segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Constituição 25 anos: Carta cidadã é realidade distante para minorias

Apesar dos avanços garantidos pelos direitos individuais, Constituição ainda não é aplicada de forma igualitária para todos os brasileiros

Por Carolina Benevides e Karine Rodrigues

Deputado constituinte, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal e ex-ministro da Justiça Nelson Jobim recorda-se do clima de batalha política na Constituinte e diz que, naquele ambiente, foi necessário fazer correções de última hora. Após a aprovação do texto final, constatou-se que era preciso distinguir serviços de Comunicação e de Comunicação Social — para separar setores como o de telefonia, que deveriam ser taxados com ICMS, dos meios de comunicação como rádio e televisão. A mudança precisou do aval de todos os líderes partidários.

Esse é o segundo trecho que sofreu ajustes revelado por Jobim. Ele já contara ao GLOBO, há dez anos, que a expressão “independentes e harmônicos entre si”, para tratar da relação entre o Executivo, Legislativo e Judiciário foi feita após a primeira votação, quando os constituintes se deram conta de que a Carta refletia ainda o sistema parlamentarista — e, no final, o sistema presidencialista havia sido aprovado:

— Houve um acordo de lideranças e começamos a votar, na Comissão de Redação, emendas acordadas com todos. Como se fosse um terceiro turno, três votações com maioria absoluta. Houve uma alteração, pequena, depois da Comissão de Redação final. Era o problema da Comunicação Social. Porque o texto sobre ICMS tinha estabelecido imposto sobre Comunicações, mas estávamos falando, naquele momento, de telefonia. Mas a palavra Comunicação também foi usada para rádio e televisão. Então, no final, se acrescentou a palavra Social, para separar a Comunicação Social da Comunicação. Era um ajustamento. Um tributarista advertiu que a palavra Comunicação pegava telefonia, mas também televisão e jornal — diz.

"Falta muito para atingir o ideal"

Foi também a Constituição de 1988 que transformou o racismo em crime inafiançável:

— A lei veio para botar freio. Se formos medi-la pela sanção, podemos deturpar a realidade achando que muitas pessoas não são presas. Mas será que o racismo continua sendo praticado do mesmo jeito que era antes da Constituição? Estamos longe do ideal, mas houve avanço.

Universitária, Abigail Ekanola, de 19 anos, nasceu quando o racismo já era considerado crime inafiançável, mas conta ter crescido sendo chamada de “macaca” e “cabelo duro”. Única negra de sua turma de Direito, lembra que uma professora criticou as cotas raciais na sala de aula, pois permitiriam que “estudantes sem capacidade entrem na universidade e se tornem péssimos profissionais”:

— A Constituição é linda, mas falta muita coisa para atingir o ideal. Acho que ficaram mais quietos por causa da lei, mas creio que diminuiria muito o racismo se as pessoas passassem a nos enxergar como capazes.

Mudanças aconteceram também dentro de casa. Desde 1988, casais heterossexuais podem assinar contrato de união estável. Foi o que fizeram o arquiteto Odilon Terzella e a empresária Sandra Vergara, juntos há mais de 25 anos.

— A burocracia para casar nos desanimava. Começamos a pensar que união estável era mais prático e queríamos uma prova de que construímos uma vida juntos — conta Sandra.

O STF reconheceu o mesmo direito aos homossexuais, mas sem haver emenda constitucional. Ainda que a lei esteja na Constituição, isso não garante que a conduta será respeitada e a norma, aplicada. Um exemplo é o levantamento do CNJ sobre superlotação e insalubridade nos presídios. Mensalmente, o setor de fiscalização do sistema carcerário e de execução de medidas socioeducativas do CNJ recebe, em média, 245 reclamações e denúncias, até de tortura.

— Ainda há claro descumprimento de direitos dos presos. Prevalece uma mentalidade associada ao olho por olho, dente por dente. A gente precisa avançar; diante de condições desumanas em que essas pessoas vivem, elas saem das prisões pior do que entram e voltam a cometer crimes — avalia o conselheiro do CNJ Guilherme Calmon.

Fonte: O Globo

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