quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Bernardo Mello Franco: Cala boca não morreu

- O Globo

O governador Wilson Witzel está em campanha para impedir a realização de um debate sobre a desmilitarização da polícia. Motivo: não concorda com a tese em discussão

A censura acabou, mas esqueceram de avisara o governador do Rio. Wilson Witzel está em campanha para melar um debate com o antropólogo Luiz Eduardo Soares. Motivo: não concorda com a tese de seu novo livro.

Como o título indica, “Desmilitarizar” (Boitempo, 296 págs.) empunha a bandeira da desmilitarização da polícia. É uma proposta ousada, que o autor defende com dados e argumentos. Duas armas fora de moda, como indica a reação furibunda do governador.

Soares foi convidado a expor suas ideias no próximo dia 13, na Procuradoria-Geral da República. Em áudio enviado a grupos de PMs, Witzel ataca o evento e ameaça os procuradores envolvidos. “Devem ser severamente advertidos e punidos”, afirma.

O ex-juiz descreve o debate como “desvio de finalidade”. Parece não ter lido a Constituição, que cita o controle externo da atividade policial como atribuição do MP. Ele ainda acusa os procuradores de promoverem “atividade político-partidária”, como se as ideias fossem propriedade de partidos políticos.

Nem a geografia conteve o arroubo autoritário de Witzel. A sede da PGR fica em Brasília, a 1.181 quilômetros do Palácio Guanabara. O governador não se contenta em posar de uniforme do Bope. Também quer dar um “tiro na cabecinha” da liberdade de expressão.

O movimento pró-censura já tem adeptos. O senador Major Olímpio, líder do PSL, prometeu “providências” para cancelar o evento. Ele conclamou comandantes das PMs a recolherem os agentes que fazem segurança para o Ministério Público. “Vamos tirar tudo”, ameaçou.

A campanha contra o debate surpreendeu o subprocurador-geral Domingos Dresch, que participará da mesa. Ele afirma que o evento está mantido. “O modelo de polícia é um assunto que interessa a toda a sociedade. Por que não poderíamos discuti-lo?”, questiona.

Há 19 anos, Soares entrou na mira de aliados de Witzel ao denunciar a “banda podre” da PM do Rio. Agora ele se diz preocupado com um “ensaio geral para a volta da censura”. “Entendo que o governador seja contrário à minha proposta, mas tentar impedir o debate é uma aberração”, critica.

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