- O Estado de S.Paulo / O Globo
Menos de oito anos após a desoneração da folha perpetrada pelo governo Dilma Rousseff, faria sentido promover novo desmantelamento da cobrança de encargos trabalhistas sobre a folha?
Não é de hoje que Paulo Guedes tem uma ideia fixa. Está convicto de que a eliminação da contribuição previdenciária patronal incidente sobre a folha de pagamentos teria um impacto extraordinário sobre o emprego. De início, não lhe parecia uma ideia de implementação fácil. Em meio à atual crise fiscal, a eliminação da contribuição teria de ser compensada. E, com a economia sobretaxada como está, não estava fácil descobrir o que poderia ser onerado para que a folha pudesse ser desonerada.
Há alguns meses, no entanto, Guedes se deparou com o que parecia ser uma solução mágica: a velha ideia fixa de Marcos Cintra de taxar movimentações financeiras. Fascinado com a perspectiva de compensar a perda de receita que decorreria da eliminação da contribuição patronal com um imposto sobre movimentações financeiras, Guedes não relutou em alçar Cintra a secretário especial da Receita Federal.
Dizia o ex-ministro Guido Mantega que a beleza da tributação de movimentações financeiras é que “as pessoas nem sabem quanto pagam...; não pesa no bolso”. Pois bem. Em 2007, último ano em que foi cobrada com alíquota de 0,38%, a extinta Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) permitiu que o governo arrecadasse, sem que isso “pesasse no bolso” dos contribuintes, nada menos do que R$ 36,5 bilhões. A divisão do valor da arrecadação pela alíquota de 0,0038 revela o assombroso valor da base fiscal sobre a qual incidia a CPMF: R$ 9,6 trilhões. Cifra mais de três vezes e meia maior que o PIB de 2007!
A mágica decorria da incidência em cascata da CPMF, que dava lugar a uma base fiscal fictícia, sem contrapartida econômica real, em contraste com o que ocorre com formas mais civilizadas de tributação, que incidem sobre renda, consumo, valor adicionado, folha de pagamento e riqueza. Uma alíquota “diminuta” sobre uma base gigantesca e artificial. O sonho da tributação populista.
Constatado o despropósito da ideia fixa de Cintra, resta discutir a ideia fixa de Paulo Guedes. Que fundamento tem sua convicção de que a eliminação da contribuição patronal teria um impacto extraordinário sobre o emprego?
O ponto crucial a ter em conta é que as evidências disponíveis para um amplo leque de países sugerem que a oferta de trabalho tende a ser muito insensível a variações nos salários. Altamente inelástica, como se diz em economia. E a razão é simples. A maioria esmagadora das pessoas que trabalham não pode deixar de trabalhar. Trabalha aos salários vigentes, sejam eles quais forem.
É por isso que, na literatura internacional de finanças públicas e economia do trabalho, há amplo consenso sobre o padrão de incidência de encargos sobre a folha. Não importa se rotulados de contribuição patronal ou do empregado, tais encargos acabam recaindo primordialmente sobre o assalariado.
Encargos sobre a folha não são propriamente uma “arma de destruição em massa de empregos”, como vem alardeando Paulo Guedes. Melhor seria rotulá-los de um mecanismo inexorável de compressão dos salários líquidos dos trabalhadores.
É fácil entender que, pela mesma razão que uma elevação dos encargos comprime salários sem grande impacto sobre o emprego, a eliminação de encargos sobre a folha, em condições normais, traria primordialmente uma elevação de salários, sem grande impacto sobre o emprego.
O que, sim, pode fazer diferença é um quadro de desemprego em massa, como hoje se tem no País. Há um vasto contingente de desempregados dispostos a trabalhar aos salários vigentes. Até que a maior parte desse contingente seja empregado, a oferta de trabalho poderá mostrar-se extremamente elástica. E uma redução de encargos trabalhistas poderia ter um impacto maior sobre o emprego.
A questão é se – menos de oito anos após a irresponsável pajelança de desoneração da folha perpetrada pelo governo Dilma Rousseff – faria sentido promover novo e impensado desmantelamento da cobrança de encargos trabalhistas sobre a folha para, num arroubo imediatista, tentar acelerar a recuperação cíclica do emprego.
*Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de economia da PUC-Rio
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