- Folha de S. Paulo / O Globo
O governo, o "mercado" e os bumbos da orquestra garantem que, uma vez aprovadas as reformas do "Posto Ipiranga", a economia brasileira entrará num ciclo virtuoso. Tomara. Em tese, há bilhões de dólares esperando o sol nascer para jogar dinheiro no Brasil.
Imagine-se um investidor belga que já pôs milhões no Chile, reunido em Bruxelas para decidir um investimento.
Seu consultor informa:
— O novo presidente do Brasil quer abrir a economia, está afrouxando as leis do meio ambiente, fez uma faxina no marxismo cultural e combate os movimentos LGBT.
— E como são suas relações com os políticos?
— Ele diz que não negocia no varejo.
— Ele manda no Congresso?
— Ainda não, mas promete apertar os parafusos.
— Manda no Judiciário?
— Não, tudo depende das turmas do Supremo, mas o presidente do tribunal tem a sua simpatia.
— Manda na imprensa?
— Ele tem apoio nas redes sociais e em algumas redes de televisão.
— Tem apoio popular?
— Ele prometeu acabar com o ativismo, mas há manifestações de rua de estudantes contra o governo.
— Sua política econômica nos favorece?
— Ele tem um passado estatista, mas é um liberal converso. Nos primeiros três meses de governo a economia encolheu 0,2%.
— Como anda a economia do Chile?
— No último trimestre ela cresceu 1,6%. O presidente Sebastián Piñera é um conservador que sabe operar pelas regras do jogo.
— E a da Rússia?
— Cresceu 2,3% no ano passado.
— Então vamos continuar no Chile e botar esse investimento na Rússia. Lá o Vladimir Putin já fez o serviço que esse brasileiro promete.
Paes e o óbvio delirante
O ex-prefeito Eduardo Paes tem uma queda pelo uso da expressão "é óbvio".
Depois do terceiro desabamento da ciclovia Tim Maia ("certamente a mais bonita do mundo", nas suas palavras) ele disse o seguinte:
"É óbvio que, se eu pudesse, não faria de novo".
O doutor justificou-se lembrando que "o grande problema ali é o fato de a ciclovia estar em uma área que tem, de um lado, o mar, e do outro, a encosta do morro". Ao que se saiba o mar e o morro estão lá há milhões de anos.
Quando a ciclovia desabou pela primeira vez, em 2016, matando duas pessoas, Paes foi didático:
"É óbvio que se essa ciclovia tivesse sido feita de forma perfeita, não teríamos essa tragédia".
Paes governou o Rio de 2009 ao final de 2016 e dizia que todos os governantes "têm inveja de mim".
Felizmente o doutor começa a reconhecer o que não "faria de novo". Antes tarde do que nunca.
Ficando-se só no caso da ciclovia, talvez ele não entregasse a obra a uma empresa que pertencia à família do seu secretário de Turismo. Mesmo que fizesse isso, não entregaria o gerenciamento da construção à mesma firma. Nem deixaria que a obra tivesse oito aditivos, elevando seu custo de R$ 35 milhões para R$ 45 milhões.
Quando o Rio vivia a síndrome do delírio do governador-gestor Sérgio Cabral e do prefeito olímpico Eduardo Paes, chamar a atenção para o óbvio era falta de educação.
A diretora-geral do FMI, Christine Lagarde, andou no teleférico do Alemão e sentiu-se "nos Alpes". O bondinho custou R$ 210 milhões, operou de 2011 a 2016 e desde então está parado.
Jabuti milionário
Com a paciência dos jabutis, o projeto de reabertura do jogo vai em frente.
Sabe-se lá qual mágica Bolsonaro tinha na manga quando prometeu "um projeto" capaz de gerar um "caixa maior do que a reforma previdenciária em dez anos".
Há poucas semanas, o jabuti reapareceu quando surgiu na Câmara a ideia de se apresentar um substitutivo para o projeto de reforma da Previdência.
Nas contas dos defensores da legalização da jogatina, ela poderia render de R$ 10 bilhões a R$ 18 bilhões anuais aos cofres públicos.
Nos últimos anos a tavolagem teve ilustres defensores: os governadores Sérgio Cabral e Pezão, bem como o ministro Geddel Vieira Lima. Estão todos na cadeia.
Maré baixa
Depois de um período de inédita prosperidade, escritórios de advocacia que foram abastecidos pela clientela da Lava Jato começaram a encolher.
Sistema C
O sindicalismo patronal deveria mudar o nome do Sistema S, chamando-o de Sistema C, com a inicial da censura.
Os doutores não querem cumprir a determinação do governo que manda colocar as contas das confederações e federações no banco de dados alimentado para atender à Lei de Acesso à Informação.
Querem arrecadar bilhões mordendo as folhas de pagamento, mas não querem mostrar o que fazem com o dinheiro.
Poderiam expor apenas os custos dos jatinhos usados pelos maganos em suas viagens pelo país.
Saudade do Vélez
O ex-ministro Ricardo Vélez tinha um lado folclórico. Seu sucessor, Abraham Weintraub, trocou o pitoresco pela truculência.
Na quinta-feira (30) ele disse que estava recebendo "cartas e mensagens de muitos pais de alunos citando explicitamente que alguns professores, funcionários públicos, estão coagindo os alunos e que serão punidos de alguma forma caso eles não participem das manifestações".
O doutor precisa definir "coagindo" e mostrar as provas, responsabilizando, na forma da lei, os eventuais coatores.
No embalo, informou que pais, professores e alunos "não são autorizados a divulgar e estimular protestos durante o horário escolar".
Não há registro de que o doutor Weintraub fume, tabaco ou qualquer outra coisa.
Eremildo, o Idiota
Eremildo convida seus admiradores para a posse do ex-deputado André Moura no cargo de secretário extraordinário da representação do Rio de Janeiro em Brasília. O doutor responde a três ações penais no Supremo Tribunal Federal.
Na ocasião o idiota compartilhará com seu colega Wilson Witzel o título de doutor pela Universidade Harvard.
Como é hábito nas escolas americanas, os ex-alunos acrescentam aos seus nomes o ano da formatura. Eremildo será o "Idiota, Fake '19". O governador do Rio é "Witzel Fake '15".
Alquimia
O ministro Dias Toffoli começou um pós-doutorado em alquimia. Inventou um evento para firmar um pacto com o Executivo e o Legislativo e conseguiu rachar o Judiciário.
Ganha uma senha para escalar o Everest quem souber qual será o resultado concreto do tal pacto.
Doria e FHC
Se João Doria pudesse, queimava vivos os tucanos elegantes.
Mesmo assim, não lhe passa pela cabeça hostilizar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Levy e Salles
Joaquim Levy atravessou incólume as administrações de Sérgio Cabral e de Dilma Rousseff.
Como presidente do BNDES de Bolsonaro engoliu um sapo cururu ao dispensar a chefe do departamento de meio ambiente do banco para atender a um delírio do ministro Ricardo Salles.
Resta saber se achou que sapo tem gosto de mexilhão.
*Elio Gaspari, jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".
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