Luiz Gonzaga Beluzzo
DEU NO VALOR ECONÔMICO
A marca registrada das crises capitaneadas pela finança é o colapso dos critérios de avaliação da riqueza que vinham prevalecendo. As expectativas dos possuidores de riqueza capitulam diante da incerteza e não é mais possível precificar os ativos. Os métodos habituais que permitem avaliar a relação risco/rendimento dos ativos sucumbem diante do medo do futuro. A obscuridade total paralisa as decisões e nega os novos fluxos de gasto. Em tais circunstâncias, a tentativa de redução do endividamento e dos gastos de empresas e famílias em busca da liquidez e do reequilíbrio patrimonial é uma decisão "racional" do ponto de vista microeconômico, mas danosa para o conjunto da economia, pois leva necessariamente à deterioração dos balanços. É o paradoxo da "desalavancagem".
A riqueza concentra-se, agora, na posse do dinheiro em si (ou substitutos próximos, os títulos da dívida pública). Essa corrida privada para as formas imaginárias, mas socialmente incontornáveis do valor e da riqueza vai afetar negativamente a valorização e a reprodução da verdadeira riqueza social, ou seja, a demanda de ativos reprodutivos e de trabalhadores. Diante da busca coletiva pela liquidez, os preços inflados dos direitos sobre a riqueza real - ações e dívidas privadas - despencam e, não raro, arrastam os preços de bens e serviços.
Depois do colapso financeiro deflagrado pela quebra do Lehman Brothers, os preços dos ativos privados foram atropelados pelos mercados em pânico, na busca impossível da desalavancagem coletiva. Vendedores em fúria e compradores em fuga fizeram evaporar a liquidez dos mercados e prometiam uma deflação de ativos digna da Grande Depressão dos anos trinta. As intervenções dos bancos centrais e dos Tesouros, sobretudo nos Estados Unidos, conseguiram, aos trancos, barrancos e trombadas legais, estancar a rápida deterioração das expectativas. Contrariando os augúrios mais pessimistas, a ação das autoridades foi capaz de afetar positivamente as taxas do interbancário e restabelecer as condições mínimas de funcionamentos dos mercados monetários.
A reação das autoridades dos países desenvolvidos, no entanto, foi menos eficaz para restabelecer a oferta de crédito no volume desejado e impotente para reanimar o dispêndio das famílias e dos negócios. Empresas e consumidores trataram de cortar os gastos (e, portanto a demanda de crédito) para ajustar o endividamento contraído no passado à renda que imaginam obter num ambiente de desaceleração da economia e de queda do emprego.
A economia real nos Estados Unidos e na Europa segue em compasso de espera. Como bem observou o economista Willem Buiter, os otimistas vacilam na matemática ao confundir a primeira derivada - negativa - com a segunda, positiva. Isso significa que o produto e o emprego seguem em declínio, mas a uma velocidade menor.
Seja como for, as injeções de liquidez, os programas de compra de ativos podres, as garantias oferecidas pelas autoridades e a capitalização das instituições financeiras não fizeram pouco. Além de construir um piso para a deflação de ativos, as intervenções de provimento de liquidez suscitaram, diriam os keynesianos, um movimento global no interior da circulação financeira. O inchaço da circulação financeira teve efeitos mesquinhos sobre a circulação industrial, ou seja, sobre a movimentação do crédito e da moeda destinada a impulsionar a produção e o emprego.
DEU NO VALOR ECONÔMICO
A marca registrada das crises capitaneadas pela finança é o colapso dos critérios de avaliação da riqueza que vinham prevalecendo. As expectativas dos possuidores de riqueza capitulam diante da incerteza e não é mais possível precificar os ativos. Os métodos habituais que permitem avaliar a relação risco/rendimento dos ativos sucumbem diante do medo do futuro. A obscuridade total paralisa as decisões e nega os novos fluxos de gasto. Em tais circunstâncias, a tentativa de redução do endividamento e dos gastos de empresas e famílias em busca da liquidez e do reequilíbrio patrimonial é uma decisão "racional" do ponto de vista microeconômico, mas danosa para o conjunto da economia, pois leva necessariamente à deterioração dos balanços. É o paradoxo da "desalavancagem".
A riqueza concentra-se, agora, na posse do dinheiro em si (ou substitutos próximos, os títulos da dívida pública). Essa corrida privada para as formas imaginárias, mas socialmente incontornáveis do valor e da riqueza vai afetar negativamente a valorização e a reprodução da verdadeira riqueza social, ou seja, a demanda de ativos reprodutivos e de trabalhadores. Diante da busca coletiva pela liquidez, os preços inflados dos direitos sobre a riqueza real - ações e dívidas privadas - despencam e, não raro, arrastam os preços de bens e serviços.
Depois do colapso financeiro deflagrado pela quebra do Lehman Brothers, os preços dos ativos privados foram atropelados pelos mercados em pânico, na busca impossível da desalavancagem coletiva. Vendedores em fúria e compradores em fuga fizeram evaporar a liquidez dos mercados e prometiam uma deflação de ativos digna da Grande Depressão dos anos trinta. As intervenções dos bancos centrais e dos Tesouros, sobretudo nos Estados Unidos, conseguiram, aos trancos, barrancos e trombadas legais, estancar a rápida deterioração das expectativas. Contrariando os augúrios mais pessimistas, a ação das autoridades foi capaz de afetar positivamente as taxas do interbancário e restabelecer as condições mínimas de funcionamentos dos mercados monetários.
A reação das autoridades dos países desenvolvidos, no entanto, foi menos eficaz para restabelecer a oferta de crédito no volume desejado e impotente para reanimar o dispêndio das famílias e dos negócios. Empresas e consumidores trataram de cortar os gastos (e, portanto a demanda de crédito) para ajustar o endividamento contraído no passado à renda que imaginam obter num ambiente de desaceleração da economia e de queda do emprego.
A economia real nos Estados Unidos e na Europa segue em compasso de espera. Como bem observou o economista Willem Buiter, os otimistas vacilam na matemática ao confundir a primeira derivada - negativa - com a segunda, positiva. Isso significa que o produto e o emprego seguem em declínio, mas a uma velocidade menor.
Seja como for, as injeções de liquidez, os programas de compra de ativos podres, as garantias oferecidas pelas autoridades e a capitalização das instituições financeiras não fizeram pouco. Além de construir um piso para a deflação de ativos, as intervenções de provimento de liquidez suscitaram, diriam os keynesianos, um movimento global no interior da circulação financeira. O inchaço da circulação financeira teve efeitos mesquinhos sobre a circulação industrial, ou seja, sobre a movimentação do crédito e da moeda destinada a impulsionar a produção e o emprego.
Observa-se, no entanto, um rearranjo dentro do estoque de riqueza que responde aos preços esperados dos ativos "especulativos" por parte dos investidores que sobreviveram ao colapso da liquidez. Agarrados aos salva-vidas lançados com generosidade pelo gestor em última instância do dinheiro - esse bem público objeto da cobiça privada - os senhores da finança tratam de restaurar as práticas e operações de "normalização dos mercados", isto é, aquelas que levaram à crise.
Nas circunstâncias atuais, a realocação de carteiras favorece as bolsas, as moedas dos emergentes e as commodities, enquanto o dólar segue uma trajetória de declínio, depois da valorização observada nos primeiros meses de crise. Diante do frenesi que ora turbina as bolsas, as moedas dos emergentes e as commodities, não faltam prognósticos que anunciam o fim da crise e preconizam uma recuperação rápida da economia global, liderada pelos emergentes. Os movimentos observados no interior da circulação financeira, em si mesmos, não prometem à economia global uma recuperação rápida e brilhante, mas indicam que os mercados não temem a formação de novas bolhas de ativos nos mercados emergentes.
Buiter rejeita as dúvidas dos colegas sobre a possibilidade dos países desenvolvidos - sobretudo os Estados Unidos - de reequilibrarem os respectivos balanços de pagamentos. Sarcástico, ele dispara contra a afirmação de que os Estados Unidos e outros países desenvolvidos com déficits externos crônicos não podem corrigir seus desequilíbrios externos porque nada têm a exportar. Segundo Buiter, essa constatação é incorreta. Eles podem, sim, exportar crédito, explosão de preços de ativos e bolhas com a melhor tecnologia que possuem.
No rol de vencedores da batalha contra a depressão global, figuram em posição de respeito a China, a Índia e o Brasil, cada qual com suas forças e fragilidades. Entre as fragilidades, sobressaem a pressão para valorização das moedas nacionais e as ações de esterilização dos governos, com efeitos indesejáveis sobre a dinâmica da dívida pública dos países receptores da "chuva de dinheiro externo". Tais inconvenientes são particularmente danosos nos países com taxas de juros reais desalinhadas e métodos de intervenção inadequados nos mercados cambiais. Seja como for, a crise demonstrou que, na ausência de um emprestador de última instância internacional, a acumulação de reservas e a defesa da taxa de câmbio, a despeito dos custos, é uma forma racional de proteção para cada país individualmente.
Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras. Este mês, excepcionalmente, na quarta-feira.
Nas circunstâncias atuais, a realocação de carteiras favorece as bolsas, as moedas dos emergentes e as commodities, enquanto o dólar segue uma trajetória de declínio, depois da valorização observada nos primeiros meses de crise. Diante do frenesi que ora turbina as bolsas, as moedas dos emergentes e as commodities, não faltam prognósticos que anunciam o fim da crise e preconizam uma recuperação rápida da economia global, liderada pelos emergentes. Os movimentos observados no interior da circulação financeira, em si mesmos, não prometem à economia global uma recuperação rápida e brilhante, mas indicam que os mercados não temem a formação de novas bolhas de ativos nos mercados emergentes.
Buiter rejeita as dúvidas dos colegas sobre a possibilidade dos países desenvolvidos - sobretudo os Estados Unidos - de reequilibrarem os respectivos balanços de pagamentos. Sarcástico, ele dispara contra a afirmação de que os Estados Unidos e outros países desenvolvidos com déficits externos crônicos não podem corrigir seus desequilíbrios externos porque nada têm a exportar. Segundo Buiter, essa constatação é incorreta. Eles podem, sim, exportar crédito, explosão de preços de ativos e bolhas com a melhor tecnologia que possuem.
No rol de vencedores da batalha contra a depressão global, figuram em posição de respeito a China, a Índia e o Brasil, cada qual com suas forças e fragilidades. Entre as fragilidades, sobressaem a pressão para valorização das moedas nacionais e as ações de esterilização dos governos, com efeitos indesejáveis sobre a dinâmica da dívida pública dos países receptores da "chuva de dinheiro externo". Tais inconvenientes são particularmente danosos nos países com taxas de juros reais desalinhadas e métodos de intervenção inadequados nos mercados cambiais. Seja como for, a crise demonstrou que, na ausência de um emprestador de última instância internacional, a acumulação de reservas e a defesa da taxa de câmbio, a despeito dos custos, é uma forma racional de proteção para cada país individualmente.
Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras. Este mês, excepcionalmente, na quarta-feira.
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