sexta-feira, 24 de junho de 2016

Lei aprimora governança de estatais e embaralha licitações – Editorial / Valor Econômico

A lei de responsabilidade das estatais aprovada pelo Congresso, com restituição pelo Senado de pontos do projeto original alterados pela Câmara dos Deputados, traz avanços institucionais em meio à cambulhada de assuntos não necessariamente correlatos e amarfanhados em 98 artigos. Dois terços da lei, ou quase 60 artigos, dizem respeito ao regime de licitação das empresas públicas e de economia mista, sobrepondo-se à lei de licitação ou ao polêmico regime diferenciado de contratação (RDC) que já disciplinam o assunto. Como as licitações no Brasil são o que são - fontes permanentes de escândalos - essa ampla seção do projeto merece atenção dos especialistas.

O resultado híbrido decorre das várias origens dos projetos. Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Renan Calheiros (PMDB-AL), ambos envolvidos na Operação Lava-Jato, patrocinaram um texto a respeito. O PSDB apresentou outro, centrado na governança. E ambos desaguaram em um projeto já em andamento no Senado, com relatoria do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).


Ainda que vários advogados tenham reclamado de que bastaria cumprir integralmente as leis existentes sobre governança, que são suficientes, e que não seria necessário um novo dispositivo legal, a lei que o presidente interino Michel Temer promete sancionar inova para melhor em vários aspectos. Ela deixa explícita a exigência de quarentena de 36 meses para dirigentes de partidos ou políticos envolvidos em campanhas eleitorais, o que coloca uma barreira, certamente transponível, para a bandalheira de nomeação de pessoas desqualificadas ou mau intencionadas na direção das estatais - uma das origens da corrupção sistêmica no país.

A exigência de experiência mínima de dez anos em área correlata à da estatal, ou de 4 anos em cargo de direção ou chefia, devem ser vistas pelo mesmo critério. Por certo, são burocráticas e impedem que pessoas muito competentes, que não atendam a esses requisitos, cheguem ao topo das empresas públicas ou de economia mista. Mas essa probabilidade, que existe, é significativamente menor que outra, a de que, na ausência desse dispositivo, os cargos continuem sendo, como hoje, loteados por barganhas políticas da pior espécie.

Afora isso, a lei reforça o papel da auditoria e fiscalização na direção das estatais, impedindo cumulatividade de cargos em Conselhos de Administração (máximo dois), expediente usado para elevar salários de funcionários e ministros. Prevê, por exemplo, que o estatuto social das companhias permita que a área de compliance "se reporte diretamente ao Conselho de Administração (CA) em situações em que se suspeite do envolvimento do diretor-presidente em irregularidades ou se furtar à obrigação de adotar medidas necessárias". E obriga a que os CAs seja composto em 25% por conselheiros independentes, que não podem ter sido fornecedores ou prestadores de serviço à estatal. No caso da prestação de informações relevantes ao público, a lei reforça a transparência e tempestividade.

A lei é mais aberta a interpretações e mais sujeita a disputas jurídicas nos longos capítulos dedicados às regras de licitação e compras por parte das empresas públicas e de sociedades de economia mista. Ela estende a todas as áreas a contratação integrada, criada pelo Regime Diferenciado de Contratação, cuja finalidade inicial era atender as obras para a Copa e Jogos Olímpicos. Depois ele foi estendido às obras do PAC, dos serviços ao SUS e ao sistema educacional. Agora, abre-se a porteira para seu uso indiscriminado. O regime facilita a contratação de verdadeiras "caixas pretas" integralmente oferecidas pelos fornecedores à administração pública, colocando todos os riscos posteriores relacionados às obras e serviços nas mãos das empresas.

A lei traz itens curiosos, como o da modificação dos contratos de licitação (parágrafo 1 do inciso VI do artigo 81). Nele consta que "o contratado poderá aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50%. para os seus acréscimos".

A nova lei agora cria mais um instrumento legal onde já existiam dois. Pode conflitar com eles e abre o flanco a contestações judiciais, por um lado, e ao arbítrio ao administrador público, que é o que se deveria evitar.

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