra tentativa de aumentar a verba foi a CPMF, extinta em 2008 e cuja arrecadação, porém, acabou não indo para a área.

Fonte: O Globo