sexta-feira, 26 de julho de 2019

José de Souza Martins*: A pobreza das desigualdades

Eu &Fim de Semana / Valor Econômico

Será muito difícil compreender o jogo de manipulações políticas de que somos vítimas sem compreender quem são, de fato, os sujeitos do processo político brasileiro

As simplificações na definição das desigualdades sociais da população expõem a confusa pobreza do nosso entendimento das diferenças sociais que nos afligem. Será muito difícil compreender o jogo de manipulações políticas de que somos vítimas sem compreender quem são, de fato, os sujeitos do processo político brasileiro. Sem compreender que identidade têm e o que nela personificam socialmente, isto é, como manifestam e expressam sua diversidade e diferenças.

Os nomes classificatórios que damos, sem nenhum cuidado, tanto aos ricos quanto aos pobres, não expressam senão o viés ideológico que amortece nossa consciência social. Somos bons para inventar nomes para os outros e péssimos para reconhecer e compreender a condição social que expressa os interesses que demarcam seu agir e seu horizonte, seu ser propriamente social.

Em 2018, nos embates de rua, o vocabulário pobre de nossa política expôs nossa consciência: o Brasil está socialmente dividido entre "coxinhas" e "mortadelas". Os "mortadelas" não se deram conta de que muitos "coxinhas" daquele ontem eram "mortadelas" de anteontem. Do mesmo modo que os "coxinhas" de ontem já estão a caminho de se tornar os "mortadelas" de amanhã.

Nossa carência de consciência crítica nos faz supor que fazemos política porque somos contra os rótulos que colamos nos adversários. O que não nos faz a favor de uma sociedade nova e democrática, baseada no direito à diferença e no reconhecimento da legitimidade da pluralidade social.

Fernando Abrucio*: Casamento de ocasião e suas contradições

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

A eleição de Bolsonaro representa a emergência de uma agenda neoconservadora (ao estilo de uma extrema-direita) no campo dos costumes e no plano institucional, somada a uma agenda liberal no âmbito econômico

As ideologias políticas são sempre a mistura de duas coisas. De um lado, um ideário sobre como deve ser o mundo. De outro, a necessidade de adaptar, em alguma medida, as ideias à realidade, pois ela é mais complexa e imperfeita do que os modelos puros. O encontro dessas duas dimensões envolve conflitos e contradições. Isso se torna mais marcante quando há um casamento de ocasião entre duas visões de mundo diferentes, mas que acreditam na junção circunstancial em torno de um objetivo. Um caso emblemático ocorre hoje na aliança entre liberalismo e conservadorismo em várias partes do mundo, em particular no Brasil sob o governo de Jair Bolsonaro.

O liberalismo, desde suas origens, é a defesa da liberdade dos indivíduos. Liberdade de pensamento, religiosa, de cada qual fazer o que quiser com sua vida, sua propriedade e seu corpo. Como bem argumentou o filosofo Stuart Mill, os ideais liberais de autonomia individual e tolerância resguardariam a diversidade de caminhos que os seres humanos podem escolher. Essa concepção liberal alimenta não só a defesa do mercado econômico como também do pluralismo político e cultural.

No início de sua história, o liberalismo acreditava que a limitação do poder governamental bastaria para atingir seus objetivos. Com o decorrer do tempo e de forma atribulada, construiu um casamento de longa duração com a democracia, apostando na expansão da ação política dos cidadãos como forma de garantir uma sociedade livre. Após a experiência do totalitarismo e da Segunda Guerra Mundial, e pressionado pelo então crescimento do socialismo, a liberal-democracia aliou-se à social-democracia, admitindo uma maior intervenção do Estado na economia para que as externalidades negativas do mercado fossem controladas, principalmente no que se refere à desigualdade, que poderia ser combatida com serviços públicos que garantissem maior igualdade de oportunidades.

Nas últimas décadas, especialmente a partir da segunda metade dos anos 1970, pensadores e atores políticos liberais têm por vezes se casado com um conservadorismo político nem sempre adepto dos valores democráticos. Isso tem significado um predomínio do liberalismo econômico sobre a sua faceta política, inclusive aceitando legitimar governos autoritários que aplicavam receituários liberais. A experiência chilena de Pinochet e seus "Chicago boys" está nas origens dessa combinação que seria considerada espúria por grande parte do pensamento liberal.

Houve muitas críticas a essa condescendência, inclusive por parte de pensadores liberais, e por algum tempo se procurou resgatar a defesa do pluralismo e da democracia.

Malu Delgado: A coalizão do 'cabra' marcado por Bolsonaro

- Valor Econômico

Nordeste quer ser contraponto na política e economia

A foto ao lado do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi postada no Twitter uma semana antes do desembarque na carceragem da Polícia Federal, em Curitiba, para visitar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso desde abril de 2018. O calendário permaneceu agitado com a informação pública sobre o encontro com seu maior adversário político, outro ex-presidente da República, José Sarney. Em apenas um mês, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB) teve conversas com três políticos que governaram o país em fases históricas bem distintas e com matizes ideológicos que oscilam da esquerda à direita. Mas coube ao atual, Jair Bolsonaro, fazer o marketing do que o maranhense costura há meses nos bastidores: a formulação de uma alternativa de poder ao centro em 2022.

Anos antes de virar assunto nacional por conta do áudio que escapou por descuido dos microfones palacianos na atual gestão, Flávio Dino - um dos governadores "paraíba", segundo o presidente, e o "cara" que não merece ganhar nada do governo federal - já dava demonstrações de como age e o que pensa da política.

Juiz federal por 12 anos e professor de direito, Dino elegeu-se governador em 2014 numa luta histórica de décadas contra a oligarquia Sarney. Esteve bem perto de disputar o segundo turno em 2010, mas levou uma rasteira de Lula digna de constar nos anais dos ressentimentos políticos que merecem recordação. Na ocasião, o PT nacional, fechado com o então PMDB de Sarney, ignorou o aliado histórico, PCdoB. Lula gravou um depoimento para Roseana Sarney exibir na propaganda eleitoral na TV, ajuda necessária para derrotar Dino no primeiro turno com 50,08% dos votos válidos. Roseana temia a derrota no segundo turno.

Em 2018, a coligação que reelegeu Dino reuniu 16 partidos, um arranjo nordestino com gente comunista e petista, para ficar na linguagem palaciana atual, e o DEM, partido de direita que integra o governo Bolsonaro estranhamente sem admitir ser da base de apoio do presidente.

Somente a insensatez explicaria, na visão de Dino, acreditar que os movimentos de agora vão repercutir em 2022. O governador não se sente confortável para falar da eleição presidencial tão precocemente, mas crê que razões de ordem política explicariam o fato de seu nome despertar tamanha repulsa a Bolsonaro. Faz parte do ethos do presidente, diz, escolher alvos políticos para atacar. Ele foi só o "comunista" da vez.

O que o governador do Maranhão exibe em sua conta no Twitter é o antípoda de práticas sectárias da extrema direita e da esquerda. "Ter amplitude e flexibilidade é virtude. O importante é o clima de convergência e diálogo para haver alternativa lá na frente. Vou manter essa atuação. Quero distensionar", justifica.

Há inúmeras especulações sobre Dino deixar o PCdoB, que não atingiu a cláusula de barreira no pleito de 2018, e ingressar num partido que o credenciaria como opção presidencial ao centro, como o PSB. "Não dedico um minuto do meu tempo pensando nisso", responde. Se disputar, acrescenta, só vai tomar a decisão possivelmente no final de 2021 ou no início de 2022. Mas há diagnósticos que Dino antecipa: será improvável a reedição de 2018, com a aglutinação inesperada ao bolsonarismo, ancorada pela Lava-Jato. A outra aposta diz respeito ao seu próprio quintal: haverá, em 2022, convergência da centro-esquerda.

Os métodos de Bolsonaro provocaram o envelhecimento precoce de um governo que mal começou e ampliam a falta de expectativas na política e na economia. É esse imenso vazio que vai unificar forças importantes, na visão de Dino.

A reunião dos governadores do Nordeste, marcada para segunda-feira, será contraponto ao governo Bolsonaro não apenas na seara política, mas na econômica. O Nordeste atacado pelo presidente investe em um novo arranjo, de consórcio, como fazem os governadores do Sul e Sudeste. Será apresentado um plano de trabalho para os próximos 12 meses.

Os governadores nomearam um secretário-executivo para o consórcio, o ex-ministro da Previdência Social Carlos Eduardo Gabas, do PT. A ideia é conciliar boas práticas administrativas com uma agenda popular. Numa leitura imediata, os governadores do Nordeste vão investir em parcerias que gerem emprego e renda. A vocação turística da região é a chave para entender as primeiras ações conjuntas. Para Dino, trata-se de um arranjo econômico e político "poderoso" para o futuro. Os resultados não serão produzidos "para amanhã", mas parcerias administrativas podem gestar políticas públicas concretas. "A vantagem operacional do Nordeste é que há hoje afinidade política e confiança mútua entre todos os governadores. Prefiro me dedicar a isso do que ficar sonhando", diz o maranhense.

Claudia Safatle: Imposto sobre Transações vai pagar a Previdência

- Valor Econômico

Tem cheiro e cor de CPMF, mas é bem maior do que ela

O governo avança na proposta de reforma tributária para enviá-la ao Congresso tão logo termine o recesso branco. A criação do Imposto sobre Transações (IT), nos moldes da velha Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), é a principal novidade do projeto. Mais ampla do que a CPMF, a concepção do Imposto sobre Transações (que incidiria sobre pagamentos e recebimentos em geral), a uma alíquota de 0,5% ou 0,6%, se justificaria pela busca de uma base tributária sólida e confiável para financiar a Previdência Social em substituição às contribuições previdenciárias cobradas sobre a folha de salários das empresas.

O entendimento da equipe econômica do governo é que parte relevante do desemprego, que atinge mais de 13 milhões de brasileiros, é estrutural. Diante das rápidas transformações do mercado de trabalho, considera-se que a base das contribuições previdenciárias que incidem sobre a folha de salários, além dos seus defeitos, está fundada em terreno movediço.

Diante de tais argumentos, os técnicos oficiais avaliam que "são grandes as chances de esse novo tributo vingar". Inspirado na CPMF, cuja experiência nos 12 anos em que vigorou no país foi "exitosa", segundo fontes do governo, e se mostrou um tributo de "base sólida, baixíssima sonegação, baixo contencioso e custo quase nulo de administração tributária", o Imposto sobre Transações seria ideal para substituir as contribuições sobre a folha.

"Ele não é uma nova CPMF, que era o 59º imposto da nossa constelação tributária e não foi criada para substituir nada. A proposta do Imposto sobre Transações - cujo nome oficial ainda não foi escolhido - vem para desonerar a folha de salários das empresas", advogam assessores do Ministério da Economia que estão participando das discussões.

Merval Pereira: Descaso institucional

- O Globo

Nem Executivo, nem Legislativo, nem Judiciário têm normas de segurança seguidas por seus líderes, mostram os fatos

Da mesma maneira que o ministro Sergio Moro e o coordenador dos procuradores de Curitiba, Deltan Dallagnol, se recusam a dar credibilidade aos diálogos que vêm sendo divulgados pelo Intercept Brasil, os controladores do site também se negam a confirmar que sejam os hackers presos a fonte original do material publicado.

Mesmo depois de Walter Delgatti Neto, um dos presos, ter admitido que deu ao diretor do site, Glenn Greeenwald, acesso ao material hackeado. Delgatti acrescentou que passou os dados sem cobrar ou receber vantagem financeira em troca. Não parece ser o perfil de uma pessoa envolvida em estelionato e falsificação de documentos.

Os três têm a mesma motivação: não querem reconhecer possíveis delitos. Todos dependem de interpretações jurídicas para validar seus atos, como já largamente analisados. Os hackers não escapam de uma condenação, mas dizer não ter vendido o material é uma tentativa de dar um ar político à atuação. O que deve ser facilmente desmontado pelas investigações.

Os crimes imputados aos hackers são de invasão de dispositivo eletrônico e interceptação de comunicação. O crime foi consumado quando eles invadiram os telefones e captaram as mensagens.

Bernardo Mello Franco: O principal interessado

- O Globo

Moro deveria ser o principal interessado em esclarecer o caso, que pôs em xeque sua conduta na Lava-Jato. No entanto, ele se apressou a dizer que os diálogos seriam destruídos

O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima se tornou um dos rostos mais conhecidos da Lava-Jato. Numa entrevista recente, ele disse não ter dúvidas
sobre o vazamento de diálogos da operação.

“O ataque foi centralizado, altamente sofisticado, com um custo que ultrapassa em muito a capacidade financeira e tecnológica de meros hackers amadores em porões na casa da mamãe”, afirmou, ao jornal “O Estado de S. Paulo”.

Em tom assertivo, o procurador recém-aposentado disse que a captação e a divulgação do material “obedeceram comando único, dotado de um orçamento milionário e possivelmente com recursos tecnológicos de fora do país”. Ele acrescentou que a ação teria um objetivo claro: “libertar Lula e destruir Sergio Moro”.

Pelo que se sabe até agora, os fatos são um pouco diferentes da tese de Santos Lima. Apesar de fontes oficiais terem espalhado suspeitas contra hackers de Moscou, os quatro presos viviam em Araraquara. Três deles já tinham passagens por crimes como estelionato e clonagem de cartões de crédito.

Eliane Cantanhêde: República de hackeados

- O Estado de S.Paulo

Vale tudo: com Brasília em polvorosa, vem aí uma guerra de acusações e versões

É uma grosseria ultrapassada tentar ainda hoje atingir o Brasil com o carimbo de “Republiqueta de Bananas”, mas parece bem atual considerar o País uma “República de Hackeados”. Nem o presidente da República foi respeitado, imagine-se o resto. E, assim, Brasília está em verdadeira polvorosa.

A referência mais direta a algo parecido foi quando se descobriu que a NSA, uma agência norte-americana, tinha a audácia de grampear a então presidente do Brasil, Dilma Rousseff, e os telefones da principal empresa nacional, a Petrobrás.

Naquela época, a motivação parecia econômica, comercial, diplomática. Hoje, os “grampos” evoluíram para “hackeamentos” e a invasão de celulares até do presidente Jair Bolsonaro tem um outro viés. A motivação pode ser pura ganância, mas o uso não tem nada a ver com negócios. Logo, pode ter sido político. Ou não.

É como a gente diz, a cada surpresa, a cada espanto: a realidade supera a ficção. Estamos vivendo numa sessão ininterrupta de cinema, intercalando filmes policiais, dramas e comédias pastelão, enquanto milhões de desempregados estão na rua da amargura e há uma guerrinha ideológica insana, quase infantil, entre uma esquerda acuada, deslocada da realidade, e uma direita simplória, mas ousada, cheia de si.

Fernando Gabeira*: Um paradoxo tropical

- O Estado de S.Paulo

Voltamos às origens. E o Brasil parecia ter avançado para uma nova etapa...

Onde está todo mundo?

Com essa pergunta o famoso físico nuclear Enrico Fermi enunciava seu paradoxo. Com os dados da idade da Terra e a dimensão da galáxia, ele concluiu que civilizações extraterrenas já nos teriam visitado.

Onde está todo mundo? No paradoxo tropical os dados indicam que haveria uma grande reação à medida do ministro Toffoli proibindo que o Coaf troque dados com órgãos de investigação sem consulta judicial. Afinal, a luta contra a corrupção foi um dos temas fortes na campanha eleitoral. Os 57 milhões de eleitores de Bolsonaro devem ter acreditado nisso. O homem central da Lava Jato, Sergio Moro, especialista em lavagem de dinheiro, foi integrado ao governo.

Mas as camisas amarelas e bandeiras do Brasil sumiram das manhãs de domingo. Uma possível resposta ao paradoxo de Fermi é o fato de que civilizações mais antigas podem ter existido e desaparecido. Uma das possíveis respostas ao paradoxo tropical é o enlace do movimento anticorrupção com o governo.

A decisão de Toffoli representa uma retrocesso de mais de uma década, rompe com acordos internacionais do Brasil e nos transforma de novo num paraíso para os fora da lei. Mas ela foi provocada por um pedido da defesa de Flávio Bolsonaro, que estava sendo investigado com dados do Coaf. O pai, Jair, concordou com a medida.

O ministro Sergio Moro expulsou três paraguaios que se refugiavam no Brasil e disse que o País não será mais um abrigo para bandidos. Porém não comentou a medida de Toffoli que desfaz grande parte de um trabalho contra a corrupção. Ele abre caminho para recursos do PCC e outras quadrilhas, dificulta trabalhos importantes, como o de um laboratório de tecnologia de seu ministério que trabalhava especificamente com a lavagem de dinheiro.

Rogério L. Furquim Werneck*: Duas ideias fixas

- O Estado de S.Paulo / O Globo

Menos de oito anos após a desoneração da folha perpetrada pelo governo Dilma Rousseff, faria sentido promover novo desmantelamento da cobrança de encargos trabalhistas sobre a folha?

Não é de hoje que Paulo Guedes tem uma ideia fixa. Está convicto de que a eliminação da contribuição previdenciária patronal incidente sobre a folha de pagamentos teria um impacto extraordinário sobre o emprego. De início, não lhe parecia uma ideia de implementação fácil. Em meio à atual crise fiscal, a eliminação da contribuição teria de ser compensada. E, com a economia sobretaxada como está, não estava fácil descobrir o que poderia ser onerado para que a folha pudesse ser desonerada.

Há alguns meses, no entanto, Guedes se deparou com o que parecia ser uma solução mágica: a velha ideia fixa de Marcos Cintra de taxar movimentações financeiras. Fascinado com a perspectiva de compensar a perda de receita que decorreria da eliminação da contribuição patronal com um imposto sobre movimentações financeiras, Guedes não relutou em alçar Cintra a secretário especial da Receita Federal.

Dizia o ex-ministro Guido Mantega que a beleza da tributação de movimentações financeiras é que “as pessoas nem sabem quanto pagam...; não pesa no bolso”. Pois bem. Em 2007, último ano em que foi cobrada com alíquota de 0,38%, a extinta Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) permitiu que o governo arrecadasse, sem que isso “pesasse no bolso” dos contribuintes, nada menos do que R$ 36,5 bilhões. A divisão do valor da arrecadação pela alíquota de 0,0038 revela o assombroso valor da base fiscal sobre a qual incidia a CPMF: R$ 9,6 trilhões. Cifra mais de três vezes e meia maior que o PIB de 2007!

A mágica decorria da incidência em cascata da CPMF, que dava lugar a uma base fiscal fictícia, sem contrapartida econômica real, em contraste com o que ocorre com formas mais civilizadas de tributação, que incidem sobre renda, consumo, valor adicionado, folha de pagamento e riqueza. Uma alíquota “diminuta” sobre uma base gigantesca e artificial. O sonho da tributação populista.

Constatado o despropósito da ideia fixa de Cintra, resta discutir a ideia fixa de Paulo Guedes. Que fundamento tem sua convicção de que a eliminação da contribuição patronal teria um impacto extraordinário sobre o emprego?

Luiz Carlos Azedo: Aloprados e hackers

Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“Uma coisa é revelar informações comprometedoras de autoridades preservando o sigilo da fonte, um direito constitucional dos jornalistas; outra, financiar o roubo de informações privadas, o que é crime”

Preso pela Polícia Federal, Walter Delgatti Neto, o principal acusado de hackear os telefones do ministro da Justiça, Sérgio Moro e de outras autoridades, assumiu em depoimento ser a fonte das mensagens publicadas pelo site Intercept, do jornalista americano radicado no Brasil Glenn Greenwald, e também pelo jornal Folha de S. Paulo e pela revista Veja. Delgatti disse que encaminhou o material a Greenwald de modo anônimo, voluntário e sem recompensa financeira. O jornalista confirmou a informação “nova e verdadeira”.

A Folha revelou que os contatos do hacker com o americano “foram virtuais, somente pelo aplicativo de conversas Telegram, e ocorreram depois que os ataques aos celulares das autoridades já tinham sido efetuados”. Mais de mil pessoas tiveram seus celulares invadidos pelos hackers, entre as quais os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ); do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP); do Superior Tribunal de Justiça, ministro João Otávio de Noronha; além da procuradora-geral da República, Raquel Dodge. O ministro Sérgio Moro pretende identificar e comunicar a ocorrência às centenas de vítimas de invasões de celulares.

Até celulares do presidente da República foram alvo dos hackers presos pela Polícia Federal, mas Jair Bolsonaro minimizou o fato, com o argumento de que não conversa assuntos sigilosos de Estado pelo celular e não tem nada a temer. Furou o balão que estava sendo inflado no Palácio do Planalto, de que haveria uma conspiração para desestabilizar o governo e afastar Bolsonaro do poder. Já havia até quem defendesse o enquadramento dos hackers na Lei de Segurança Nacional por ato terrorista, o que seria um grave precedente do ponto de vista institucional. Para esses setores, os quatro hackers presos em São Paulo não invadiram os celulares de autoridades e até jornalistas por conta própria, estavam a serviço de um grupo político e de grandes empresas.

Não se pode descartar essa possibilidade, porque realmente há muitos interessados em desmoralizar e/ou contingenciar a Operação Lava-Jato e o ministro Sérgio Moro. Mas é precipitado chegar a essa conclusão sem provas cabais dessas ligações, inclusive financeiras. Se existirem, é óbvio que a Polícia Federal e o juiz federal que comanda as investigações farão a denúncia formal, e os envolvidos terão de arcar com as consequências legais. Até agora, as investigações mostram que o grupo atuava de forma organizada e criminosa, e inclusive já tinha antecedentes criminais, mas essas relações não foram comprovadas.

Existe um mercado negro de informações roubadas pela internet. Hackers são contratados para bisbilhotar a vida alheia e vazar informações comprometedoras por todo tipo de gente, de marido traído a candidatos em dificuldades eleitorais, de velhos estelionatários a chantagistas de celebridades. A experiência da Polícia Federal nesse campo de investigação é grande, dispõe de equipe altamente especializada, recursos tecnológicos e uma gama de crimes cibernéticos já elucidados. Não foi à toa que rapidamente chegou aos quatro envolvidos. Mas trata-se de uma investigação criminal e não de uma investigação política, esse deve ser o divisor de águas.

Hélio Schwartsman: Vivendo na era dos vazamentos

- Folha de S. Paulo

Inconfidências de autoridades se revestem de inegável interesse público

Não posso dizer que esteja 100% seguro, mas o fato de não possuir um celular reduz o risco de eu ser flagrado num comentário comprometedor. Minhas comunicações são essencialmente por email e me policio para não escrever nada que não possa ser publicado.

Como a maioria dos humanos não é tão tecnologicamente frugal e ainda se deixa levar pela falsa sensação de segurança proporcionada por um objeto tão íntimo quanto o próprio celular, passamos a viver num mundo assombrado por vazamentos de conversas concebidas para permanecer privadas, com efeitos potencialmente devastadores.

E não me refiro só ao noticiário sobre os suspeitos de ter invadido os celulares da turma da Lava Jato e de outras autoridades brasileiras, incluindo Bolsonaro. Milhares de quilômetros ao norte, o governador de Porto Rico acaba de renunciar porque o teor politicamente incorreto de mensagens que trocou com auxiliares veio a público.

Bruno Boghossian: Moro e o pântano político

- Folha de S. Paulo

Ministro mergulha no pântano e assume protagonismo de um caso que envolve poderosos

Sergio Moro só poderia ter se antecipado para anunciar a destruição das mensagens obtidas com os hackers presos pela polícia se houvesse, de antemão, um jogo combinado entre investigadores e o juiz do caso. Como um complô dessa natureza seria absolutamente impróprio, o ministro deve ter se confundido.

Após duas décadas na magistratura, Moro conhece a lei o suficiente para saber que, mesmo que a Polícia Federal queira, só o juiz responsável pelo inquérito pode mandar apagar uma prova. Ainda assim, ele ligou para autoridades com celulares supostamente invadidos e avisou que não sobraria nenhum rastro de seus diálogos privados.

Moro foi o ponto de partida das apurações sobre o hackeamento, quando teve seu telefone atacado, mas agora tenta se tornar sujeito ativo das investigações. Como chefe da PF, o ministro abraça o caso como um instrumento particular de poder.

O ex-juiz procurou o presidente da República, o presidente da Câmara e o presidente do Senado para contar que seus telefones haviam sido alvos do grupo. Ligou também para o presidente do STF e disse que ministros tinham sido atacados.

Na condição de hackeado, Moro ofereceu aos poderosos a segurança de que todo o material apreendido seria destruído. Horas depois, a própria PF precisou corrigi-lo. Afirmou que as mensagens seriam preservadas e que só a Justiça poderia "definir o destino do material, sendo a destruição uma das opções".

Reinaldo Azevedo: Hackers da Operação Uruguai-Tabajara

- Folha de S. Paulo

Saber se os presos de agora são ou não a fonte é de uma irrelevância danada

Qual é o resultado de uma nova Operação Uruguai executada pelas Organizações Tabajara? A prisão de quatro hackers que teriam invadido os celulares de Sergio Moro, Deltan Dallagnol e de mais uma penca de autoridades e entregado o conteúdo ao site The Intercept Brasil.

Estão querendo usar hackers de celulares para proteger hackers de instituições. Não vai funcionar.

Os mais jovens devem pesquisar. A “Operação Uruguai” foi uma trapalhada em que Fernando Collor e aliados se meteram para tentar impedir o impeachment. Deu errado. As Organizações Tabajara são uma criação da turma do “Casseta & Planeta”. Vendiam o impossível com notável incompetência.

Saber se os presos de agora são ou não a fonte anônima que entregou o material ao The Intercept Brasil é de uma irrelevância danada no que concerne à Lava Jato e ao devido processo legal.

Não serei eu aqui a dizer que um ex-DJ ou um ex-motorista de Uber que faz curso de eletricista não possam montar uma terrível organização criminosa para hackear autoridades e abalar a República. A Polícia Federal está aí para investigar.

Recomendo apenas cuidado com o ridículo histórico. Depois de o tal “Pavão Misterioso” ter inventando a “Conspiração Russa”, que alimentou a imaginação de idiotas e serviu à narrativa de pilantras, cumpre que a PF não estimule as fantasias dos hackers de “Araraquarovski e Ribeirão Pretogrado”.

Quem quer que tenha acompanhado as redes sociais na quarta (24) e nesta quinta (25) pode ter ficado com a impressão de que os jornalistas do The Intercept Brasil estavam com um pé na cadeia e de que só a glória contemplava Moro, Deltan e alguns outros da Lava Jato. E, no entanto, o desespero dos que violaram o devido processo legal sob o pretexto de caçar corruptos nunca foi tão grande.

Que a PF apure a ação de hackers nesse e em outros casos, mas é bom saber o que dizer na frente de pessoas que não perderam o senso de ridículo. Quanto tempo demora para que desmorone a tentativa de transformar os vazamentos numa tramoia política? O objetivo dos hackers seria vender as informações para... o PT! É mesmo?

Esse tipo de raciocínio é sempre encantador porque os que o adotam transformam em bandidos aqueles a quem pretendem proteger. Quer dizer que os hackers de Araraquara, sabedores de que a Lava Jato havia feito lambança, tomaram a decisão de invadir os celulares dos protagonistas da operação para vender informações à legenda?

Claudia Costin*: Desigualdade e populismo

- Folha de S. Paulo

Redistribuição de renda é vista por camada da população como favorecer os 'pobres não merecedores'

Os protestos recentes de uma classe média enfurecida, em diferentes partes do mundo, representam um novo fenômeno, em tempos em que o combate à pobreza extrema teve alguns bons resultados. Sim, o número de pobres declinou no mundo todo e indicadores sociais tiveram avanços expressivos, mas sofrimentos distintos ganharam voz numa camada da população que se imaginava atendida pelo progresso das políticas públicas.

Contrariando Steven Pinker, que em seu brilhante "O Novo Iluminismo" mostra que a humanidade vem resolvendo seus principais problemas e que a desigualdade de renda não representa uma ameaça à coesão social, esses protestos mostram que, sim, há algo de novo no ar, na forma de tensões que clamam por respostas. A parcela da classe média que teve menor acesso a uma educação em nível mais elevado vem perdendo renda e oportunidades e atribui a culpa para seus dissabores, como ilustra bem o caso dos "gilets jaunes", à globalização, aos imigrantes, ao combate à mudança climática —no caso, dada a alta do preço do diesel— ou à ajuda humanitária a países de baixa renda.

Em recente entrevista publicada pela Folha, David Soskice se refere ao fenômeno, mostrando como o encolhimento das classes médias afetadas pelos avanços da tecnologia e pela consequente concentração de renda, típica da chamada quarta Revolução Industrial, tem acarretado certa convergência deles em direção dos mais pobres. Mas, esclarece o cientista político, isso não os leva a uma identidade de propósitos com eles.

Ricardo Noblat: Um crime perfeito

- Blog do Noblat / Veja

Vai dar em nada
Os hackers de Araraquara até poderão ser punidos por terem invadido a privacidade de mais de mil pessoas, segundo as contas da triste figura de Sérgio Moro – do presidente da República ao boy que emprestava seu celular para que um procurador da Lava Jato de Curitiba pudesse conversar em paz com a namoradinha, e a salvo da sua mulher desconfiada e perigosamente bisbilhoteira.

Mas, além disso, o caso não deverá ir. Tem toda pinta de um crime perfeito. Os autores foram descobertos e estão presos. Um confessou mediante a promessa de que a barra pesará menos para seu lado. Outro se defendeu alegando que era apenas laranja. Do terceiro, nada vazou, mas é só uma questão de tempo para que vaze. A mulher foi dispensada por motivo ainda desconhecido.

Provas do crime existem – documentos, dinheiro apreendido, computadores. Mas o conteúdo das conversas encontrado na memória dos computadores… Como saber se as conversas foram travadas naqueles termos? Seus personagens serão chamados para confirmar ou negar? Como usar o material em um processo que seria necessariamente público?

O presidente da República passava regulamente mensagens por celular com memes e até nudes acompanhados de kkkkkkkk ou de comentários nada pudicos. Ele é assim, e se sabe. E combinava com seus garotos ataques a A, B, C ou ao alfabeto inteiro. Quando não fazia coisas piores, preocupado que estava até outro dia com os rolos do filho Flávio e do motorista Queiroz. E aí?

Rodrigo Maia, presidente da Câmara, seria chamado a validar ou não o que teria dito a líderes de partidos ao longo das negociações para aprovação da reforma da Previdência? E David Alcolumbre para dizer se de fato ouviu o que lhe teria dito o ministro Onyx Lorenzoni, chefe da Casa Civil da presidência da República, quando o ajudou a se eleger presidente do Senado?

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, já foi grampeado mais de uma vez nos últimos anos – uma delas em conversa com o ex-senador Demóstenes Torres, outra com o então senador Aécio Neves que lhe pediu ajuda para ganhar uma votação. Sabe-se que até ministros do Supremo foram hackeados, mas dos seus nomes jamais se ouvirá falar. E aí?

Sem que sejam revelados todos os nomes das vítimas dos hackers, e todo o conteúdo das conversas, como saber se eles foram as fontes do que o site The Intercept publicou até aqui? A confissão de um dos hackers não basta. De mais a mais, se ficar provado que foram as fontes do site, prova-se em definitivo que as mensagens trocadas por Moro com os procuradores não foram adulteradas.

E a teoria conspiratória da intervenção russa no episódio? Recentemente, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, disse de forma peremptória:

“O ataque foi centralizado, altamente sofisticado, com um custo que ultrapassa a capacidade financeira e tecnológica de hackers amadores em porões na casa da mamãe. [A captação e divulgação do material] obedeceram a um comando único, dotado de orçamento milionário e com recursos tecnológicos de fora do país. [O objetivo era] libertar Lula e destruir Moro”.

Não, não se subestime a capacidade do procurador de enxergar adiante. Ele poderia não estar se referindo a uma inciativa de pés de chinelo como esses, afinal descobertos pela Polícia Federal. Quem garante que os russos também não espionaram a tão vulnerável elite republicana deste país para libertar um precioso aliado (Lula) e enfraquecer um poderoso adversário (Bolsonaro)?

O ouro de Moscou anda escasso, mas ainda dá para gastos. A ajuda russa para eleger Donald Trump foi investigada à exaustão. Ao final do seu mandato, ele poderá ser processado por obstrução de justiça. Aqui, é preciso que se investigue a turma de Araraquara e também as investigações sobre a turma de Araraquara. Como não? O serviço terá que ser completo dada as circunstâncias.

Por ora, o povo a tudo assiste bestificado. Mas ele tem o direito de saber.

O dono dos segredos da República

Dora Kramer: Chumbo trocado

- Revista Veja

Embate na base dos adjetivos agressivos só favorece Bolsonaro

A campanha eleitoral de 2018 ensinou que o embate ideológico, principalmente se feito na base do “fascista” para rebater o “comunista”, não é arma eficaz no exercício da oposição a Jair Bolsonaro. Nele, esse tipo de chumbo trocado não dói. Ao contrário, costuma fortalecê-lo junto ao público que o levou à Presidência e é ainda diária e intensamente cultivado em gestos, palavras e decisões.

Expressões de repugnância e/ou menosprezo pela figura presidencial servem bem ao desabafo, ao protesto emocional, às demonstrações indignadas que, embora sustentadas em fatos e respaldadas em princípios de civilidade e racionalidade, são apenas demonstrativos. Tendem, inclusive, a servir de armadilha, na medida em que banalizam o protesto e acabam dando sentido de normalidade ao que é realmente exorbitante.

Um exemplo: durante quase todo o ano passado, quando Bolsonaro surgiu como opção eleitoral competitiva, as cobranças a ele eram praticamente todas referentes à sua defesa da ditadura militar, que acabou há 34 anos, e dos preceitos autoritários vigentes no período, revogados na consolidação institucional do regime democrático. Só mais tarde, com Bolsonaro já firme como provável presidente, constataram-se a perda de tempo e o desperdício de argumentos.

Nesses primeiros seis meses de governo, a toada das críticas é a mesma, não obstante o presidente oferecer razões a mancheias para que elas sejam mais bem fundamentadas. A ausência de elaboração argumentativa e o uso de insultos são a praia de Bolsonaro. Nela, ele nada de braçada. É imbatível no quesito nível abaixo do aceitável.

Cláudio de Oliveira*: Esquerdas e questão democrática hoje

Recebi um texto no qual o seu autor analisa que o erro do PT no poder teria sido alimentar “ilusões” com a “democracia burguesa”. Essa é também a visão que perpassa a resolução política do partido, de maio de 2016, ao avaliar a crise que levou ao impeachment da presidente Dilma Rousseff (2).

O texto me fez lembrar da discussão que remonta à II Internacional (1889-1916). De um lado, Vladimir Lenin, para quem democracia é só forma de Estado, mais importando a luta de classe. De outro, Karl Kautsky e Julius Martov, defensores da democracia como valor universal.

Para mim, o erro fundamental do PT não foi se iludir, mas o de não acreditar na democracia. De não fortalecer e não aperfeiçoar as instituições democráticas. Como passo inicial e fundamental, não reformou para democratizar o sistema político-partidário e parlamentar, que é o principal centro decisório do país.

Deveríamos seguir o sistema alemão, que, ao meu ver, é o mais democrático do mundo: parlamentarismo, voto distrital misto, cláusula de barreira de 5% e financiamento público. Assim, abrem-se melhores possibilidades da maioria intervir no Estado e regular o capitalismo.

Como diziam os velhos comunistas do PCB (não o de extrema-esquerda de hoje, mas a esquerda positiva de Marco Antônio Tavares Coelhos, Armênio Guedes, Astrojildo Pereira e Cristiano Cordeiro), política é correlação de forças.

Se presentemente conseguirmos regular o capitalismo em escala global, como propõe Habermas a partir da União Europeia, já teremos feito muitíssimo. Nesse caminho, há um dado da conjuntura a ser enfrentado: o populismo de direita, que deve ser combatido com uma frente democrática ampla, reunindo liberais, socialdemocratas, socialistas, comunistas e ambientalista.

Portugal dá um bom exemplo ao unir PS, BE e PC no governo da Geringonça. Na Alemanha, acho importante a aliança CDU-SPD que deveria incorporar outras forças, como os Verdes. Na França, todos os democratas deveriam dialogar com Emmanuel Macron para encaminhar bem a crise e evitar a ascensão de Marine Le Pen. Na Espanha, as forças democráticas deveriam se unir em torno do governo do PSOE.

Mas só a união de dos democratas contra o populismo não é suficiente. É preciso entrar em acordo e buscar uma plataforma que leve ao desenvolvimento econômico socialmente inclusivo em escala global. Desse modo, os cidadãos de todo mundo poderão se sentir beneficiários da riqueza produzida, legitimando a democracia.

E no Brasil, deveríamos fazer a mesma frente que elegeu Juscelino Kubitschek, presidente em 1955, conduziu a Constituinte em torno de Ulysses Guimarães em 1987/1988 e sustentou Itamar Franco em 1992.

Infelizmente, setores de esquerda não compreendem a questão democrática. Abriram espaço para o golpe de 1964, erraram ao propor a luta armada e boicotar as eleições de 1966, 1970, 1972, não apoiar Tancredo Neves em 1985 e votar contra a Constituição de 1988. E nos levaram à derrota em 1989 e 2018. E se não fizerem essa frente ampla, esses setores de esquerda, por sua estreiteza, poderão mais uma vez infligir outra derrota às forças democráticas do Brasil.

Quem viver, verá.


*Cláudio de Oliveira é jornalista e cartunista e autor do livro eletrônico “Lenin, Martov, a Revolução Russa e o Brasil”

NOTA

[1] Resolução de Conjuntura, maio 2016.


Um inimigo mortal: Editorial / O Estado de S. Paulo

O Ranking do Saneamento Básico publicado pelo Instituto Trata Brasil não revela nada de novo. E é justamente este nada que estarrece. Em completa estagnação, o saneamento é o setor mais precário da infraestrutura do País e o que mais expõe as chagas de suas desigualdades. Paralisado como está, a cada dia que passa o Brasil fica mais longe de atingir a meta de universalização do abastecimento de água prevista pelo Plano Nacional de Saneamento para 2023, e assim de satisfazer um direito fundamental consagrado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos: o acesso à rede de água e esgoto.

Estima-se que para atender toda a população seria necessário investir anualmente R$ 21,6 bilhões durante 20 anos. Em 2011, o País investiu metade disso, R$ 10,91 bilhões, subindo para R$ 13,29 bilhões em 2014. Mas em 2017, último ano computado, o investimento encolheu para R$ 10,90 bilhões, o menor de uma década que já se pode dar por perdida. Entre 2016 e 2017, a população com acesso a coleta de esgoto nas 100 maiores cidades não aumentou sequer um dígito porcentual, saindo de 72,15% para 72,77%, enquanto o volume de esgoto tratado passou de 54,33% para 55,61%. Nesse ritmo o Brasil não terá uma cobertura universal antes de 2060. Hoje, 35 milhões de brasileiros não têm acesso a água tratada, cerca de 100 milhões, quase metade da população, não têm coleta de esgoto e 4,4 milhões não têm nenhuma forma de esgoto, fazendo suas necessidades a céu aberto.

Os perigos eletrônicos que ameaçam todos: Editorial / O Globo

Esclarecer a invasão dos telefones de Moro e Dallagnol é vital para se começar a coibir este tipo de crime

Ainda faltam informações mais sólidas e conclusivas sobre se os hackers encontrados pela Polícia Federal no interior de São Paulo —Walter Delgatti Neto, o provável chefe deles — estão mesmo por trás da invasão dos aplicativos de mensagens do ex-juiz Sergio Moro, e do procurador Deltan Dallagnol, de onde retiraram conversas que poderiam comprometer a lisura da Lava-Jato.

Há vários indícios de que é possível a participação dos detidos no crime.
Gustavo Henrique Elias Santos e mulher, Suelen Priscila, com rendas declaradas de menos de R$ 3 mil mensais, movimentaram R$ 627 mil nos períodos de abril a junho de 2018 e de março a maio deste ano. Aqui, um alerta ao Pleno do Supremo para que avalie com a devida atenção a proibição baixada pelo ministro Dias Toffoli a que o Ministério Público tenha um acesso mais amplo aos dados do Coaf sobre movimentações bancárias.

A ficha criminal de Gustavo e de dois outros envolvidos no caso, Walter Delgatti Neto e Danilo Cristiano Marques, é suja — estelionatos em geral, clonagem de cartões de crédito etc.

Agrotóxicos na mira: Editorial / Folha de S. Paulo

Reclassificação de risco de defensivos precisaria ser mais bem explicada

Em princípio, uma adequação a padrão internacional para rotular agrotóxicos não deveria causar inquietação no público. Faltaram senso de oportunidade e transparência à Anvisa, porém, ao anunciar mudanças no trato de substâncias com potencial de dano à saúde.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária divulgou na terça (23) umareclassificação dos produtos, também chamados de defensivos agrícolas, e alterações nos rótulos que alertam para sua toxicidade.

Ganhou inevitável destaque o fato de a nova norma prescindir de danos à pele e aos olhos para sinalizar categorias de perigo, concentrando-se no risco de levar à morte. Em consequência, ao menos 500 dos 700 ou 800 produtos hoje listados entre os extremamente tóxicos migram para classes consideradas menos perigosas.

Dito assim, não surpreende que a medida ganhe ares de flexibilização excessiva, de passo com a cruzada desregulamentadora posta em marcha pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL).

O novo marco legal, alegou a Anvisa, objetiva alinhar o país ao Sistema Global de Classificação Harmonizado (GHS, na sigla em inglês), padrão negociado no quadro da ONU e em implementação por 53 países, inclusive na Europa.

Liberação do FGTS é um passo na direção correta: Editorial / Valor Econômico

Estímulos de curto prazo podem arruinar o futuro, como ocorreu do fim do governo Lula à derrocada do governo de Dilma Rousseff. O governo de Jair Bolsonaro, cobrado para retirar a economia de seu trágico marasmo, resolveu, como seu antecessor, Michel Temer, liberar parte do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e Pis-Pasep, até que os efeitos das reformas estruturais, a começar pela da previdência, tenham o impacto esperado no crescimento.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, fez questão de dizer que o esquema de liberação desenhado agora difere dos anteriores e que não haverá "voo da galinha", uma afirmação temerária, já que nem todas as reformas foram apresentadas e mesmo a da previdência passou só pela primeira fase. Mesmo um "voo da galinha" seria um avanço notável diante do panorama econômico desolador. Com 13 milhões de desempregados e enorme capacidade ociosa no parque produtivo, qualquer avanço que minore o sofrimento de quem não encontra trabalho e reduza o desperdício de capital não utilizado seria um progresso. Apesar do desdém de alguns membros da equipe econômica sobre a eficácia de estímulos à demanda, a liberação do FGTS traz alívio importante, ainda que limitado.

O FGTS foi criado em 1966, sob a batuta dos ministros Octávio Gouvêa de Bulhões e Roberto Campos, dois insuspeitos liberais que criaram um longevo sistema de poupança compulsória, contradição filosófica vencida pelo pragmatismo. Um dos objetivos, além de eliminar a estabilidade de emprego vigente, foi criar um fundo de recursos para financiar a habitação, finalidade que, mal ou bem, persiste até agora. Hoje o FGTS é a única fonte de funding subsidiado para construtoras e moradias destinadas a empregados de baixa renda.

O sistema parece condenado à extinção ou a uma reconstrução profunda. Ao anunciar que os trabalhadores poderão fazer saques anuais, o governo divulgou números que indicaram que essa possibilidade não é para a maioria - 81% das contas têm saldo de até R$ 500, montante incapaz de dar qualquer proteção diante do desemprego, motivo pelo qual foi instituído. À razão óbvia dos baixos salários pagos somou-se a perda permanente causada pelos índices de correção dos saldos, de 3% anuais mais alguma coisa expressa na TR que, mesmo em um período de inflação baixa, correspondeu a perto da metade do investimento de menor rendimento no país, a caderneta de poupança.

Ferreira Gullar: Não há vagas

O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
– porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema, senhores,
não fede
nem cheira.

Ataulfo Alves - Laranja madura