Enquanto praças públicas de algumas das principais capitais europeias -
especialmente Madri, Atenas, Lisboa, Roma, Paris, Bruxelas e Amsterdã - eram
sacudidas por enormes manifestações de protesto contra o excesso de austeridade
e o desemprego, os novos números macroeconômicos confirmavam o que já era
esperado: o afundamento de toda a área do euro na recessão econômica.
Ontem, a Eurostat, organismo encarregado das estatísticas econômicas da área
do euro, revelou que o bloco repetiu o recuo do Produto Interno Bruto (PIB)
pelo terceiro trimestre seguido (veja o gráfico). É o que os especialistas em
Macroeconomia identificam como estado de recessão, ou seja, situação de
retração da atividade econômica, da produção e da renda. Pior que tudo, não há
nenhum sinal claro de saída da crise - o que, provavelmente, é ainda mais
desanimador. Os analistas são unânimes em dizer que essa crise dura pelo menos
mais dois ou três anos.
Mesmo com ampla ajuda do Estado do bem-estar social, que proporciona
seguro-desemprego, atendimento de saúde e educação básica, por toda parte na
Europa irrompem protestos contra a imposição de um regime de sacrifícios
insuportáveis.
Há 236 anos foi editada pela primeira vez a obra fundamental de Adam Smith,
A Riqueza das Nações. Com ela, foi colocado em marcha um processo de obtenção
de conhecimentos sistemáticos de Economia Política. De lá para cá, tanto
economistas como políticos passaram a ter à sua disposição enorme acervo de
experiências e de práticas que ajudam a enfrentar um panorama como o de hoje.
Mas os governos da Europa não têm obtido um ajuste rápido para a atual
situação.
Já são mais de quatro anos de crise, com muitos projetos e discursos
destinados a chamar à atenção e a dar prioridade ao avanço econômico, e, no
entanto, tudo o que se tem conseguido é apertar e reapertar os cintos e
distribuir a conta para a população. Vêm-se pagando os estragos com perda de
renda e desemprego.
O presidente da França, François Hollande, por exemplo, baseou sua campanha
eleitoral deste ano no crescimento econômico e, no entanto, tem colhido avanços
ligeiramente acima de zero. O do terceiro trimestre foi de somente 0,2%.
A atual crise é cruel principalmente para o trabalhador e para o consumidor
de classe média. A partilha de uma moeda comum, o euro, impede o ajuste baseado
na desvalorização das moedas nacionais - algo que amorteceria a dor do processo
de derrubada de salários e aposentadorias. O ajuste agora tem de vir sem
anestesia.
Poderia ter sido e ser diferente? Sempre poderia. Mas uma solução menos
dolorosa teria que ser alcançada mediante a costura de um amplo acordo político
que permitisse a unificação dos orçamentos (união fiscal) e transferências de
recursos entre membros do bloco. Ou seja, a recuperação da área do euro teria
sido mais fácil se o bloco inteiro convergisse para uma unidade política, o que
pressupõe delegação (e perda) de soberania. Seria um passo que restabeleceria a
confiança e mobilizaria os capitais necessários para financiar boa parte dos atuais
rombos orçamentários. Na falta desse superacordo, sobra o sacrifício - e o
esperneio que se vê nas capitais da Europa.
Fonte: O Estado de S. Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário