Por Diego Viana | Para o Valor Econômico
Se for confirmado o impeachment de Dilma Rousseff no Senado, será a 18ª vez que um presidente da América Latina deixa o cargo antes do fim do mandato, desde o início do atual ciclo democrático da região, nos anos 80. Conhecido como "colapso presidencial", o fenômeno representa um novo capítulo nas instabilidades institucionais da política do continente, segundo a cientista política argentina Mariana Llanos.
Em outras épocas, um conflito de poderes levava à interrupção da democracia e à instalação de uma ditadura. Hoje, os presidentes podem cair - de modo legítimo ou não -, mas o regime democrático prossegue, diz a pesquisadora. Um elemento determinante para a queda de presidente é a perda da coalizão que o elegeu. Assim como pode ocorrer com Dilma, outros líderes, como o boliviano Hernán Siles Zuazo (1914-1996), que renunciou em 1985, e o paraguaio Fernando Lugo, removido em 2012, passaram pelo mesmo processo.
Mariana é pesquisadora sênior do Instituto Giga de Estudos Latino-Americanos, em Hamburgo, Alemanha. Em 2010, coeditou o livro "Presidential Breakdowns in Latin America" (colapsos presidenciais na América Latina).
• Valor: Desde 1985, 17 presidentes latino-americanos deixaram seus cargos antes do fim do mandato. É um sinal de fragilidade dos sistemas políticos que esses países adotaram?
Mariana Llanos: Todos os casos foram situações muito difíceis, mas é interessante notar que nenhum deles implica colapso da democracia, como era. Antes, um presidente caía e era instalado regime autoritário. Agora, um presidente cai, mas a democracia persiste. Especialistas usam expressões como instabilidade, interrupção, falha ou colapso presidencial para marcar essa diferença. Algo mudou na última onda de redemocratização. Aníbal Pérez-Liñán [cientista político argentino radicado nos EUA] diz que as mesmas causas de colapso das democracias do passado provocam crises presidenciais. A instabilidade presidencial pode até ser considerada progresso, se pensarmos que, em outras partes do mundo, os golpes e os colapsos da democracia seguem vivos.
• Valor: Quais são as diferenças e as semelhanças entre esses casos?
Mariana: Siles Zuazo [Bolívia] e Raúl Alfonsín, da Argentina [1989], deixaram o poder quando estourou uma hiperinflação. Não foi o caso com Lugo [Paraguai, 2012], Otto Pérez Molina [Guatemala, 2015] ou Manuel Zelaya [Honduras, 2009]. Mas uma situação econômica difícil, um escândalo de corrupção, por exemplo, ou insatisfação popular, com mobilizações de rua, pode se tornar difícil de lidar para presidentes, ainda mais se todos esses problemas chegam juntos. Mas há outro fator importante: a situação institucional do presidente.
• Valor: O que isso significa?
Mariana: No presidencialismo, o presidente e o Congresso são eleitos diretamente para mandatos fixos, e o partido do presidente não tem necessariamente maioria no Congresso. Assim, conflitos podem ocorrer. O politólogo Juan Linz [1926-2013] mostrou que é difícil encontrar soluções para esses conflitos. Qual ramo do governo deve prevalecer, se ambos têm o mesmo status, tendo sido eleitos diretamente? É por isso que são feitas coalizões, tentando oferecer aos presidentes a chance de aprovar seus projetos no Congresso. São inovações bem-sucedidas, que fizeram o presidencialismo funcionar. Um traço que essas quedas de presidentes têm em comum é que algo deu errado nas relações entre Executivo e Congresso. O colapso da coalizão, por exemplo. O problema é intensificado em um contexto de crise que afeta a popularidade do presidente.
• Valor: Um dos problemas que afetaram Dilma Rousseff foi a perda da coalizão. Essa perda resulta só de falhas da gestão ou existe uma tendência de rompimento nas coalizões, com o tempo?
Mariana: Não existe essa tendência necessariamente. Em casos como esse, há dois problemas típicos centrados no governo. Primeiro, suas decisões políticas anteriores. O país passa por dificuldades econômicas que muitos podem atribuir a seu governo. Isso afeta a popularidade e pressiona a coalizão. As rivalidades latentes começam a aparecer. Segundo, os problemas de liderança. Isso diz respeito ao estilo, habilidade e disposição do presidente para administrar a coalizão no dia a dia. Muitos presidentes têm problemas por ser muito propensos ao confronto ou por ter um estilo imperial que negligencia parceiros importantes. Ou ainda, presidentes inativos, que nada fazem perante uma crise.
• Valor: Diz-se que o presidente detém muito mais poder que o Legislativo. Como é possível que tantos presidentes caiam?
Mariana: O presidencialismo tem muitas faces. A superioridade do Executivo está gravada nas Constituições, por exemplo nos decretos com força de lei. Os presidentes são mais poderosos quando combinam esses poderes constitucionais com sólidas maiorias no Congresso, mas podem surgir problemas quando os poderes constitucionais e políticos não combinam. Diante de oposição no Congresso, um presidente fica tentado a usar os poderes constitucionais para contornar os legisladores, e pode entrar em apuros por isso.
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