domingo, 2 de junho de 2019

*Fernando Henrique Cardoso: Preencher o vazio político

- O Estado de S.Paulo / O Globo

Um partido pode mudar de nome, mas de pouco adianta se não atualizar propósitos e práticas

No mês passado o PSDB, em congresso nacional, elegeu nova direção, que terá tarefa pesada: atualizar as diretrizes e, principalmente, as práticas do partido. Isso no momento em que o Brasil passa por uma tempestade e requer renovação. Com efeito, na recente eleição presidencial a marreta cega da História destruiu o que já estava nos escombros: o sistema político e partidário criado a partir da Constituição de 1988, que com o tempo se foi deformando. O País percebeu que as bases de sustentação do sistema partidário e eleitoral estavam em decomposição. Organizações empresariais, partidos e segmentos da sociedade civil chafurdavam na teia escusa da corrupção para sustentar o poder e obter vantagens.

Pode ter havido injustiças e exagero da parte de delatores e mesmo de “salvadores da pátria”. Mas o certo é que as más práticas atingiram o cerne do sistema de poder e levaram o povo à descrença. O governo atual nasceu desse sentimento e da insegurança pela presença crescente do crime organizado e da falta de bem-estar, agravada pela crise econômica. A campanha foi plena de negatividade: não à corrupção, não ao crime, não ao “sistema”. Mas rala na positividade sobre o que fazer para construir um sistema político melhor.

Reconhecer esta realidade implica fazer o mea-culpa da parte que cabe aos políticos do “velho sistema”. Mais do que isso, reconstruir a crença em mecanismos capazes de reforçar a democracia e levar o País a um crescimento econômico que propicie bem-estar à maioria da população. Será possível?

*Bolívar Lamounier: Política infantil, povo infantilizado

- O Estado de S.Paulo

A desigualdade social e o desmazelo geral estão nos tornando um país estúpido, violento e cruel

Duvido que algum país tenha um número de irresponsáveis por metro quadrado comparável ao nosso. Baseando o cálculo só no circuito institucional sediado em Brasília, excluindo o resto do País, nossa vantagem sobre o resto do mundo nesse quesito deve ser acachapante.

Para bem aquilatarmos a extensão da coisa, tanto faz começarmos pelo lado grotesco – lagostas, vinhos de qualidade, auxílio-paletó, auxílio-moradia – ou pelo lado teratológico, quero dizer, pelo contingente de 26 milhões de pessoas sem trabalho, por nosso sistema educacional, horroroso nos três níveis, pela corrupção de proporções amazônicas, pela taxa de homicídios subindo de patamar e agora, para nosso infinito espanto, pelo rompimento de barragens causando danos irreparáveis a algumas de nossas mais importantes bacias hídricas. Culpa de Deus? Não, culpa da ignorância técnica, da falta de fiscalização e do desprezo pela natureza e pela vida das coletividades que vivem nas proximidades. A verdade é uma só: a desigualdade social e o desmazelo generalizado estão nos tornando um país estúpido, violento e cruel.

Se nossa renda por habitante crescer 1,5% este ano (o que não é trivial) e essa taxa se mantiver por um longo período, levaremos 47 anos para dobrá-la e alcançar o nível que Portugal já hoje desfruta. Repito: 47 anos. Essa projeção macabra deveria ser suficiente para mudar as atitudes e padrões éticos dos donos do poder. Deveria ser uma espada de Dâmocles obrigando os três Poderes a se levarem mais a sério e a tratar com respeito os 207 milhões de habitantes deste país “abençoado por natureza”. O que vemos acontecer diuturnamente em Brasília dista anos-luz desse mandamento elementar.

Só consigo compreender a lerdeza (pirraça, fisiologismo, falta de vergonha...) com que a reforma da Previdência é tratada por grande parcela do Congresso a partir da ignorância de muitos a respeito do futuro que nos aguarda. A referida parcela simplesmente não compreende que essa reforma é apenas o primeiro passo numa dura série de mudanças que teremos que fazer, de um jeito ou de outro. De reformas muito mais drásticas do que essa que temos sobre a mesa poderá depender, quem sabe, até nossa sobrevivência como entidade nacional integrada.

Vera Magalhães: Reforma na faca

- O Estado de S. Paulo

A começar da primeira-dama, cada um quer tirar um pedaço da proposta

Quando foi questionado pelo apresentador Danilo Gentili a respeito da viabilidade da economia pretendida por Paulo Guedes com a reforma da Previdência, de R$ 1 trilhão em dez anos, Jair Bolsonaro respondeu antes com uma pausa, acompanhada de uma risada irônica. O que quer que dissesse depois, estava dada a resposta.

A proposta de emenda da reforma entrou na reta final de tramitação na comissão especial da Câmara que analisa seu mérito. Depois de virar tema de última hora da manifestação pró-governo do último domingo, a ideia é que seja acelerada para chegar ao plenário ainda neste semestre.

A hora, portanto, é de todo mundo querer arrancar um pedaço do texto, de modo a aliviar o sacrifício para esta ou aquela parcela da população.

A começar pela família presidencial. Com orgulho incontido, Bolsonaro disse nesta sexta-feira que a primeira-dama, Michelle, pediu, e ele levou adiante, que os deficientes leves e moderados sejam tirados da nova regra de pensão por morte, mais restritiva, proposta na reforma.

O impacto fiscal da retirada não é relevante. Mas é simbólico que o presidente dê aval, antes de qualquer avaliação técnica, a um pedido doméstico e o enderece diretamente ao Ministério da Economia, quando a reforma já está nas mãos do Parlamento para ser emendada.
Foram apresentadas mais de 270 emendas ao texto original do governo, aquele cujo impacto foi previsto inicialmente em R$ 1 trilhão, e depois revisto para R$ 1,2 trilhão.

Eliane Cantanhêde: Muita fala, pouco rumo

- O Estado de S. Paulo

Bolsonaro é candidato a ser o presidente mais falante da história

Por óbvio, o Parlamento parla e o Executivo executa. O presidente Jair Bolsonaro subverte essa lógica, ao executar pouco e estar se candidatando a ser o presidente mais falante da história da República, mas a principal questão nem é essa, é se Bolsonaro realmente tem um plano de governo para executar no País.

Até agora, lá se vão cinco meses de governo, o presidente aproveitou a oportunidade de ter os microfones e a caneta de presidente – muito mais poderosa do que a de Rodrigo Maia, como bem lembrou – para transformar em políticas de Estado as velhas crenças e convicções com as quais cresceu, educou seus filhos, bate papo com os amigos e vê o mundo.

Pode ser que haja pesquisas no Planalto, pode ser que não, mas o fato é que Bolsonaro exercita o prazer de sair por aí pensando alto, falando o que bem entende e repetindo a sua tão bem sucedida campanha presidencial, em que era o centro das atrações e dos aplausos e nunca apresentou um plano de governo real. Um homem comum que veio por desígnios de Deus para mudar o País.

É assim que Bolsonaro estimula manifestações a favor de seu governo e contra o Legislativo e o Judiciário, propõe dois dias depois um pacto aos presidentes dos dois outros Poderes e termina a semana acusando o Supremo de “legislar” na questão da homofobia. Ainda aproveita o ensejo – uma convenção religiosa em Goiânia – para defender (ou anunciar?) um ministro evangélico para a Corte.

Se há praticantes católicos, espíritas, muçulmanos, judeus ou umbandistas no Supremo, não se sabe ou não é importante saber, até porque o Estado é laico e o critério religião não cabe na nomeação de ministros, que devem ter alto saber jurídico, independência e respeitabilidade. Se as pessoas acham que um ou outro não tem, é outra história.

O presidente do STF, Dias Toffoli, muito hábil, é desses que está bem com todo mundo e tem boa química com Bolsonaro, a ponto de ser convidado para um café do presidente com a bancada feminina aliada. Um peixe fora d’água. Mas Alexandre de Moraes, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello reagiram à altura à fala sobre homofobia e “ministro evangélico”.

José Roberto Mendonça de Barros: O crescimento sumiu

- O Estado de S. Paulo

O STF continua firme como a maior fonte de incerteza jurídica no Brasil

Completamos cinco meses de governo com três resultados relevantes.
O crescimento do ano está perdido. Embora não tenha sido uma surpresa, pois os dados já vinham muito fracos, a evolução negativa do primeiro trimestre foi muito feia: queda de 0,2% em relação ao último período do ano passado. Quando comparado a 2018, o crescimento foi de um magro 0,5%.

Pior foi o desempenho do investimento, em franca contração, como já atestavam os números dos setores de cimento e máquinas. Com esses resultados, todas as projeções falam em números inferiores a 1% para o ano.

Culpar o governo anterior será uma solução simples e errada.

O pior dessa situação foi a perda do momentum: como se sabe, a eleição resultou num enorme crescimento das expectativas positivas dos agentes econômicos, como indicam os índices para os consumidores e de todos os setores de atividade. Esses movimentos são muito raros de ocorrer, como mostra a convergência da imensa maioria das pessoas na aceitação da agenda de reformas, visando à melhora da situação fiscal como precondição para a retomada do crescimento. Muita gente estava disposta a aumentar seus gastos.

Entretanto, isso foi jogado fora a partir do início do governo. Improviso e trapalhadas políticas, insistência do presidente na pauta de costumes e total ausência de vontade de qualquer ação política com o Congresso começaram por envenenar o ambiente. A falta de experiência do grupo governante vem tardando o detalhamento das propostas de governo.

A rigor, só um projeto foi apresentado, o da reforma da Previdência, que, na verdade, não é apoiado de fato pelo chefe de governo. Mesmo a reforma tributária acabou sendo colocada em pauta por ação do Congresso e até agora é desconhecida a proposta do Ministério da Economia. Pouca coisa ocorreu na área de privatizações, nos movimentos para elevar a abertura da economia e na agenda de melhora do ambiente de negócios.

Tardiamente, a equipe está começando a perceber que não haverá uma revolução liberal no Brasil.

Celso Ming: Não dá para exigir apenas emprego com carteira

- O Estado de S.Paulo

O mercado de trabalho continua ruim, como os novos números da Pnad Contínua mostraram na última sexta-feira. A desocupação avançou de 12,0% da força de trabalho no trimestre móvel novembro-janeiro para 12,5% no período fevereiro-abril. Há mais 552 mil pessoas desocupadas e o desalento aumentou 4,3%, para 4,9 milhões de pessoas.

Os técnicos ainda festejam o aumento da contratação de 480 mil pessoas (equivalente a 1,5% em relação a fevereiro-abril de 2018) com carteira de trabalho assinada, como se essa fosse a condição para melhora do mercado de trabalho.

O emprego formal é o que todos gostariam de ter. Mas especialistas têm lembrado que ficou cada vez mais difícil defendê-lo como condição necessária diante da revolução que atinge todo o mercado de trabalho.

No Ocidente, a expectativa do pleno-emprego com todos os direitos garantidos formou-se depois da 2ª Guerra, quando o mundo passou por forte crescimento econômico e a população global era predominantemente jovem. Com essa mesma base, foi montada a máquina estatal de direitos e benefícios ao trabalhador, organizada em torno do emprego formal.

Previdência Social, seguro-desemprego, seguro-saúde, renda adicional e similares foram estruturas montadas em cima da contribuição do empregador e do trabalhador assim empregado.

Mas as condições mudaram. A população envelheceu e sobrecarregou os sistemas previdenciários. Todo o arsenal de benefícios sociais (welfare-state) ficou caro demais, contratação de pessoal começou a ficar insuportável quando as empresas passaram a ter de concorrer com companhias instaladas na Ásia. O grande avanço da robotização, da tecnologia da informação, da disseminação do uso da internet, dos aplicativos e de tanta novidade mais vai dispensando pessoal. A indústria desemprega gente todos os dias, e grande número de empresas preferiu migrar para países onde o custo da mão de obra fosse bem mais baixo. 

Merval Pereira: O fantasma da facada

- O Globo

Bolsonaro e o filho Carlos podem estar sofrendo de Transtorno de Estresse Pós-Traumático

Muitos estão convencidos de que a facada de Adélio Bispo foi a verdadeira razão da vitória de Jair Bolsonaro na eleição presidencial de 2018. Além do impacto emocional no eleitorado, permitiu que ele não se expusesse nos debates.

É uma maneira de menosprezar a liderança intuitiva de um político populista que estava no lugar certo, na hora certa, para galvanizar o sentimento majoritário dos brasileiros. Mas a facada pode, sim, ter tido um papel fundamental do ponto de vista psicológico, nas futuras atuações do presidente eleito.

Na entrevista à revista “Veja” desta semana, Bolsonaro chorou ao relembrar a facada, e está convencido de que por trás de Adélio havia uma grande conspiração.

O presidente contou também que chora durante a noite, angustiado pela situação do país. Nesta mesma semana, havia comparecido ao programa de Danilo Gentili e abriu a camisa para mostrar a enorme cicatriz decorrente do atentado que sofreu.

O fantasma do drama vivido naqueles dias não abandona o presidente nem seus filhos. Carlos, o filho 02, o mais ligado ao pai depois de terem ficado anos sem se falar, é também o mais emotivo. Seu depoimento a Leda Nagle sobre o atentado e os dias subsequentes são reveladores do sentimento que domina a família até hoje.

Lutando para não chorar, ele descreveu o pavor que viveu ao lado do pai. Primeiro, no momento da facada, levando-o para o hospital tentando que não desfalecesse. Depois, conta que viu o coração do pai parar e ser ressuscitado duas vezes. Viu suas vísceras serem retiradas do corpo. E desabafa: “Ainda tem fdp que diz que a facada foi fake”.

Míriam Leitão: O presidente em seu labirinto

- O Globo

Bolsonaro acha que fez tudo certo, mas na verdade perdeu tempo com questões sem relevância e interpretações duvidosas da realidade

Está tudo dando errado, mas ele acha que fez tudo certo, apenas não está sendo entendido. A economia encolheu no primeiro trimestre, a máquina pública está parada em várias áreas estratégicas, como a educação, a relação do governo com o Congresso é tumultuada e a popularidade presidencial caiu nos primeiros meses de mandato. Apesar disso, Jair Bolsonaro diz que é o único presidente que conseguiu “nomear um gabinete técnico, respeitar o parlamento e cumprir o compromisso constitucional de independência dos poderes”. Mostra desconexão com fatos passados e presentes.

Durante toda a entrevista do presidente Bolsonaro à “Veja” ele faz afirmações espantosas. Diz que antes votava contra a reforma da Previdência porque na Câmara “você tem informação de orelhada”. Pergunta o que é “governabilidade”, como se fosse algo a ser menosprezado. Sobrevoa com explicações rasas o escândalo que ronda seu filho Flávio e seu velho amigo Fabricio Queiroz. O único erro que admite ter cometido foi a nomeação do ex-ministro Vélez Rodriguez, escolhido por Olavo de Carvalho. Uma escolha bem técnica como se vê. Quando deu errado é que ele se lembrou de perguntar onde Olavo o conhecera. “De publicações”, respondeu seu guru. E o presidente então reagiu: “Pô Olavo você namorou pela internet?” E assim vai Bolsonaro exibindo seu estreito entendimento dos fatos. Ele diz que é “claro” que há sabotagem contra seu governo. Disso, sinceramente, ele não precisa.

Na economia o que se discute é como evitar a recessão. O país parece a um evento de voltar a ela. Como o primeiro trimestre ficou negativo e foi atingido pelo encolhimento da produção da Vale, o consenso é o de que o país terá um número ligeiramente positivo no segundo trimestre, escapando assim da definição técnica de recessão. Não porque vai crescer, mas porque será favorecido pela estatística. Quando se comparar o segundo trimestre deste ano com o mesmo período do ano passado, o resultado será favorável por causa da greve dos caminhoneiros que derrubou a economia naquele período de 2018. 

Ascânio Seleme: Ninguém tem culpa, nem memória

- O Globo

Se fossem levadas a sério as declarações dos políticos brasileiros, jamais encontraríamos uma pessoa sequer para responsabilizar pelas mazelas nacionais. O país tem 13 milhões de desempregados, mas a culpa não é do PT de Lula e Dilma, não é do MDB de Michel Temer, nem da turma nova que chegou agora com Bolsonaro. A economia não anda, ou anda para trás, mas não há culpados. Os dedos desses apontam para todos os outros. Os dedos dos outros indicam todos estes. E o país soçobra. 

Sobre o desemprego, o ministro da Economia, Paulo Guedes, manda colocar na conta do PT. “Isso é coisa do passado. Vai cobrar do Lula e da Dilma”, Guedes gosta de repetir. É verdade também que nestes cinco meses de governo não se conseguiu registrar nenhum sinal alentador na economia que pudesse estimular investimentos e gerar novos empregos. Ao contrário. Do outro lado, o PT acusa o governo Bolsonaro por bater recorde de desemprego. Esqueceu que a estagnação econômica teve início no governo Dilma, chegou a melhorar sob Temer, mas voltou a degringolar. E, como se vê, ninguém tem culpa.

Ao novo governo cabe explicar por que, mesmo com o clima superfavorável pós-eleição, a economia estancou no primeiro trimestre, registrando PIB negativo. A explicação é a do dedo apontado. Para o PT. Mas, como não se conseguiu a confiança da população, e muito menos do mercado neste início de governo repleto de problemas, começam a ser discutidas soluções que o ministro Guedes diz não serem mágicas, mas são claramente emergenciais. Ele falou, por exemplo, em liberar o Fundo de Garantia para colocar R$ 20 bilhões na economia. Trata-se de medida de quem olha para frente e vê tempestade. Parece desespero. Pode não ser, mas parece.

Bernardo Mello Franco: A tesoura e o guarda-chuva

- O Globo

Enquanto o ministro brinca de Gene Kelly, o diretor do Museu Nacional corre atrás de doações. Sem socorro financeiro, a busca pelo que restou do incêndio vai parar

Nove meses depois do incêndio, o que sobrou do Museu Nacional voltou a conviver com más notícias. O governo cortou R$ 11,9 milhões que seriam destinados às obras de reconstrução. A tesourada equivale a 21% de uma emenda ao Orçamento apresentada por deputados federais do Rio.

Na quinta-feira, o ministro da Educação gravou um vídeo sobre o assunto. Rodopiando um guarda-chuva, Abraham Weintraub disse ser vítima de “fake news”, reclamou de críticos “de mal com a vida” e culpou os parlamentares pelo bloqueio. Faltou dizer que o corte foi exigido pelo governo e afetou todas as emendas da bancada fluminense.

Enquanto o olavete brincava de Gene Kelly, o diretor do museu corria atrás de doações. “Estamos numa situação de desespero. Não temos dinheiro nem para trocar uma lâmpada ou consertar uma cadeira”, conta o paleontólogo Alexander Kellner, um especialista em pterossauros que já ajudou a formar gerações de cientistas brasileiros.

Ele diz que o museu está com o caixa zerado e depende de um socorro emergencial de R$ 1 milhão. “Precisamos desesperadamente de ajuda. Se ela não chegar, teremos que suspender o resgate de peças que estão ainda sob os escombros. Seria uma tragédia dentro da tragédia”, alerta.

As demandas são modestas para o tamanho das perdas no incêndio. Os técnicos precisam de mais dez contêineres para abrigar vestígios do acervo, o que custaria R$ 350 mil. Os outros R$ 650 mil seriam usados no trabalho de resgate, que já localizou preciosidades como o crânio de Luzia, o fóssil humano mais antigo do país.

Dorrit Harazim: Perdidos na Terra

- O Globo

Em sua 29ª semana no poder, Bolsonaro ainda soa como se estivesse pisando em solo intergaláctico

Difícil conceber missão mais atordoante para a mente e o corpo do que a empreendida em julho de 1969 pelo americano Neil Armstrong — sair de uma nave espacial, a Apollo 11, e pisar na Lua. Na Lua, caramba! Essa experiência transcendental, tanto para o astronauta como para a humanidade, será fartamente dissecada nas homenagens previstas para o cinquentenário da epopeia. Mas vale lembrar que Armstrong, apesar de ser filho de pais devotos, nunca se considerou escolhido por Deus para realizar a monumental missão. Viveu longa e produtiva vida na Terra com o mesmo foco com que imortalizou suas pegadas no “ Mar da Tranquilidade” lunar.

Em sua 29ª semana no poder, Jair Bolsonaro ainda soa como se estivesse pisando em solo intergaláctico. Em longa entrevista concedida à revista “Veja”, o presidente se mostra atordoado com o caminho que acredita ter-lhe sido designado por Deus. “Imaginava que ia ser difícil, mas não tão difícil assim”, declarou aos jornalistas Mauricio Lima e Policarpo Júnior. “Essa cadeira aqui é como se fosse criptonita para o Super-Homem. Mas é uma missão. Entendo que Deus me deu o milagre de estar vivo”, disse, referindo-se ao atentado à faca que sofreu em setembro passado. “Nenhum analista político consegue explicar como eu cheguei aqui, mas cheguei e tenho de tocar esse barco...”

Na sexta-feira, poucas horas após a publicação da entrevista regada a lamentos e autoelogios superlativos, deu uma remada a mais no seu modo de tocar o barco. “Será que não está na hora de termos um ministro evangélico no STF?”, perguntou aos fiéis presentes à Convenção Nacional das Assembleias de Deus Madureira, numa estocada adicional contra a criminalização da homofobia sendo julgada no Supremo.

*Elio Gaspari: A fábula do investidor estrangeiro

- Folha de S. Paulo / O Globo

O governo, o "mercado" e os bumbos da orquestra garantem que, uma vez aprovadas as reformas do "Posto Ipiranga", a economia brasileira entrará num ciclo virtuoso. Tomara. Em tese, há bilhões de dólares esperando o sol nascer para jogar dinheiro no Brasil.

Imagine-se um investidor belga que já pôs milhões no Chile, reunido em Bruxelas para decidir um investimento.

Seu consultor informa:

— O novo presidente do Brasil quer abrir a economia, está afrouxando as leis do meio ambiente, fez uma faxina no marxismo cultural e combate os movimentos LGBT.
— E como são suas relações com os políticos?
— Ele diz que não negocia no varejo.
— Ele manda no Congresso?
— Ainda não, mas promete apertar os parafusos.
— Manda no Judiciário?
— Não, tudo depende das turmas do Supremo, mas o presidente do tribunal tem a sua simpatia.
— Manda na imprensa?
— Ele tem apoio nas redes sociais e em algumas redes de televisão.
— Tem apoio popular?
— Ele prometeu acabar com o ativismo, mas há manifestações de rua de estudantes contra o governo.
— Sua política econômica nos favorece?
— Ele tem um passado estatista, mas é um liberal converso. Nos primeiros três meses de governo a economia encolheu 0,2%.
— Como anda a economia do Chile?
— No último trimestre ela cresceu 1,6%. O presidente Sebastián Piñera é um conservador que sabe operar pelas regras do jogo.
— E a da Rússia?
— Cresceu 2,3% no ano passado.
— Então vamos continuar no Chile e botar esse investimento na Rússia. Lá o Vladimir Putin já fez o serviço que esse brasileiro promete.

Paes e o óbvio delirante
O ex-prefeito Eduardo Paes tem uma queda pelo uso da expressão "é óbvio".

Depois do terceiro desabamento da ciclovia Tim Maia ("certamente a mais bonita do mundo", nas suas palavras) ele disse o seguinte:

"É óbvio que, se eu pudesse, não faria de novo".

O doutor justificou-se lembrando que "o grande problema ali é o fato de a ciclovia estar em uma área que tem, de um lado, o mar, e do outro, a encosta do morro". Ao que se saiba o mar e o morro estão lá há milhões de anos.

Quando a ciclovia desabou pela primeira vez, em 2016, matando duas pessoas, Paes foi didático:

"É óbvio que se essa ciclovia tivesse sido feita de forma perfeita, não teríamos essa tragédia".

Paes governou o Rio de 2009 ao final de 2016 e dizia que todos os governantes "têm inveja de mim".

Felizmente o doutor começa a reconhecer o que não "faria de novo". Antes tarde do que nunca.

Ficando-se só no caso da ciclovia, talvez ele não entregasse a obra a uma empresa que pertencia à família do seu secretário de Turismo. Mesmo que fizesse isso, não entregaria o gerenciamento da construção à mesma firma. Nem deixaria que a obra tivesse oito aditivos, elevando seu custo de R$ 35 milhões para R$ 45 milhões.

Quando o Rio vivia a síndrome do delírio do governador-gestor Sérgio Cabral e do prefeito olímpico Eduardo Paes, chamar a atenção para o óbvio era falta de educação.

A diretora-geral do FMI, Christine Lagarde, andou no teleférico do Alemão e sentiu-se "nos Alpes". O bondinho custou R$ 210 milhões, operou de 2011 a 2016 e desde então está parado.

Bruno Boghossian: O atraso está na moda

- Folha de S. Paulo

Deputados confundem conservadorismo com preconceito até em questões burocráticas

Um surto de obscurantismo quase custou R$ 10 bilhões por ano ao governo. A Câmara gastou quase 30 minutos na última semana batendo boca sobre o uso da palavra “gênero” em cadastros do INSS. Por pouco, a medida provisória de Bolsonaro para rever benefícios previdenciáriosnão foi derrubada.

O texto em discussão no plenário na noite de quarta (29) dizia que registros enviados pelos cartórios deveriam conter nome, CPF, gênero, data e local de nascimento ou morte dos indivíduos. Deputados que confundem conservadorismo com preconceito protestaram. Enxergaram ideologia num trecho burocrático e tentaram tirar o termo da lei.

Os parlamentares queriam trocar “gênero” por “sexo”, como se isso fizesse diferença na papelada. A mudança não foi possível, porque a proposta já havia sido aprovada numa comissão. O tumulto se instalou, e os partidos de esquerda atacaram. “Tem gente que quer voltar para a Idade Média, talvez das trevas”, disparou Fernanda Melchionna (PSOL).

Janio de Freitas: Uma grande mentira

- Folha de S. Paulo

Os bolsonaristas do poder econômico começam a se assustar

A aquietação silenciosa em que a trupe mergulhou, por toda a semana, obedeceu à reação, demorada mas enérgica, dos ministros militares à tolerância explícita de Jair Bolsonaro aos insultos de Olavo de Carvalho ao general Villas Bôas.

O "basta", calado diante de ataques a outros generais, como Santos Cruz, e mesmo aos militares em geral, representa a primeira dissensão verdadeira, apesar das várias noticiadas, entre os generais reformados do governo e Bolsonaro.

O ataque ao ex-comandante do Exército foi agravado por dirigir-se também ao estado físico do general, condicionado à cadeira de rodas e ao auxílio respiratório. Pior do que indiferente, a atitude de Bolsonaro desconsiderou a contribuição de Villas Bôas à sua eleição, como patrocinador da candidatura nas Forças Armadas e entre os conservadores civis.

Não podendo ser um dos limitados à comunicação privada, Bolsonaro refluiu as suas provocações e a falta de senso, também como efeito das cobranças e conversas afinal mais responsáveis no Planalto.

Passou a semana buscando eventos em que se mostrasse simpático, quis entrevistas, culminando com o espetáculo do enlace a que atraiu dois incautos. Dias Toffoli e Rodrigo Maia capitularam a papéis deploráveis.

Vinicius Torres Freire: Pibinho faz impaciência explodir

- Folha de S. Paulo

Pequenos e médios empresários escrevem para contar da exaustão e pedir solução já

“Deu!” “Não está funcionando.”

O estresse econômico transborda em fadiga de crise ou explosão de desesperança, a gente ouve por aí ou lê na caixa de mensagens. É a estafa de quem ao menos teve a boa sorte de sobreviver, pois muitos ficaram pelo caminho, para nem falar do povo largado na miséria.

A recaída do Pibinho detonou de vez a insatisfação, a impaciência com a política econômica e com seus economistas. Deflagrou a conversa do “é preciso fazer alguma coisa, já, ninguém aguenta mais”.

Economistas-padrão, entre encabulados, perdidos ou estoicos, não têm muito a oferecer de novo, no melhor dos casos.

Nos dias piores desta depressão que já dura seis anos, este jornalista recebia vez e outra mensagens de pequenos e médios empresários contando durezas da vida e oferecendo sugestões do que fazer do país. Jamais foram tão frequentes quanto nas últimas semanas. É gente que conseguiu manter a empresa, mas está pelas tampas, para escrever português claro.

“A agenda de corte de gastos não está funcionando. Acho que talvez o governo devesse mudar de tática. Aumentar o endividamento, gastar com infraestrutura, convencer os bacanas da Bolsa de que não é gasto, e sim investimento, que resultará em melhor arrecadação e recuperação da economia. Porque teto disto e daquilo já mostrou que não vai tirar o Brasil do buraco”, escreve um empresário do “ramo de artigos industriais e agrícolas”.

“Minha empresa sobreviveu, eu não muito, eu não vejo as minhas filhas direito faz anos. Fico pensando se não é melhor vender logo tudo e viver de renda modesta, mas sem angústia de ficar cheio de dívida com fornecedor, colaborador ou falir, porque eu não sei o que vai ser o mês que vem”, desabafa um fabricante de alimentos.

Ruy Castro: O leão indomado

- Folha de S. Paulo

Todos que trabalharam com Fuad Atala ficaram lhe devendo alguma coisa

Em 1961, Jânio Quadros, como se sabe, renunciou à Presidência e deixou o país pendurado na brocha. Na então Guanabara, o governador Carlos Lacerda discordou dos jornais que defendiam a posse do vice João Goulart e mandou a polícia dar-lhes um cala-boca. Mas um deles, o Correio da Manhã, não se intimidou. Quando os homens de metralhadora invadiram o jornal e apreenderam a edição daquele dia, cinco jornalistas escaparam com pilhas de exemplares, tomaram um carro e foram distribuir de graça o jornal no Largo da Carioca. Foram presos pouco depois, mas o povo ficou sabendo o que Lacerda fizera. Esses jornalistas eram o editor da última página, Carlos Heitor Cony, os repórteres Aziz Ahmed e Álvaro Mendes, o subchefe do Arquivo, Paulo Ramos, e o secretário do jornal, Fuad Atala.

Fuad morreu no dia 24 último, aos 86 anos. Todos que trabalharam com ele ficaram lhe devendo alguma coisa. Cony como cronista, por exemplo, foi ideia dele. Fuad deu-lhe um espaço três vezes por semana no Correio para escrever o que quisesse, e quem acompanhou a carreira de Cony sabe o que ele representou, em 1964, para a democracia no país.

Luiz Carlos Azedo: A ética na política

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“No Brasil, onde não existe regulamentação do lobby, todos os políticos defendem o “bem comum”, ninguém assume a política como negócio, com exceção, talvez, da bancada ruralista”

“A política como vocação”, clássico da ciência política, é o texto de uma conferência realizada por Max Weber em 1918, e publicado em 1919 na Alemanha. O sábio economista e jurista alemão trata a política como “o conjunto de esforços feitos visando à participação do poder ou a influenciar a decisão do poder, seja entre Estados, seja no interior de um único Estado”. Segundo ele, quem se mete com a política quer poder, seja para fins ideais, por interesses econômico-financeiros ou em busca de prestígio. Para que o poder exista, porém, é preciso que a sociedade aceite a dominação do Estado.

Há três formas de dominação no Estado moderno: a tradicional, que se fundamenta e se legitima no passado, pela tradição; o domínio exercido pelo carisma e se fundamenta em dons pessoais e intransferíveis do líder; e a exercida pela legalidade, com base em regras racionalmente criadas e fundamentado na competência. Nas democracias do Ocidente, essas formas de dominação aparecem simultaneamente, mas o carisma é o fator decisivo para a chegada ao poder. O líder carismático, porém, necessita de meios materiais e conhecimento administrativo para exercer seu domínio.

É nesse contexto que surge o “político profissional”, que Weber classifica entre os que “vivem para a política” e aqueles que “vivem da política”. Todo cidadão pode e deve participar da vida política, mas nem todos têm tempo disponível e recursos para isso. Por isso, “todo homem sério, que vive para uma causa, vive também dela”, mas isso não impede a diferenciação entre os que têm a política como “bem comum” e os que a veem como negócio.

Paralelamente à existência dos políticos, existe uma burocracia formada por funcionários e técnicos encarregados de operar a máquina do Estado. Por essa razão, além dos objetivos programáticos, se estabelece entre os políticos uma disputa pela ocupação de cargos e a distribuição de recursos do governo. Nessa dinâmica, surge ainda uma camada de dirigentes partidários formada a partir de critérios plutocráticos e que vão ocupar posições no governo ou na máquina partidária. Para Weber, essas são as bases potenciais de “uma tendência que leva à criação de uma casta de filisteus corruptos”.

No Brasil, onde não existe regulamentação do lobby, como nos Estados Unidos e alguns países da Europa, todos os políticos defendem o “bem comum”, ninguém assume a política como negócio, com exceção, talvez, da bancada ruralista, embora o patrimonialismo, o cartorialismo e o fisiologismo sejam marcas registradas da nossa cultura ibérica. Mesmo assim, no Estado brasileiro, foi possível constituir uma burocracia formada por “trabalhadores especializados, altamente qualificados e que se preparam, durante muito tempo, para o desempenho de sua tarefa profissional, sendo animados por um sentimento muito desenvolvido de honra corporativa, em que se realça o sentimento da integridade”.

Ricardo Noblat: Deixem o capitão trabalhar!

- Blog do Noblat / Veja

Nem tudo ainda está perdido
Ao presidente da República deveria ser permitido no fim de semana sair para almoçar na casa de um amigo sem ser importunado pelos jornalistas, sem ter a obrigação quase sempre desagradável de responder a perguntas fora de hora, principalmente as mais incômodas que não quer ou que não saberia responder.

No caso de Bolsonaro, dentro ou fora do expediente de serviço, nada se lhe deveria indagar sobre economia porque ele simplesmente não entende. Quantas vezes ele não disse que de economia entende o ministro Paulo Guedes? Ou que os que diziam entender de economia empurraram o país para o buraco? Referia-se aos petistas, claro.

Mas os jornalistas são uma praga. E ontem, à saída de Bolsonaro da casa de um amigo no Lago Sul, em Brasília, quiseram saber o que ele acha das projeções sobre o crescimento do Produto Interno Bruto do país depois da queda de 0,2% no primeiro trimestre deste ano. Isso é lá coisa que se pergunte a um presidente num sábado luminoso?

“Já falei que não entendia de economia?” – devolveu Bolsonaro. “Quem entendia afundou o Brasil e eu confio 100% na economia do Paulo Guedes”. Ante a pressão de repórteres ansiosos por notícias, o presidente decidiu saciá-los com platitudes do tipo: “A gente quer melhorar os nossos índices, agora passa por questões até externas”.

Das internas preferiu não falar, e com razão. Sempre que tenta demonstrar domínio de alguns temas, é encrenca na certa. Foi assim quando mandou a Petrobras suspender o reajuste do diesel. Ou quando anunciou um milagroso projeto econômico do qual ninguém ouvira falar dentro ou fora do governo. Admoestado, recuou.

Depois de cinco meses de governo Bolsonaro, a economia está ao rés-do-chão e não oferece o mais pálido sinal de que possa levantar-se, nem quando. Guedes e equipe parecem não ter tido tempo de pensar em algo para além da reforma da Previdência que renderia uma economia de 1 trilhão de reais em 10 anos.

Fala-se vagamente de outras reformas, da privatização de empresas estatais, do achatamento do salário pago a determinadas categorias de servidores públicos, e coisas que tais. Mas de medidas pontuais ou de longo prazo que reduza o número de desempregados, neca de pitibiribas. Quem gosta de pobre é o PT, disse Bolsonaro outro dia.

Há presidentes despreparados para governar, mas que mesmo assim acabam aclamados por terem governado bem, e outros apenas despreparados e que ao fim do seu mandato são esquecidos. O segredo do sucesso dos primeiros foi montar boas equipes e não atrapalhar seu trabalho. Os outros se deram mal por fazer o inverso.

Como quem nada aprendeu antes de chegar à presidência e nada esqueceu depois de chegar, Bolsonaro ainda tem a chance de dar-se bem. O primeiro passo seria reconhecer sua abissal ignorância sobre tudo. O segundo, reformar sua equipe. O terceiro, atrapalhar o mínimo possível. Quem sabe assim não se reelegeria? Não duvidem.

Abaixo do Brasil acima de tudo e de Deus acima de todos está o povo. Ou não? Um bom domingo para todos.

Gaudêncio Torquato: Será que vai dar certo?

- Blog do Noblat / Veja

Como medir a viabilidade de um governo

Pergunta recorrente a este consultor: o governo Bolsonaro chegará ao final? Questão suscitada pelas tensões, idas e vindas desses cinco meses de administração. Em minhas bolas de cristal não vislumbro resposta convincente. No limite, aponto o Senhor Imponderável dos Anjos como assíduo visitante ao nosso roçado político-institucional.

Mas a ciência política ensina como medir a viabilidade de um governo e a possibilidade de se sustentar. Pinço as alavancas que o cientista político chileno Carlos Matus usa em seus ensaios para apontar quatro eixos que balizam respostas à pergunta acima.

São elas: a) a viabilidade política; b) a viabilidade econômica; c) a viabilidade cognitiva e d) a viabilidade organizativa. A primeira diz respeito à índole dos políticos e sua disposição de endossar ou não a agenda do Executivo; isso depende muito da articulação do governo. Imbróglios obscurecem o horizonte político. Ao dizer que não se submete à “velha política”, o presidente Bolsonaro coloca imensa barreira entre o governo e o Parlamento.

Além disso, a articulação do governo é dispersa, com protagonistas múltiplos – general Santos Cruz, Onyx Lorenzoni, o próprio presidente e líderes do governo no Congresso. Afinal, quem é o responsável? A própria base governista é um amontoado sem rumo. O PSL, por exemplo, vive em querelas constantes, enquanto o governo precisa convencer políticos (até da oposição) para aprovar as reformas.

'A política começou a se transformar antes de termos redes sociais', diz cientista política

Jeanette Hofmann, professora da Universidade Livre de Berlim, especializou-se em política da internet

Guilherme Evelin / O Estado de S.Paulo / Aliás

O campo de estudos da cientista política Jeanette Hofmann, professora da Universidade Livre de Berlim, é a sociologia da tecnologia. Nela, especializou-se em política da internet. No Instituto Weizenbaum para a Sociedade em Rede, um órgão financiado pelo governo alemão para estudar as implicações da revolução digital, Hoffman lidera as pesquisas sobre democracia e digitalização, tema de uma série de conferências que ela deu no Brasil. Na mesma semana em que Hoffman foi entrevistada pelo Estado, milhares de manifestantes, convocados pelas redes sociais, saíram às ruas em defesa do governo Jair Bolsonaro.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

• As redes sociais são uma das causas da crise das democracias representativas no mundo?

A política começou a se transformar muito antes de termos as mídias sociais. Ao menos, na Europa, é óbvio que as democracias representativas começaram a perder seu apelo dos anos 1970 em diante. Com a guinada dos partidos ao centro, as eleições se tornaram, cada vez menos, uma questão de que em partido você vota, porque o resultado é sempre o mesmo, não importa quem ganhe. Ao mesmo tempo, houve uma grande transferência de poder dos governos para o mercado e do Parlamento para os burocratas do Poder Executivo, com a agenda neoliberal que privatizou muitos setores da infraestrutura. Então, os eleitores se perguntam: por que votar? Com isso, os partidos deixaram de atrair membros e se tornaram muito instáveis. Hoje, eles crescem, implodem e desaparecem. As redes sociais não são a causa da mudança, mas um meio para tentar alternativas.

• Líderes populistas ou autoritários usam melhor as redes sociais do que lideranças democráticas?

Esse é um paradoxo. Enquanto a imprensa funcionava como uma espécie de guardião do que você via ou era informado sobre o mundo, as redes de extrema-direita eram completamente excluídas da esfera pública. Com a internet, esses movimentos tiveram a chance de organizar a própria visibilidade – e eles foram muito rápidos e astutos em usar as redes sociais para seus propósitos, muito melhor do que os partidos tradicionais que permaneceram numa zona de conforto, acreditando que existiriam para sempre. Esses partidos são muito bons em compensar o relativo pouco apoio com que contam na sociedade. Na Europa, em muitos países, o apoio a eles está em torno de 10, 15% da população, mas eles se tornaram mais visíveis graças à propaganda. E é muito interessante apontar que a imprensa tradicional, em muitos casos, os ajuda. Eles fazem campanhas da forma mais ultrajante possível para chamar a atenção da imprensa, que acaba lhes dando visibilidade.

• Como as redes sociais podem ser usadas para fortalecer a democracia?

As mídias sociais são um recurso para a experimentação. A democracia tradicionalmente foca no direito ao voto. Mas isso não convence mais as pessoas. Nossas constituições não descrevem mais a democracia como a praticamos no dia de hoje. Votar é um dos modos de exercemos nossos direitos, mas não é a coisa mais importante nas democracias contemporâneas. As gerações mais jovens usam as mídias sociais para experimentar novas formas de se organizar, formar redes, protestar, chamar a atenção. Essas novas formas são muito voláteis. Alguns movimentos sociais podem durar um verão ou um ano. E desaparecem. Não têm meios de se estabilizar em suas organizações, mas, ainda assim, são politicamente ativos – e é importante que a próxima geração não seja apolítica.

• As sociedades vão ter de acostumar à volatilidade como a nova realidade das democracias?

Há sempre alternativas no uso das tecnologias. Nós temos que ter consciência das opções e descrevê-las de forma que as pessoas possam tomar decisões e não delegar essas decisões ao mercado ou para engenheiros. A democracia também não é uma coisa estática. Nossa interpretação de democracia hoje é completamente diferente da concepção dos anos 1960 e 70, em que nós a associávamos à ideia de autodeterminação coletiva. Hoje nós interpretamos democracia muito mais como o direito à liberdade individual de uma pessoa decidir o que quer fazer com a sua vida. A democracia, portanto, está mudando, e nós temos de ter consciência de que ela pode ser diferente. Acredito que nós vamos passar por um longo período de mudanças institucionais. Elas não matarão a democracia, mas ela vai mudar. Nós teremos que passar por esse processo de volatilidade e instabilidade, que se vê hoje na Europa, nos Estados Unidos, no Brasil. Não há como fazer regulações para evitar ou paralisar isso.

• Há alguma forma de controlar a difusão de “fake news” nas redes sociais?

Acho perigosa a ideia de regulação. O termo “fake news” sugere que esse seja um fenômeno novo. Mas claro que ele não é. Na Europa, existem tabloides especializados em produzir “fake news” sobre a aristocracia e seus bebês e divórcios – e essa cultura longamente estabelecida é considerada tolerável. Mas, agora com a internet e o crescimento dos partidos de direita, nós começamos a ficar com medo. Mas meu medo maior é o que os partidos democráticos se unam aos partidos de extrema-direita para ficar a favor de restrições à nossa liberdade de expressão. Quem estará na posição de dizer o que está certo e o que está errado? Nós queremos realmente que uma organização fique responsável por decidir isso?

• É melhor deixar tudo livre como está?

Não diria dessa forma. Há umas poucas áreas em que a regulação seria bem-vinda. Com a internet, como se mostrou no referendo pelo Brexit, no Reino Unido, há muitas formas de fazer uma campanha política de modo que ninguém a veja – por meio dos “dark ads” (anúncios invisíveis nas redes sociais, dirigidos a públicos ultrasegmentados). Nós precisamos de uma discussão pública e maior transparência no financiamento dos partidos e movimentos políticos

Cuidado com o vão: Editorial / Folha de S. Paulo

Mercado de trabalho nacional mostra aumento da subutilização e da desigualdade; retomada deve combater mecanismos concentradores de renda

Com a queda do Produto Interno Bruto no primeiro trimestre, consolidam-se projeções de mais um ano quase perdido. A alta esperada para 2019 já caminha para menos de 1%, pior até que as observadas nos dois anos anteriores.

Desde o encerramento da recessão de 2014-16, a mais aguda depois da crise de 1981-83, a renda nacional por habitante permanece mais de 8% abaixo do patamar de 2013.

Nada menos de 28,4 milhões de brasileiros, quase um quarto da população em idade de trabalhar, estavam em situação de subutilização no período de três meses encerrado em abril, segundo dados divulgados na sexta (31) pelo IBGE.

Além dos desempregados, estão nesse grupo os que buscam uma jornada maior e os desalentados, que já nem procuram ocupação.

O quadro sombrio se completa com a constatação do instituto de economia da Fundação Getulio Vargas, em estudo recente, de que a desigualdade no mercado de trabalho alcançou no primeiro trimestre deste 2019 o maior nível em pelo menos sete anos.

Desde o final de 2015, a renda dos 40% mais pobres caiu 22%, enquanto a dos 10% situados no topo da pirâmide subiu 3,3%.

Uma vergonha nacional: Editorial / O Estado de S. Paulo

O Brasil tem índices alarmantes de evasão e abandono escolar. Em 2017, havia cerca de 10,3 milhões de jovens entre 15 e 17 anos de idade. Desse grupo, 1,5 milhão de jovens não se matricularam no início do ano letivo. E dos 8,8 milhões que fizeram a matrícula, 700 mil abandonaram a escola antes do final do ano letivo. Somado a outras vicissitudes, como as repetências, o resultado deixa muito a desejar: apenas 6,1 milhões de jovens - 59% do total - concluem o ensino médio na idade correspondente. Essa é a média nacional. Se o recorte for feito, por exemplo, entre jovens negros, residentes em áreas rurais do Nordeste e que a mãe é analfabeta, apenas 8% concluíram o ensino médio até os 18 anos.

Esses números não são o reflexo de um quadro momentâneo. Nos últimos 15 anos, não houve melhora no porcentual de jovens entre 15 e 17 anos que estão fora da escola. Apesar de ter crescido o número de jovens que chegam ao ensino médio, houve aumento da evasão e do abandono escolar. A não conclusão do ensino médio tem graves consequências para a vida de cada um dos jovens que abandonam a escola. Além de impor inúmeras limitações ao horizonte profissional, com a diminuição da empregabilidade e de renda, a interrupção prematura dos estudos coloca os adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade social, mais expostos, por exemplo, a problemas de saúde, à delinquência e ao crime.

Congresso precisa acabar com o atraso no setor: Editorial / O Globo

Um grande obstáculo a melhorias é a ineficiência de empresas estatais, geralmente sob proteção política

A instituição de novas regras para o setor de saneamento produziu no Congresso Nacional um daqueles eventos decisivos na luta política contra o atraso social e econômico.

Numa época em que se debatem os efeitos sociais da inteligência artificial e se planejam viagens interplanetárias, o Brasil ainda mantém110 milhões de pessoas reféns na miséria, sem direito ao acesso a serviços básicos de coleta de esgoto, e 35 milhões sem dispor de água tratada. Para esses cidadãos, saneamento é, sim, sinônimo de progresso.

A reversão desse drama brasileiro só é viável com a retomada de investimentos no setor. Para tanto, são necessários novos regulamentos, capazes de prover segurança jurídica nos contratos para infraestrutura e prestação de serviços à população.

O governo Michel Temer abriu caminho ao editar, no ano passado, uma Medida Provisória (nº 868). O Congresso a aperfeiçoou, num trabalho diligente e competente do relator, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que negociou o texto com os partidos. O prazo de validade da MP acaba nesta semana.

Na semana passada, alguns governadores estaduais recuaram em pontos-chave do texto, já acertados, como o que determina a obrigatoriedade de as prefeituras realizarem licitações ao término dos contratos atualmente em vigor.

Manuel Bandeira: Balõezinhos

Na feira do arrabaldezinho
Um homem loquaz apregoa balõezinhos de cor:
- "O melhor divertimento para as crianças!"
Em redor dele há um ajuntamento de menininhos pobres,
Fitando com olhos muito redondos os grandes balõezinhos muito redondos.

No entanto a feira burburinha.
Vão chegando as burguesinhas pobres,
E as criadas das burguesinhas ricas,
E mulheres do povo, e as lavadeiras da redondeza.

Nas bancas de peixe,
Nas barraquinhas de cereais,
Junto às cestas de hortaliças
O tostão é regateado com acrimônia.

Os meninos pobres não vêem as ervilhas tenras,
Os tomatinhos vermelhos,
Nem as frutas,
Nem nada.

Sente-se bem que para eles ali na feira os balõezinhos de cor são a
[única mercadoria útil e verdadeiramente indispensável.

O vendedor infatigável apregoa:
- "O melhor divertimento para as crianças!"
E em torno do homem loquaz os menininhos pobres fazem um
[círculo inamovível de desejo e espanto.

Lucy Alves no Forró