- Valor Econômico
Produtividade seguirá baixa sem melhora da qualidade do ensino
A péssima qualidade da educação brasileira é uma das causas da baixa produtividade do país. Sem tornar a economia mais produtiva, o país não conseguirá crescer a taxas mais elevadas de modo sustentado. Nesse cenário, os rumos da educação no atual governo terão peso importante para definir a capacidade de crescimento do país no médio e no longo prazo. Até o momento, os sinais emitidos pela gestão do ministro Ricardo Vélez Rodríguez são preocupantes e desanimadores. Há um risco elevado de o país desperdiçar tempo e energia com medidas que passam longe dos principais desafios da área, como os graves problemas de aprendizagem na educação básica.
Em seu discurso de posse, Vélez disse que uma das prioridades será combater "com denodo o marxismo cultural hoje presente em instituições de educação básica e superior". Em entrevista à revista "Veja", afirmou ser "contra a ideologização precoce de crianças na escola". Uma das preocupações centrais do ministro e do presidente Jair Bolsonaro em relação à educação, o tema é visto como algo irrelevante pela grande maioria dos especialistas na área, assim como a promoção da ideologia de gênero - também criticada por Vélez em seu discurso.
Diretor de Políticas Educacionais do movimento Todos pela Educação, Olavo Nogueira Filho considera que não deve haver espaço para tentativas de ideologização ou coerção, qualquer que seja a idade do estudante. "Se isso ocorre, independentemente da escala, é preciso que seja enfrentado via mecanismos legais que, inclusive, já existem. Agora, não há evidência alguma de que isso seja um problema sistêmico e, mais do que isso, trata-se de uma discussão que passa absolutamente ao largo daquilo que é, de fato, central para mudarmos a qualidade da educação básica no país."
Dado o cenário gravíssimo da educação básica, o Brasil "não pode dedicar tamanho espaço para temáticas periféricas e que tiram o foco" do que deve ser prioridade, diz Nogueira. "Ou colocamos energia naquilo que é essencial para virarmos o jogo ou continuaremos a ver resultados vergonhosos que, em última instância, impedirão o Brasil de promover uma retomada econômica duradoura e a reversão do grave quadro social atualmente instalado no país."
O trabalho do economista americano Eric Hanushek, da Universidade Stanford, mostra que grande parte da diferença entre as taxas de crescimento de longo prazo dos países pode ser explicada por discrepâncias na qualidade da educação oferecida à sua população, ressalta Nogueira. "O estudo de Hanushek aponta que um aumento de 100 pontos no resultado médio de um país na avaliação internacional de desempenho escolar do Pisa [Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, na sigla em inglês] está associado a 2 pontos percentuais a mais na taxa de crescimento anual média do PIB per capita de um país."
A prioridade da área, na visão de Nogueira e diversos outros especialistas, é reverter o quadro de baixa aprendizagem na educação básica (que engloba a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio). Apesar de avanços nas últimas décadas, os números continuam sofríveis, diz o especialista. Segundo ele, 50% dos alunos no fim do 3º ano do ensino fundamental ainda não estão plenamente alfabetizados. "A evasão e a distorção idade-série permanecem altíssimas - de cada 10 jovens de 19 anos, 4 ainda não concluíram o ensino médio. E, daqueles que concluem, somente 9% alcançam aprendizagem adequada em matemática."
Como se vê, são dados alarmantes, que ajudam a explicar o mau desempenho dos estudantes brasileiros em testes internacionais como o Pisa. Para enfrentar esses problemas, Nogueira aponta sete medidas com base num trabalho coordenado em 2018 pelo Todos pela Educação com dezenas de especialistas. Quatro delas têm "natureza estruturante": a criação de um sistema de cooperação federativa, um novo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) que seja mais redistributivo, a continuidade da implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e mudanças profundas na carreira dos professores. Além disso, ele cita três medidas relativas a etapas da educação básica: uma abordagem inter-setorial para a primeira infância, uma nova política nacional de alfabetização que se inspire nos Estados que mostraram bons resultados nos últimos anos e a efetivação da reforma do ensino médio, aliada à expansão da jornada em tempo integral.
Em seu discurso de posse, Vélez destacou que a prioridade de sua gestão será a educação básica. Afirmou que, para atingir os objetivos, trabalha na formulação de políticas públicas cujos programas e ações sejam eficazes para combater o analfabetismo, ampliar e melhorar a educação em creches e pré-escolas e garantir o ingresso, a permanência e a conclusão dos estudos na idade certa, entre outras medidas. De modo genérico, são pontos importantes, mas faltam maiores detalhes sobre as propostas.
Ao falar sobre as prioridades da atual gestão do ministério, Nogueira avalia ser "positivo que já exista algum indicativo de que alfabetização será uma das prioridades e que o MEC terá um papel menos centralizador e que atuará prioritariamente de maneira indutora, coordenando e apoiando Estados e municípios na tarefa de melhorar a educação". No entanto, diz ele, "ainda são muito tímidas as sinalizações sobre os planos do MEC para levar a cabo essas ações e, mais do que isso, para efetivamente reverter o grave cenário de aprendizagem que assola o país - falta maior clareza e falta substância".
Nos próximos meses, as discussões sobre a reforma da Previdência vão concentrar as atenções no país. Sem ela, as incertezas em relação à sustentabilidade das contas públicas continuarão elevadas, impedindo a aceleração da economia. O problema é urgente e precisa ser enfrentado de imediato. As políticas educacionais, contudo, serão decisivas para definir se o país conseguirá crescer a um ritmo mais elevado num prazo mais longo. Até agora, as indicações do governo para a educação são preocupantes, faltando pragmatismo e bom senso numa área em que o Brasil não pode mais se dar ao luxo de errar.
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