- O Globo
Bolsonaro acha que fez tudo certo, mas na verdade perdeu tempo com questões sem relevância e interpretações duvidosas da realidade
Está tudo dando errado, mas ele acha que fez tudo certo, apenas não está sendo entendido. A economia encolheu no primeiro trimestre, a máquina pública está parada em várias áreas estratégicas, como a educação, a relação do governo com o Congresso é tumultuada e a popularidade presidencial caiu nos primeiros meses de mandato. Apesar disso, Jair Bolsonaro diz que é o único presidente que conseguiu “nomear um gabinete técnico, respeitar o parlamento e cumprir o compromisso constitucional de independência dos poderes”. Mostra desconexão com fatos passados e presentes.
Durante toda a entrevista do presidente Bolsonaro à “Veja” ele faz afirmações espantosas. Diz que antes votava contra a reforma da Previdência porque na Câmara “você tem informação de orelhada”. Pergunta o que é “governabilidade”, como se fosse algo a ser menosprezado. Sobrevoa com explicações rasas o escândalo que ronda seu filho Flávio e seu velho amigo Fabricio Queiroz. O único erro que admite ter cometido foi a nomeação do ex-ministro Vélez Rodriguez, escolhido por Olavo de Carvalho. Uma escolha bem técnica como se vê. Quando deu errado é que ele se lembrou de perguntar onde Olavo o conhecera. “De publicações”, respondeu seu guru. E o presidente então reagiu: “Pô Olavo você namorou pela internet?” E assim vai Bolsonaro exibindo seu estreito entendimento dos fatos. Ele diz que é “claro” que há sabotagem contra seu governo. Disso, sinceramente, ele não precisa.
Na economia o que se discute é como evitar a recessão. O país parece a um evento de voltar a ela. Como o primeiro trimestre ficou negativo e foi atingido pelo encolhimento da produção da Vale, o consenso é o de que o país terá um número ligeiramente positivo no segundo trimestre, escapando assim da definição técnica de recessão. Não porque vai crescer, mas porque será favorecido pela estatística. Quando se comparar o segundo trimestre deste ano com o mesmo período do ano passado, o resultado será favorável por causa da greve dos caminhoneiros que derrubou a economia naquele período de 2018.
As contas são feitas assim. Na economia não se tem expectativa de um fato positivo, mas sim o de ganhar um pontinho na comparação com um passado ainda pior. Mas se não há recessão oficialmente, o ambiente é sem dúvida recessivo, e o desemprego, como mostrou-se mais uma vez na sexta-feira, devastador. A reação do governo ao número negativo do PIB está sendo a de copiar Michel Temer e avisar que será liberado dinheiro do FGTS. Se forem contas inativas, não será suficiente, se forem contas ativas, a liberação terá que ser feita paulatinamente sob pena de desorganizar o sistema de financiamento imobiliário. No mercado financeiro, a proposta que aparece é para uma redução da taxa de juros, remédio que não é bem visto pelo Banco Central neste momento.
O governo joga todas as fichas na reforma da Previdência que é, como se sabe, condição necessária para o reequilíbrio das contas mas não suficiente. A atual administração herdou uma economia cheia de problemas, que se acumularam ao longo dos últimos anos. Não resolveria tudo num passe de mágica. Mas até agora, cinco meses passados, não tem apresentado fórmulas para saída da encrenca. Não há solução mágica, mas o grupo que chegou ao poder em janeiro dizia que havia, fazendo inclusive a promessa de zerar o déficit público no primeiro ano.
Nos últimos dias, o presidente falou que estava costurando um pacto com os três poderes. Incluiu, com a anuência do presidente do STF, Dias Toffolli, o Judiciário. “É bom ter a Justiça ao nosso lado”, disse para o arrepio dos juristas. Contraditoriamente, criticou o STF por estar a um passo de criminalizar a homofobia e prometeu indicar um ministro evangélico para o Supremo. Alegou sofrer pressões terríveis, às quais “outros não resistiriam”, criou a ideia de que a imprensa dizia que ele não seria eleito se não mentisse. E foi nesse roldão, com seus improvisos desastrosos.
A crise do país é grave, sair dessa paralisia econômica exigirá empenho e competência. O presidente parece envolvido demais com questões irrelevantes ou com interpretações duvidosas da realidade. O risco de uma nova recessão é real. Pode não acontecer no próximo trimestre, mas é ela que está à espreita.
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