quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Opinião do dia: Míriam Leitão*

A defesa que o presidente faz dos crimes cometidos pelo governo ditatorial é sobretudo uma estupidez. Primeiro, porque todo esse debate está caduco, é do século passado. O país já fez sua escolha há mais de três décadas, quando o último general saiu pela porta dos fundos do Planalto. Segundo, porque a democracia dá mais segurança ao investidor de que não haverá decisões arbitrárias e de que se houver contenciosos ele poderá defender seus direitos.

*Míriam Leitão, jornalista, ‘Estilo prejudicial à economia’, O Globo, 6/8/2019

Hélio Schwartsman: Cardápio filosófico

- Folha de S. Paulo

Igualitarismo, suficientarismo e prioritarismo são opções no combate à desigualdade

O combate à desigualdade se tornou o grande assunto das democracias. Não discordo da pertinência nem da urgência, mas devo confessar que fico ligeiramente decepcionado com o fato de pouco se discutir qual é o princípio distributivo que deveríamos adotar para perseguir esse objetivo. A filosofia, afinal, oferece um amplo cardápio de opções.

A mais intuitiva delas é o igualitarismo, que considera moralmente reprováveis situações que resultem em benefício muito maior para um grupo do que para outro. Por esse critério, se A ganha R$ 100 mil, e B, apenas R$ 1.000, é meritório um sistema de taxação que onere proporcionalmente mais A para transferir rendimentos para B.

É claro que as coisas nunca são tão simples. Há um grupo de filósofos como Harry Frankfurt que sustenta que não é a desigualdade, mas a pobreza, que constitui um problema moral. Com efeito, se A tem patrimônio de R$ 3 bilhões, e B, um de "apenas" R$ 1 bilhão, não é obviamente necessário tomar nenhuma ação para reduzir essa desigualdade.

Bruno Boghossian: Como avacalhar a República

- Folha de S. Paulo

Presidente avacalha a República ao usar o poder em retaliações e favorecimentos

Na política miúda de muitas cidades, prefeitos e vereadores costumam confeccionar faixas de agradecimento toda vez que uma autoridade aparece para inaugurar uma obra. Além de puxar o saco de quem tem a chave do cofre, eles aproveitam para fazer propaganda de seus nomes entre os eleitores da região.

Jair Bolsonaro decidiu adotar essa bajulação como critério orçamentário. Depois de dizer que alguns governadores do Nordeste não devem "ter nada", ele afirmou que não vai negar recursos aos estados administrados pela oposição —com uma condição.

"Se eles quiserem que realmente isso tudo seja atendido, eles vão ter que falar que estão trabalhando com o presidente Jair Bolsonaro", declarou, após um evento na Bahia.

Aquele dinheiro é público, e a Constituição diz que a máquina estatal deve seguir o princípio da impessoalidade. Bolsonaro dá de ombros e trata o governo como uma ferramenta política particular.

Ruy Castro*: Pequeno glossário útil

- Folha de S. Paulo

Para entender certas expressões que têm se aplicado a Bolsonaro

Nas últimas semanas, certas expressões do passado foram usadas para definir as insanidades diárias de Jair Bolsonaro. Algumas, muito populares em seu tempo, podem necessitar de explicação para os leitores de hoje. Exemplos:

"Bolsonaro está transformando o Brasil num grande Febeapá." Febeapá era a sigla de Festival de Besteira que Assola o País, instituição criada pelo colunista Stanislaw Ponte Preta, em 1964. Referia-se aos militares da ditadura, que mandaram recolher nas livrarias o romance "A Capital", de Eça de Queirós, pensando que era o "O Capital", de Karl Marx, e proibiram o Balé Bolshoi de se apresentar no Teatro Municipal por ser russo, donde comunista. Mas Bolsonaro não fará isto, porque nunca leu um livro e não sabe o que é o Balé Bolshoi.

"Bolsonaro é um Napoleão de hospício." O Napoleão de hospício foi criado por Nelson Rodrigues e, segundo Nelson, era o verdadeiro Napoleão —porque nunca teria um Waterloo. Mas Bolsonaro terá o seu Waterloo. Não demora a fazer algo realmente tão grave, comprometendo a estabilidade do país, que terão de pedir a camisa-de-força.

Elio Gaspari*: Itaipu, uma usina de encrencas

- Folha de S. Paulo | O Globo

A hidrelétrica de Itaipu, símbolo do "Brasil Grande", virou cenário de um lance de corrupção vulgar

O repórter José Casado disse tudo: "Sob Bolsonaro, [Itaipu] virou fonte de convulsão na outra margem do rio Paraná." A maior hidrelétrica do continente nasceu de um litígio e, graças a meio século de costuras diplomáticas, virou uma proeza binacional. Em poucos meses de conversas impróprias, voluntarismos e tráfico de influência, o Brasil viu-se metido num escândalo. Logo em Itaipu, usina construída por um ex-oficial do Exército que passou pela vida pública sem nódoa. José Costa Cavalcanti foi ministro de Minas e Energia e do Interior, assinou o Ato Institucional nº 5 e dirigiu a construção de Itaipu. Tinha pouca graça, talvez nenhuma. Morreu pobre, em 1991.

Logo na usina de Costa Cavalcanti estourou o escândalo de um acordo matreiro firmado entre os governos de Bolsonaro e de seu amigo Mario Abdo, "Marito", como ele o chama. Quando o caso estava no escurinho de Assunção, o ministro Sergio Moro revogou o status de refugiado que havia sido concedido em 2003 a três paraguaios que vivem no Brasil.

Espremendo-se uma história onde entram picaretas paraguaios, o empresário suplente do senador Major Olímpio (PSL-SP) e diplomatas invertebrados, tudo poderia vir a se resumir ao seguinte: retirando-se um item do acordo, como foi feito, uma empresa brasileira, a Leros, compraria energia paraguaia para vendê-la no mercado brasileiro. Graças a algumas tecnicalidades, seria possível que ela pagasse US$ 6 (cerca de R$ 24) por um megawatt, vendendo-o, numa boa, por US$ 30 (R$ 119).

Luiz Carlos Azedo: A ameaça externa

Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“A China é o maior parceiro comercial do Brasil; os Estados Unidos, o segundo. O choque entre ambos transforma a economia brasileira numa espécie de marisco”

A primeira fala séria de uma autoridade de primeiro escalão do atual governo sobre a situação internacional não veio do Itamaraty, veio do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, ontem, no debate Como fazer os juros caírem no Brasil, promovido pelo Correio. Segundo ele, no momento, a maior ameaça à economia brasileira é a guerra comercial deflagrada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra a China, o México e parte da Europa. A escalada da guerra comercial, que agora virou uma guerra cambial, continua, e seus efeitos negativos estão se espalhando pelo mundo.

Quando os Estados Unidos começaram a sobretaxar importações, especialmente da China, se imaginava que o efeito seria um pouco mais de inflação e, consequentemente, a elevação da taxa de juros nos Estados Unidos e na Europa. Segundo Campos Neto, o que houve foi outra coisa: queda da inflação, em razão da baixa atividade econômica. Como já estava muito baixa ou negativa na maioria dos países desenvolvidos, nesse cenário, a taxa de juros deixou de ser um instrumento para aumentar a atividade econômica.

Além da guerra comercial, segundo Campos Neto, dois problemas afetam a economia global, inclusive a brasileira: o envelhecimento da população europeia, a exemplo do que aconteceu no Japão, e a escalada de tensões políticas em decorrência das atitudes de Trump. É o caso da crise dos EUA e da Inglaterra com o Irã e seu impacto no Estreito de Ormuz, na rota do petróleo que abastece o Ocidente. Na política mundial, as ações intempestivas de Trump são um fator de instabilidade econômica, pois inibem a tomada de decisões quanto aos investimentos.

Campos Neto não disse, mas a realidade escancara: o alinhamento automático do presidente Jair Bolsonaro com Trump — cujo lance mais polêmico é a indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para o estratégico posto de embaixador do Brasil em Washington — está em contradição com essa realidade do cenário internacional. Corrobora e segue a reboque de uma política internacional danosa à nossa inserção na economia global. A China é o maior parceiro comercial do Brasil; os Estados Unidos, o segundo. O choque entre ambos transforma a economia brasileira numa espécie de marisco. Agarrar-se ao rochedo não impede o impacto da onda.

Vera Magalhães: Racionamento de combustível

- O Estado de S. Paulo

Adversários começam a discutir meios de reduzir o estoque eleitoral que vão dar ao presidente falastrão

Diante da evidência de que Jair Bolsonaro já está em campanha para 2022, como ele mesmo admitiu nesta terça-feira, 6, e de que não há alternativas no centro e à esquerda a ele, adversários começam a discutir meios de reduzir o estoque de combustível eleitoral que vão dar ao presidente falastrão.

As reformas já estão precificadas, mas a ideia de um grupo amplo de parlamentares é não dar “dinheiro novo” que irrigue a economia rapidamente e dê gás a Bolsonaro.

Nesse quadro, é a pauta de privatizações, sobretudo as mais ambiciosas, que entra na mira. Haverá resistência a empreitadas como a venda da Eletrobrás, uma das prioridades de Paulo Guedes.

“É loucura imaginar que o Congresso vai facilitar o plano de Bolsonaro para aniquilar não só os adversários, mas a política”, disse à coluna um dirigente de uma das siglas do que se convencionou chamar de centrão.

Para avançar na agenda pós-Previdência, inclusive no sentido de unificar os esforços na reforma tributária, Guedes não terá a mesma facilidade de transitar como se fosse um corpo estranho liberal num governo de corte autoritário.

A escalada de palavras e ações de Bolsonaro aumenta na Câmara o desejo de resguardar as prerrogativas do Legislativo, inclusive limitando a edição de medidas provisórias, e também reduz a disposição de manter a “separação" entre a política econômica e o resto. “À medida que Bolsonaro usa Guedes como Cavalo de Troia para invadir a cidadela da democracia, temos de nos opor”, observa um parlamentar.

Fábio Alves: PIB, PIB, PIB!

- O Estado de S.Paulo

Economia precisa de ampla agenda de reformas para reduzir desemprego e crescer

Cada vez mais a partir de agora os ativos brasileiros, em particular a Bolsa de Valores, passarão a reagir com maior intensidade aos indicadores de atividade econômica, deixando de lado o foco apenas na situação fiscal do País e na aprovação da reforma da Previdência pelo Congresso.

Na mais recente pesquisa Focus, do Banco Central, o consenso das projeções de analistas aponta um crescimento de 0,82% do PIB neste ano. Como a frustração com o desempenho da economia em 2019 já está no preço dos ativos, o foco agora é com o PIB de 2020, cuja estimativa dos analistas é de uma expansão de 2,10%.

Assim, ao longo deste segundo semestre, os investidores devem ficar mais sensíveis aos dados de confiança de empresários e consumidores, de desemprego, de vendas ao varejo e de produção industrial.

No curto e médio prazos, o nome do jogo para novos ganhos no Ibovespa, principal índice do mercado acionário doméstico, será o diferencial de crescimento do PIB entre o Brasil e o resto do mundo, especialmente os desenvolvidos, como os Estados Unidos e os da zona do euro.

Obviamente, sem aprovação de uma reforma da Previdência robusta, um colapso nas contas fiscais é quase inevitável e isso não só frustraria o crescimento econômico, como elevaria o risco de o País entrar em recessão.

Roberto DaMatta: No doce balanço do mar

- O Estado de S. Paulo | O Globo

Eu era um anônimo passageiro do catamarã, que liga uma invisível Niterói a um Rio de Janeiro brutalmente descivilizado

Nesta última semana, retornei ao mar e fui acariciado pelo seu doce balanço. Não como um desolado náufrago, mas como um anônimo passageiro do catamarã que, com presteza e conforto, liga uma invisível Niterói (a cidade que ninguém quer conhecer, mas na qual todos querem morar) a um Rio de Janeiro (que todo mundo tinha que conhecer) que até hoje sofre o trauma de deixar de ser a capital do País e uma cidade-estado e, brutalmente descivilizado, promove insegurança.

Ir da casa para o trabalho e do trabalho para casa, usando transporte público (bondes, ônibus e as tais “barcas”, que eram metáforas do centro de Niterói), foi um símbolo de minha independência e vida profissional como trabalhador, marido, pai, escritor e, como professor, um permanente estudante de Antropologia Social.

Morando nessa amada Niterói – que significa, dizem os tupinólogos, “água escondida”; uma minibaía obscurecida pela grande “Guanabara” que, por seu turno, denota em tupi-guarani “rio-mar” – fui formado tendo como referência a oposição entre o cosmopolitismo hierarquizado e superior do Rio de Janeiro como “Cidade Maravilhosa” e o provincianismo de Niterói.

O contraste absoluto entre uma urbe maravilhosa e a trivialidade de sua vizinha e irmã gêmea foi, sem dúvida, o núcleo da identidade niteroiense como a cara barata de uma moeda cuja coroa brilhava do outro lado do mar. Niterói era uma espécie de não lugar embora àquela época fosse a capital do Estado do Rio de Janeiro.

Rosângela Bittar: Bolsoland não é aqui

- Valor Econômico

O Brasil precisa se levar a sério para pedir respeito

Ao dar de presente uma disneylândia customizada para o seu terceiro filho, enviando aos Estados Unidos como embaixador quem por lá passou como autodeclarado hamburgueiro, o presidente Jair Bolsonaro está promovendo a volta por cima de um ente querido e dando consequência a um capricho. O da transgressão deliberada à ética, à carreira diplomática e à condução da política externa de um país da importância do Brasil. Isso, no entanto, não tira pedaço, por enquanto.

Pois a tarefa de manter as relações políticas e comerciais funcionando em alto nível, entre o Brasil e os Estados Unidos, não tem nada a ver com a configuração desse modelo de representação pessoal do presidente do país no exterior. Lateralmente, e fora dos holofotes, terá que funcionar uma força tarefa profissional para representar o país e levar a cabo a empreitada. Diplomatas de carreira foram preteridos, mas podem agora atuar como conselheiros e secretários convocados a agir.

Há vários à disposição, inclusive autênticos representantes da direita internacional que o novo candidato a embaixador preza.

São todos da mesma estirpe. O príncipe pode ficar em usufruto do trono mas com retaguarda garantida. Sua presença, bem como a alegada amizade entre as famílias presidenciais, a admiração e o deslumbramento que o presidente brasileiro nutre por Donald Trump, a quem imita até no caminhar, estão distantes dos compromissos, sucessos ou fracassos da jornada diplomática.

O que haverá ali, se for aprovado o candidato, e deve ser pois não há nada mais "fake" do que as sabatinas do Senado, é uma convivência que se exercitará porque a confluência dos astros eleitorais colocou as duas luas alinhadas no período. Mas, a cada um, a sua vocação. Passado o fenômeno, cessa o fato. Criou-se uma situação artificial: se Trump não for reeleito, fica o embaixador brasileiro e o pai presidente com a missão de se reciclarem politicamente com rapidez. Também, se a proximidade deixar de ser necessária para Donald Trump, o espetáculo se desmanchará a olho nu.

Cristiano Romero: A difícil arte de cumprir a meta fiscal

- Valor Econômico

Está mais difícil cumprir déficit primário do que o teto

Quando o governo Temer propôs e o Congresso Nacional aprovou, em tempo recorde, a instituição de um teto constitucional para os gastos da União, nem o mais otimista dos viventes da Ilha de Vera Cruz acreditou na efetividade da medida, radical por definição. Não havia, de fato, por que acreditar. Do início da década de 1990 a 2015, o gasto corrente federal cresceu, em média, 6% ao ano em termos reais (acima da variação da inflação). Entre 2008 e 2015, o ritmo aumentou de forma exponencial - salto de 50%, já descontada a inflação, enquanto as receitas avançaram 15%; a diferença de ritmo fez a dívida explodir, levando o país a perder em 2015 o selo de bom pagador conquistado sete anos antes.

O teto constitucional de gastos estancou drasticamente o gasto real, simplesmente proibindo que isso ocorra, sob pena de as autoridades serem obrigadas a compensar o desrespeito ao teto com suspensão de reajustes salariais para o funcionalismo e mesmo da correção anual das aposentadorias, além da realização de concursos públicos. O teto entrou em vigor em 2017 e, apesar de todo o mau agouro, tem sido rigorosamente cumprido. Há analistas, inclusive, que atribuem ao teto uma das razões para a lenta e exasperante recuperação da economia brasileira, após seis longos anos de recessão (2014-2016) e baixo crescimento (2017-2019).

A adoção do teto deveria ter estimulado a sociedade, por meio do Congresso e de movimentos civis representativos, a redefinir as prioridades do Estado brasileiro, uma vez que, finalmente, entendemos que os recursos públicos são escassos, não só aqui mas em qualquer lugar do planeta.

Merval Pereira: Moro e o imaginário popular

- O Globo

Assessores tratam o ministro como um fardo político. Mas até agora o presidente continua achando que é um bom ativo

O anão que mora debaixo da mesa presidencial no gabinete do Palácio do Planalto ouviu dizer que o presidente Jair Bolsonaro está caindo na pilha de assessores, nem sempre oficiais, que já tratam o ministro Sergio Moro como um fardo político. Até o momento, no entanto, o presidente continua achando que Moro é um bom ativo político.

Além do desgaste com a divulgação dos diálogos hackeados entre Moro e o coordenador dos procuradores da Operação Lava-Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, pelo site Intercept Brasil e outros órgãos de imprensa, agravou a situação do ministro a crítica de um de seus principais assessores, o presidente do Coaf, Roberto Leonel, à decisão do presidente do Supremo, Dias Toffoli, de suspender investigações realizadas sem autorização judicial.

A decisão beneficia diretamente o filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, que foi a origem do apelo ao STF. Uma das queixas, de que Moro não corresponde ao esperado na segurança pública, parece mais desculpa do que uma razão, e começou a ter respostas há algumas semanas.

Moro colhe bons frutos do trabalho da Polícia Federal, que encontrou os hackers que invadiram mil telefones de autoridades, e conseguiu recuperar, nos seis primeiros meses deste ano, mais dinheiro de corrupção e lavagem do que em todo o ano passado.

Míriam Leitão: A indivisível união do país

- O Globo

Entre os fundamentos da República está a unidade da Federação. É dever constitucional do presidente defendê-la

O presidente da República tem que zelar pela unidade da Federação. Não pode discriminar um ente federado por razões políticas e ideológicas. Os estados são autônomos e seus governadores são eleitos pelo povo, portanto, têm legitimidade. Tudo isso está na Constituição que o presidente Jair Bolsonaro jurou respeitar. Ele diariamente descumpre algum preceito do ordenamento legal do país. O que ele tem falado e feito em relação ao Nordeste é perigoso.

Bolsonaro acusou os governadores nordestinos de querer a divisão do país, mas é ele que alimenta a desunião quando define os governadores da região com uma expressão preconceituosa e diz que o governador do Maranhão nada receberá dele. A unidade da Federação é uma das mais valiosas conquistas do país, que exigiu muito dos nossos antepassados para se consolidar. O artigo 78 da Constituição diz que o presidente da República tem o compromisso de “sustentar a união e a integridade” do Brasil.

Bolsonaro está escalando um conflito criado por ele com governadores nordestinos, apenas porque são de partidos de oposição. A disputa com os adversários, no campo político, se dá no Congresso Nacional na aprovação ou rejeição de propostas. Não pode se transformar em um conflito contra alguns estados na forma de distribuição discriminatória de recursos. Os impostos que são pagos à União pelos contribuintes não passam a ser propriedade do presidente. Ele não pode dispor deles, distribuí-los ou não, segundo a inclinação ideológica do administrador local.

É crime de responsabilidade, previsto no artigo 85, ameaçar “a existência da União” e atentar contra “o livre exercício dos poderes constitucionais das unidades da Federação”. Bolsonaro precisa refletir antes de falar, refletir duas vezes antes de agir, porque ele pode ameaçar valores caros demais ao país, um deles é o de que somos diferentes e unidos, somos 26 estados e o Distrito Federal integrantes da mesma Federação, com igualdade e autonomia. O povo de cada estado nordestino que escolheu um partido de oposição o fez democraticamente e não pode ser punido por isso. De todos os seus movimentos insensatos, esse talvez seja o mais perigoso.

Zuenir Ventura: Freud explica

- O Globo

Assim como Merval, acho que Bolsonaro não dispõe de superego, ou seja, não tem autocrítica ou o que, em bom português, se chama de desconfiômetro. Ego ele tem até avantajado; alter ego, pelo menos três, os filhos políticos; mas no seu sistema psíquico inexiste aquela instância que Freud classificou como a responsável por reprimir ou domar os instintos primitivos.

Nenhum medo do ridículo, nem pudor das incongruências. Ele mente até quando tenta desmentir, como faz com fatos históricos como o golpe de 64 (ora afirma que não houve, ora que devia ter matado, em vez de torturar). “Não estou preocupado com críticas, tá okey?”, ele já disse. O presidente não dispõe de uma voz interior para advertir baixinho: “Não fala isso que é besteira”. Ele reage aos fatos por reflexo, não por reflexão, automaticamente, como se estivesse batendo continência. Não pensa antes de falar.

 Daí a frequência com que é obrigado a voltar atrás, e muitas vezes voltar atrás de voltar atrás. Quando há meses escrevi que ele sofre de incontinência verbal, houve protestos como se fosse um absurdo.

Há quem ache que existe lógica nas maluquices. Desconfio que não, e nem só porque ele disse à repórter Jussara Soares: “Eu sou assim mesmo, não tem estratégia”. Respeito os que defendem a hipótese, mas que tática é essa que lhe faz perder popularidade? Desde Collor, Bolsonaro é o presidente que teve o pior índice de aprovação nesses 200 e poucos dias de governo — período que em geral é considerado de lua de mel.

O jurista Miguel Reale Jr., um dos autores do pedido de impeachment de Dilma, é taxativo: acha que agora é caso de “interdição” (...) “estamos diante de um quadro de insanidade dos mais absolutos”. Recomenda, inclusive, reunir uma junta médica.

Qualquer que seja o resultado da discussão, não é edificante para o país saber se o presidente da República age assim por premeditação ou espontaneamente, devido ao seu modo tosco de ser.

Se aceita a sugestão da “junta médica”, não esquecer o psicanalista.

Bernardo Mello Franco: Cala boca não morreu

- O Globo

O governador Wilson Witzel está em campanha para impedir a realização de um debate sobre a desmilitarização da polícia. Motivo: não concorda com a tese em discussão

A censura acabou, mas esqueceram de avisara o governador do Rio. Wilson Witzel está em campanha para melar um debate com o antropólogo Luiz Eduardo Soares. Motivo: não concorda com a tese de seu novo livro.

Como o título indica, “Desmilitarizar” (Boitempo, 296 págs.) empunha a bandeira da desmilitarização da polícia. É uma proposta ousada, que o autor defende com dados e argumentos. Duas armas fora de moda, como indica a reação furibunda do governador.

Soares foi convidado a expor suas ideias no próximo dia 13, na Procuradoria-Geral da República. Em áudio enviado a grupos de PMs, Witzel ataca o evento e ameaça os procuradores envolvidos. “Devem ser severamente advertidos e punidos”, afirma.

O ex-juiz descreve o debate como “desvio de finalidade”. Parece não ter lido a Constituição, que cita o controle externo da atividade policial como atribuição do MP. Ele ainda acusa os procuradores de promoverem “atividade político-partidária”, como se as ideias fossem propriedade de partidos políticos.

Ricardo Noblat: Moro começa a balançar

- Blog do Noblat / Veja

De trunfo a fardo
Por ora, o presidente Jair Bolsonaro ainda o defende. Ou finge fazê-lo. Não faz tanto tempo assim que o rude capitão, refém dos seus instintos mais primitivos, admitiu sentir um grande prazer em fornecer corda para que auxiliares incômodos se enforquem.

Ainda não procede assim com o ministro Sérgio Moro, da Justiça. Mas se ele, por qualquer razão, decidisse pedir as contas e largar o emprego, já não faria tanta falta ao governo. Bolsonaro prestaria as homenagens de praxe e tocaria em frente.

Moro desgastou-se com a publicação de seus diálogos com procuradores da Lava Jato. Ficou provado que ele se comportou como juiz e assistente de acusação no processo que condenou Lula a 12 anos de cadeia, pena recentemente reduzida a 8 anos.

Desgastou-se em seguida com o caso dos hackers da República de Araraquara porque anunciou que eles haviam invadido mais de mil celulares, entre eles o de Bolsonaro. Não satisfeito, ainda ligou para alguns dos hackeados e ameaçou destruir provas do inquérito.

Bolsonaro topa qualquer briga como já demonstrou, e não sabe viver sem uma. Mas tudo o que ele não quer neste momento é briga com o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, a quem só se refere como “gente nossa”.

Tem razão para isso. Foi Toffoli que suspendeu as investigações sobre os rolos fiscais do senador Flávio Bolsonaro e do ex-motorista Fabrício Queiroz. E daí? Daí que a decisão de Toffoli foi criticada pelo presidente do COAF, homem de confiança de Moro.

De resto, o pacote de leis anticrime despachado por Moro para o Congresso, uma das joias da coroa do governo Bolsonaro, emperrou por lá e enfrenta a má vontade de deputados e senadores com o ex-juiz, visto por eles como o algoz dos políticos.

Pouco a pouco, antes considerado um trunfo precioso, Moro começa a ser avaliado como um fardo por Bolsonaro e sua trupe, nela naturalmente incluída os filhos. Um fardo que ainda é possível carregar, mas que amanhã poderá deixar de ser.

Cresce em Bolsonaro o sentimento de que pode tudo. Enquadrou a ala militar do seu governo. Derrubou o presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Declarou guerra à imprensa. Nomeará para a Procuradoria Geral da República quem quiser.

Moro? Moro que se cuide, mas não somente ele.

Deltan por um fio

Balança e deve cair
Vale nada, quase nada, a situação de Deltan Dallagnol como chefe do esquadrão de procuradores da Lava Jato em Curitiba depois da nova fornada de diálogos travados por ele seus colegas e publicados, ontem, pelo jornal El País em parceria com o site The Intercept.

O que pensa a mídia: Editoriais

Leia, abaixo, os editoriais dos jornais: Valor Econômico, O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo  e O Globo

Com MP, Bolsonaro tenta intimidar a imprensa: Editorial / Valor Econômico

O presidente Jair Bolsonaro não gosta do que lê nos jornais nem das críticas que sofre. Resolveu revidar ontem, editando Medida Provisória que altera lei aprovada pelo Congresso e sancionada por ele há quatro meses (a 13.818, de 24 de abril) e desobriga as empresas de capital aberto de publicarem demonstrações financeiras em jornais. A lei que foi modificada estabelecia que até 31 de dezembro de 2021 valeria a regra da Lei das Sociedades Anônimas, que determina publicação de balanços no Diário Oficial do Estado em que estiver situada a companhia e em um jornal de grande circulação nacional. Bolsonaro mencionou o Valor e, entre risos irônicos, disse esperar que o jornal "sobreviva à MP de ontem".

O presidente costuma inventar argumentos para atacar adversários ou interpretar o conteúdo do que lê de maneira singular. Ele disse ontem, após mencionar a MP 892 que assinara no dia anterior, que concedeu duas entrevistas ao Valor durante a campanha eleitoral e em uma delas a manchete era a de que sua proposta de política econômica era igual à da presidente Dilma Rousseff. Detalhe: o presidente não concedeu entrevistas ao jornal durante a campanha, apesar de procurado. Os únicos registros de entrevistas ao Valor datam de 2017 e não trazem tal referência. Articulistas em colunas de Opinião fizeram paralelos entre os dois em alguns episódios específicos, como o de quando o presidente interferiu diretamente na política de preços da Petrobras.

O atropelo à verdade pelo presidente tem sido recorrente, assim como sua campanha contra a imprensa. Bolsonaro reconheceu ontem em Itapira (SP) seu objetivo ao editar a MP: "No dia de ontem eu retribuí parte daquilo que grande parte da mídia me atacou".

Mas, mais do que buscar atingir a imprensa, o presidente mais uma vez passou por cima da Câmara dos Deputados e do Senado, que deliberaram sobre o assunto e aprovaram, após quatro anos de debates, um esquema de transição que eliminaria a obrigatoriedade de publicação de balanços integrais em jornais impressos e fixou prazo razoável de adaptação para que isso fosse feito.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse ontem que "retirar receitas dos jornais do dia para a noite" não lhe parece a melhor decisão. Ele destacou que não acha que Bolsonaro esteja sendo "atacado" pelos jornais, que "estão divulgando notícia" e que considera que o jornal impresso "ainda é instrumento muito importante da divulgação de informação, da garantia da liberdade de imprensa, da liberdade de expressão e da nossa democracia".

Na semana passada, o presidente foi criticado pelo decano do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, por também ter atropelado o entendimento do Congresso, ao lançar uma MP alguns dias depois de outra ter sido rejeitada, com a mesma finalidade de retirar a demarcação de terras indígenas da Funai e transferi-la para o Ministério da Agricultura. Mello viu na atitude de Bolsonaro o sinal de haver, "na intimidade do poder, um resíduo de indisfarçável autoritarismo". A edição da nova MP confirma a percepção do ministro do STF.

Não há a mínima questão de urgência ou relevância que justifique o uso de medida provisória para tratar do assunto. O presidente utilizou seus poderes legais para tentar constranger financeiramente jornais pelo fato de eles publicarem críticas ou avaliações negativas de seu governo, um fato corriqueiro em regimes democráticos. A MP 892 não vai mudar em nada a atitude dos jornais independentes, que não se pautam por objetivos políticos, como o presidente acredita.

Os impulsos autoritários do presidente causam problemas para o próprio governo. No início da discussão da reforma da Previdência, Bolsonaro disse que por ele a reforma jamais seria feita, maneira estranha de defender a primeira e mais relevante batalha de seu governo. Agora, quando a reforma tributária adentra o Congresso, com enormes obstáculos à frente, Bolsonaro ataca os governadores do Nordeste em seu conjunto - e os governadores tiveram papel decisivo para enterrar todas as tentativas que passaram pelo Congresso.

A equipe econômica valoriza e pretende incentivar o mercado de capitais, enquanto o presidente, com a MP, vai, como diz nota da Associação Nacional de Jornais, "na contramão da transparência de informações exigida pela sociedade". Ele se orgulha de retirar custos de publicação das empresas, mas se esquece dos atuais e futuros acionistas, que buscam cada vez mais informações facilmente disponíveis diante da arrancada da bolsa de valores. A palavra está novamente com o Congresso, que tem a oportunidade de reafirmar o entendimento anterior como a melhor solução para a questão.

Poesia / Mario Benedetti: Por que cantamos

Se cada hora vem com sua morte
se o tempo é um covil de ladrões
os ares já não são tão bons ares
e a vida é nada mais que um alvo móvel

você perguntará por que cantamos
se nossos bravos ficam sem abraço
a pátria está morrendo de tristeza
e o coração do homem se fez cacos
antes mesmo de explodir a vergonha
você perguntará por que cantamos
se estamos longe como um horizonte
se lá ficaram árvores e céu
se cada noite é sempre alguma ausência
e cada despertar um desencontro
você perguntará por que cantamos
cantamos porque o rio está soando
e quando soa o rio / soa o rio
cantamos porque o cruel não tem nome
embora tenha nome seu destino

Música / Caetano Veloso: Oração ao tempo