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"Quando o presidente governa sozinho, tem mais dificuldade de aprovar reformas constitucionais"
Por Marcelo Ribeiro e Raphael Di Cunto | Valor Econômico
BRASÍLIA - Principal articulador da reforma da Previdência, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), avalia que a proposta está perdendo a batalha da comunicação. Os grupos de apoio ao presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais estão silenciosos desde que o projeto foi divulgado, enquanto os militantes da oposição batem em dois pontos que Maia tinha aconselhado o governo a deixar de fora para não contaminar o debate: a redução no benefício de prestação continuada (BPC) para idosos miseráveis e a aposentadoria do trabalhador rural.
"O BPC acaba sendo um instrumento onde o brasileiro pobre é usado por aqueles que têm aposentadoria muito acima das possibilidades do Estado brasileiro", afirmou ao Valor, na primeira entrevista exclusiva desde que a reforma foi divulgada.
Maia, que antes dizia ser possível votar a reforma em plenário em maio, já fala em prazo mais longo, provavelmente junho. Mesmo assim, avalia, só será possível se o governo organizar sua base. E para isso Bolsonaro precisa decidir como fará para governar. Ele diz que o presidente precisa mostrar aos parlamentares que o bônus da reforma (investimentos e recuperação da economia) serão compartilhados entre os atores políticos, pois as eleições de 2020 e 2022 já estão na roda de negociações.
A falta de uma base sólida tem dificultado até a elaboração da pauta de plenário e atrasará outros projetos, como a autonomia do Banco Central. No horizonte do presidente da Câmara estão ainda a prorrogação do prazo para os Estados pagarem precatórios, os repasses da Lei Kandir, a regulamentação do lobby e a legalização de jogos de azar em resorts turísticos.
A demissão do ministro Gustavo Bebianno, da Secretaria-Geral da Presidência, seu principal interlocutor no Palácio do Planalto, não será um problema, garante, desde que a fritura pública não ser torne um método que leve a desconfiança com o presidente. As conversas serão com o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, de quem se distanciou há dois anos e que trabalhou contra sua reeleição. Ao finalizar a entrevista na residência oficial, Maia faz questão de abrir a porta para mostrar os convidados do almoço de domingo: Onyx e sua esposa, além do secretário especial da Previdência, Rogério Marinho. "E vocês disseram que estamos brigados", afirmou.
Confira os principais trechos da entrevista:
Valor: Qual sua opinião sobre a reforma enviada? Foi muito exagerada, sabendo que pontos como o BPC e a aposentadoria rural iriam gerar resistências?
Rodrigo Maia: O BPC acaba sendo um instrumento onde o brasileiro pobre é usado, como foi nos últimos anos, por aqueles que têm aposentadoria muito acima das possibilidades do Estado Brasileiro. Mais do que avaliar se foi errado ou certo, precisamos pensar: quanto contamina o debate mais relevante dessa matéria? A comunicação formal do governo não resolverá esse enfrentamento de falsas informações. A guerrilha está no celular, nas redes sociais e o que estou vendo até agora, alertei o Rogério Marinho, é que ou o governo ou partido do presidente têm que organizar o enfrentamento.
Valor: Como assim?
Maia: O coordenador de um grupo de WhatsApp em que me colocaram na época da campanha é um coronel bolsonarista que está há três dias sem tratar do assunto. Falei para o Marinho: ou vocês vão dar argumentos para esse cara defender a reforma ou o risco de o tema estar contaminado em 30, 40 dias não é pequeno. No dia em que o presidente foi à Câmara, contei uma conversa minha com um caminhoneiro que mandou um vídeo do presidente de uma associação de juízes dizendo que ele ia morrer antes de se aposentar. Eu falei: amigo, você está sendo instrumento desse juiz aí, que não está explicando qual é o interesse pessoal dele nisso. Só que eu sou só um. O governo deveria dar discurso aos seus apoiadores, que estão meio silenciosos nas redes. Pessoal não está conseguindo responder aos vídeos de quando Bolsonaro era contra idade mínima aos 65 anos e agora é a favor. Ele tem que ir para as redes, pela capacidade de comunicação simples e objetiva que tem, para rebater isso.
Valor: O senhor repassou ao governo os pontos com mais resistência?
Maia: O nosso risco não é o mérito da matéria. Se o debate for feito de forma transparente, com lealdade entre as partes, tenho certeza que 80% do que está na reforma pode ser aprovado, 90%. Como o enfrentamento não é transparente, se o governo ou a estrutura da comunicação do presidente não entrarem no enfrentamento nas redes, tem um risco muito grande de perder votos.
Valor: O governo errou ao incluí-los ou trata-se da estratégia de colocar o bode na sala para tirar?
Maia: O mundo mudou muito. As informações demoravam a chegar. Quando você colocava um bode na sala, tinha tempo de tirar antes de contaminar a sociedade. A comunicação agora está tão rápida que às vezes, por mais que você tire [o bode] depois, não consegue mais reorganizar a votação. O que temos que discutir na comissão é: conseguimos equilibrar o sistema sem a questão da aposentadoria rural e do BPC ou não? Não quero nesse momento tirar nem colocar nada na reforma, mas vamos ver direitinho os prós e contras de cada artigo do projeto. Na aposentadoria rural, tem um motivo que é o impacto fiscal importante, mas estão enfrentando o maior problema na medida provisória [MP] antifraude. Do BPC tem que estudar.
Valor: A proposta para o regime de capitalização não torna obrigatória a contribuição das empresas, deixa como opção. O senhor concorda?
Maia: Acho que tem que se montar um sistema misto onde você garanta a renda mínima de todo mundo. Pelas contas de alguns economistas, quem recebe até três salários mínimos não consegue capitalizar o suficiente para ter um salário mínimo de aposentadoria. Um sistema puro de capitalização, em um país com tanta desigualdade e miséria, é difícil. A partir de um certo valor, não, porque a pessoa consegue capitalizar o mínimo necessário. A questão sobre contribuição patronal precisa ser discutida, mas se abriu a possibilidade, ele não está contra.
Valor: A decisão de enviar depois o projeto sobre as regras dos militares atrapalha a tramitação?
Maia: Disse ao Onyx que se não encaminhar, vai atrasar. O governo pode ficar tranquilo que votaremos as duas na mesma semana no plenário, não há chance de votar uma e deixar a outra parada.
Valor: O senhor tinha falado em votar em maio. Vai atrasar?
Maia: Não mandaram a dos militares, então na semana que vem, mesmo que eu chame para instalar as comissões, não vai. O governo terá que, quando instalar a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), estar preparado para garantir quórum às segundas e sextas-feiras. Não é uma equação tão simples. A única vantagem é que, neste governo, tem um grupo maior de parlamentares de vários partidos que defende a reforma. Meu sentimento é que terá mais gente ajudando. Pelo menos uns 30, 40 deputados querem fazer o enfrentamento. Na legislatura passada, eram seis, oito pessoas.
Valor: Então quando vota?
Maia: Acho que junho.
Valor: O senhor terá posição ativa na construção do apoio à reforma?
Maia: Tenho a compreensão pessoal de que o novo sistema previdenciário tem que ser criado. Aquilo que eu puder fazer, respeitando o limite como presidente da Câmara, vou fazer. Mas no nosso sistema, quando o presidente da República governa sozinho, tem mais dificuldade de aprovar reformas constitucionais do que quando governa com o Parlamento.
Valor: Como construir as bases nessas condições?
Maia: Os parlamentares precisam do seguinte: eu faço parte de um governo que vai aprovar uma reforma difícil de ser aprovada, mas meu eleitor sabe que esse governo, dando certo, fará investimentos. E entrará com força em 2020. Na eleição municipal, como é que o governo atuará no município de cada um de nós? É muito menos de fisiologismo, muito mais de composição da governabilidade. Se você quer governar sozinho, é legítimo. Meu pai foi prefeito do Rio e governou basicamente sozinho. Só que nunca pensou em mudar a lei orgânica do município porque sabia que não tinha base.
Valor: E como construir a base?
Maia: O ministro [da Infraestrutura] Tarcísio [Vieira] está montando de uma forma que vai dar certo. Está organizando o ministério e garantindo que os investimentos nos Estados vão passar pelos parlamentares que estiverem com o governo. Não tem cargo, não tem fisiologismo, mas quando for reformar uma estrada no Estado, ele anuncia como pedido do parlamentar. O parlamentar quer votar, quer estar na base, mas quer a clareza que governará junto.
Valor: Por que o senhor está propondo diálogo com os governadores?
Maia: Está chegando num ponto que, se não fizermos a reforma, explodirão as contas públicas do governo federal, dos prefeitos e governadores. Procurei eles porque construí boa relação com muitos, inclusive os de oposição. Todos têm muita clareza de que a reforma do regime público tem que ocorrer. No regime geral o BPC gera atrito. O governador [do Piauí] Wellington Dias mostrou que cresceu o déficit nos Estados de R$ 40 bilhões para R$ 80 bilhões em quatro anos.
Valor: Qual o pacote negociado?
Maia: Não tem pacote. O Congresso não pode aceitar que o Supremo tenha transferido para o Tribunal de Contas da União (TCU) arbitrar o valor dos repasses da Lei Kandir. Não é ali que o problema tem que ser resolvido. Disse para os governadores que é uma construção difícil porque o governo federal não tem dinheiro, então vamos olhar daqui para a frente. O próprio TCU já fez um estudo e mostrou que não é, não vou nem dizer que seja zero, mas não é do tamanho que alguns governadores imaginam. Quando um governo não tem coragem de reformar as contas do Estado, ele sempre virá a Brasília para que se arranje um fluxo de caixa de curto prazo para ele sobreviver e o próximo que cuide da reestruturação. Acabou, não tem mais espaço para isso.
Valor: O senhor já falou que o relator da reforma precisa ser uma construção de vários partidos. Quem será?
Maia: Não tem nada resolvido. Para mim não tem nenhum problema que seja do DEM, mas é construção coletiva. Não é ter apoio dos outros. Ninguém vai chegar pra um deputado e dizer "não quero que seja você". Mas quando vem a conversa política, é outra conversa. Então, não veto ninguém, mas não escolhi ainda. Meu tempo é a votação da CCJ.
Valor: O presidente será o deputado Mauro Benevides [PDT-CE]?
Maia: Uma coisa é a posição do Mauro, outra é a posição do PDT. Se avançar já na CCJ para alguns pontos bem claros de convergência entre a posição do PDT e a nossa, seria muito bom que o PDT pudesse presidir a comissão com o Mauro, que entende do tema e defenderá 90% do que está colocado. Na capitalização, ele vai numa linha mais próxima do que eu defendo, o sistema misto. Minha linha é mais parecida com a dele do que com a do governo.
Valor: O DEM contar com três ministérios dificulta que a relatoria fique com o partido?
Maia: O DEM não tem ministério, não indicou ministro nenhum. Tem bons quadros e não gerou dificuldade para que ocupassem dois ministérios importantes. O Onyx não ponho na conta do DEM, ele é de uma cota muito pessoal do presidente, é o único cara que acreditou no Bolsonaro em determinado momento.
Valor: Ele articulou bastante contra sua candidatura, a relação ainda está desgastada?
Maia: Não tem problema nenhum. Ele tentou muitas vezes que o DEM apoiasse o Bolsonaro e eu não achava que tinha que apoiar no primeiro turno de jeito nenhum. Foi legítimo dele pedir, foi legítimo da nossa parte discordar. Se foi assim quando ele precisava de apoio, também não posso atrapalhar o governo dele porque ele não me apoiou. A gente sabe que ele não me apoiou, mas sabe também que o governo não usou dos instrumentos que poderia para me atrapalhar Não ganhei? Ganhei, então tô bem. Construção minha, não foi do governo nem de ninguém. Construção minha com os partidos, um a um, pelo que eu já tinha construído. Já tive ótimos momentos com o Onyx no DEM. Tivemos problema nas 10 Medidas [Contra a Corrupção] porque ele acha que atrapalhei o relatório dele, eu acho que ele atrapalhou o relatório dele. Ele se afastou por isso, mas nunca trabalhei contra ele, poderia ter trabalhado para afasta-lo do diretório do Rio Grande do Sul, nunca fiz isso. Ele se afastou, eu me afastei, é democrático.
Valor: Mas ele será seu interlocutor no Planalto?
Maia: Tem que ser. É o ministro da Casa Civil. Eu tinha boa relação com o Bebianno, mas nós não tinhamos como objetivo excluir o Onyx. Tanto que almoçamos juntos em janeiro.
Valor: A demissão do Bebianno, com a fritura pública, dificulta a relação de confiança com os deputados que o senhor defendeu?
Maia: Não foi bom, principalmente da forma como foi feita. Mas se ficar só nisso, ok. Se acontecer outro episódio parecido com esse, é um método, começa a ficar complicado. Não me parece isso. Pelo que entendi, a relação já vinha se deteriorando, tanto que ele acabou sendo ministro com muito menos poder do que a gente imaginou durante a campanha.
Valor: A demissão dele, mas a manutenção do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro, quando ambos estavam envolvidos nas denúncias das candidatas laranjas, é tratar com dois pesos e duas medidas?
Maia: A questão da cota de mulheres vai criar polêmica em muitos partidos. Ninguém estava preparado para dar 30% de recursos para elas. Em alguns casos deu problemas, em outros foi apenas que você não tinha o que fazer, deu o dinheiro para a mulher, ela produziu o material para ela, com o governador e presidente, e não teve voto. No Rio eu peguei todo o dinheiro das mulheres e coloquei numa candidata à reeleição. Eu sabia que ela ia ter voto, não corri nenhum risco. Para candidatas menores, coloquei R$ 2 mil, R$ 3 mil, porque sabia que não iam ter voto.
Valor: Todo começo de legislatura fala-se em reforma política. Por que essa está sendo diferente?
Maia: Já está se falando entre os partidos. Mas tem que avaliar o que é bom de fazer. Tem o fim de coligação [aprovado para 2020], que será mudança histórica na força dos partidos. Quem não tiver candidato majoritário está morto. Talvez isso tenha peso maior do que tratar de uma reforma e nesse debate alguém tentar voltar com a coligação.
Valor: Até votar a reforma, em junho, qual será a pauta do plenário?
Maia: Ainda estou pensando. Um dos problemas é que precisamos entender qual é o tamanho da base do governo, qual é a base. Têm temas quicando, mas que enquanto não tiver base não posso pautar que vai perder, como a autonomia do Banco Central. Meu sentimento: os deputados acham que não dá para derrotar a Previdência na CCJ, mas não veem a autonomia como algo tão importante. Eu acho que é, já estamos discutindo com o [futuro presidente do BC] Roberto Campos, mas se não tiver a base organizada, eles não vão querer discutir os impactos positivos. E tem outros debates, como os cassinos vinculados a rede hoteleira, separar isso do bingo e maquininhas. Nos resorts é mais fácil de fiscalizar, gera emprego, dobra os estrangeiros no Brasil e atrai R$ 20 bilhões em arrecadação.
Valor: O fim do foro privilegiado será pautado no plenário?
Maia: Sim. O problema é que fizemos um acordo com o [relator] Efraim [Filho] porque o texto do Senado estava muito aberto e ele tinha prometido mudar, mas não aguentou a pressão e aprovou a versão do Senado. Tem que voltar nos partidos e olhar o melhor momento para pautar a matéria.
Valor: E a nova Lei de Licitações?
Maia: Não está na pauta ainda, mas um grupo de deputados está discutindo um texto para ver se chegamos num consenso.
Valor: Qual será a tramitação dos projetos anticrime?
Maia: Vou discutir ainda, pode ser uma comissão especial. Mas tem que discutir outros temas, como o abuso de autoridade.
Valor: Fica para o fim do ano?
Maia: Não sei se é tão longe assim não. Esses temas, quando chegam com força, ou vota rápido ou depois morrem. Dá para votar. Se a linha não for a criminalização da política, não vejo problema de andarem. "Ah, ele mandou a criminalização do caixa dois". Todo mundo é a favor, já votamos isso aqui. Queremos regulamentar o caixa dois, regulamentar o lobby - que é outro projeto que a gente pode votar.
Valor: O senhor já defendeu que a venda da Embraer tem que passar pelo Congresso. Isso vai acontecer?
Maia: Continuo achando, mas ainda não consegui construir o argumento jurídico. A privatização foi construída de uma forma que passou pelo Senado. Como o Senado é que aprovava empréstimo [para capitalização da empresa], ele conseguiu, na pressão, que passasse pelo Senado, mas não pela Câmara. Do ponto de vista jurídico, não sei se tem espaço para isso, mas o correto seria passar pelas duas Casas.
Valor: O STF está julgando a criminalização da homofobia, pauta que deixa a bancada evangélica efervescente. Alguns ministros justificaram o voto favorável dizendo que o Congresso demora a legislar.
Maia: Essa é tese perigosa. O problema é o Supremo estar legislando, e nitidamente está. Os ministros estão criando um tipo penal por interpretação [da Constituição]. Falei com vários deles da gravidade disso, critiquei e alertei que trarão para o plenário da Câmara a discussão dos costumes antes da hora. Inevitavelmente terei que discutir esse tema, assim como o aborto, que o ministro Toffoli tirou da pauta [a descriminalização] e espero que não volte. Falo com muita tranquilidade. Em 2006 aprovei sozinho no plenário [a criminalização da homofobia] e o Senado arquivou. É uma decisão e não pode agora, porque não tem voto, dizer que a Câmara não legislou. Isso terá mobilização dos religiosos que não é boa para o Supremo. Não vou para o enfrentamento, tentar mudar a Constituição e restringir o poder da ADO [Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão], mas terei que legislar e num Congresso majoritariamente conservador. Aqueles que no STF têm visão liberal nos costumes e acham essa decisão histórica têm que tomar cuidado. Se agora acham que é uma vitória, a médio prazo pode significar retrocesso.
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