- O Globo
Enquanto o ministro brinca de Gene Kelly, o diretor do Museu Nacional corre atrás de doações. Sem socorro financeiro, a busca pelo que restou do incêndio vai parar
Nove meses depois do incêndio, o que sobrou do Museu Nacional voltou a conviver com más notícias. O governo cortou R$ 11,9 milhões que seriam destinados às obras de reconstrução. A tesourada equivale a 21% de uma emenda ao Orçamento apresentada por deputados federais do Rio.
Na quinta-feira, o ministro da Educação gravou um vídeo sobre o assunto. Rodopiando um guarda-chuva, Abraham Weintraub disse ser vítima de “fake news”, reclamou de críticos “de mal com a vida” e culpou os parlamentares pelo bloqueio. Faltou dizer que o corte foi exigido pelo governo e afetou todas as emendas da bancada fluminense.
Enquanto o olavete brincava de Gene Kelly, o diretor do museu corria atrás de doações. “Estamos numa situação de desespero. Não temos dinheiro nem para trocar uma lâmpada ou consertar uma cadeira”, conta o paleontólogo Alexander Kellner, um especialista em pterossauros que já ajudou a formar gerações de cientistas brasileiros.
Ele diz que o museu está com o caixa zerado e depende de um socorro emergencial de R$ 1 milhão. “Precisamos desesperadamente de ajuda. Se ela não chegar, teremos que suspender o resgate de peças que estão ainda sob os escombros. Seria uma tragédia dentro da tragédia”, alerta.
As demandas são modestas para o tamanho das perdas no incêndio. Os técnicos precisam de mais dez contêineres para abrigar vestígios do acervo, o que custaria R$ 350 mil. Os outros R$ 650 mil seriam usados no trabalho de resgate, que já localizou preciosidades como o crânio de Luzia, o fóssil humano mais antigo do país.
“Não adianta atirar pedra na UFRJ, que não tem culpa pela falta de dinheiro”, diz Kellner. “Tudo o que recebemos do governo até agora foi liberado na gestão passada. A atual ainda não se deu conta da importância do museu. O MEC precisa assumir a sua responsabilidade”, cobra.
O Ministério Público Federal pensa o mesmo, e deu cinco dias para a pasta explicar o corte de verbas. A reação foi tão inusitada quanto o vídeo do guarda-chuva. O secretário-executivo do MEC, Antonio Paulo Vogel, ligou para a Procuradoria e ordenou, exaltado, que uma nota sobre o assunto fosse retirada do ar. O texto continuou na internet, e o dublê de ministro e dançarino ainda não prestou as informações devidas.
Kellner está na Europa em busca de parcerias. Já visitou instituições da Alemanha e da França, que prometeram ajuda para reerguer o museu. Hoje ele vai ao Louvre, onde conversará sobre os esforços para remontar a coleção egípcia. Os pesquisadores que vasculham os escombros já resgataram cerca de 200 peças, como estatuetas e amuletos arrematados por dom Pedro I.
“Há muito interesse em ajudar, mas o museu precisa merecer a ajuda. Não aceitaremos nenhum material se não tivermos condições de preservá-lo da forma adequada”, afirma o diretor.
Por aqui, as doações continuam abaixo das expectativas. Desde o incêndio, a campanha SOS Museu Nacional arrecadou apenas R$ 316 mil de pessoas físicas e empresas brasileiras. Só o governo alemão doou mais que o dobro: € 180 mil, o equivalente a R$ 786 mil.
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