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Economista diz que, sem reforma da Previdência, empresas e pessoas voltarão ao modo de sobrevivência
Raquel Landim | Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - O economista José Roberto Mendonça de Barros diz não ter dúvidas: se o Congresso não aprovar a reforma da Previdência, o Brasil voltará para a recessão, que castigou o país do segundo trimestre de 2014 até o fim de 2016.
Um dos analistas que mais conhecem a realidade do chão de fábrica, ele afirma que as pessoas estão muito machucadas, com medo de gastar, e que os empresários que viram a falência de perto não vão investir se não estiverem muito seguros.
“Nunca foi tão claro que estamos diante de uma bifurcação. Ou voltamos a crescer com estabilidade ou afundamos de novo na mediocridade”, disse Mendonça de Barros, sócio da MB Associados e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no governo FHC.
Ele projeta crescimento de 2% para este ano e de 3% para 2020, se o governo aprovar a reforma ao mesmo tempo em que promove programa de concessões de infraestrutura.
• Analistas reduziram para cerca de 2% suas estimativas para o crescimento do PIB neste ano. Por que a economia continua patinando?
Desde a greve dos caminhoneiros, em maio passado, a retomada vem sendo muito fraca. E, quanto mais tempo passa, piora. Um número enorme de empresas está no que chamo de "modo de sobrevivência".
O que é isso? A empresa corta todas as despesas possíveis, demite gente à beça, atrasa imposto, não paga em dia a seus fornecedores, senta com o banco mais de uma vez para renegociar dívida.
Em paralelo, as mudanças nos modelos de negócio de diferentes setores continuam a toda velocidade por causa da digitalização. Se a companhia está em modo de sobrevivência e não incorpora mudanças tecnológicas, suas chances de recuperação diminuem. Isso é um peso para a economia.
A greve dos caminhoneiros teve um efeito enorme, porque quebrou a espinha das expectativas. Depois de uma recessão que vinha desde 2014, era a primeira vez que a situação parecia melhor. Agora vamos precisar de um evento ainda mais importante para resgatar o otimismo.
• O que poderia ser esse evento?
Os agentes econômicos estão associando uma melhora objetiva na situação à aprovação da reforma da Previdência. Fazem o seguinte raciocínio: só vou fazer projetos novos quando souber que vai ser aprovada a reforma.
Houve muita resistência à mudança no sistema de aposentadorias no governo Temer, mas isso teve um efeito importante de enfraquecer o poder das burocracias. Ficou muito claro que a remuneração do setor público produz uma gigantesca desigualdade.
No setor privado, a aposentadoria média é de R$ 1.500. No público, pode chegar a R$ 30 mil. Quem são esses servidores? A alta classe média. A reforma é o início da redução dessa desigualdade.
Outra coisa que esclareceu bem a importância da reforma foi a contribuição da sociedade civil. Tivemos propostas de Armínio Fraga, de Paulo Tafner, de Fabio Giambiagi, da Fipe. Todas foram na mesma direção e mostraram por que a reforma é necessária.
• Quando começa a recuperação?
Este ano vai ser um pouco melhor que 2018, mas não muito. Um crescimento mais robusto viria em 2020. Só que, para voltar a crescer, precisamos da reforma da Previdência —é o começo e a parte mais difícil do ajuste fiscal— e do sucesso dos leilões de concessão.
Concessões feitas nos próximos meses se transformarão em canteiros de obra e em encomendas de máquinas no ano que vem. E aí sim teremos efeito no PIB. Não falta dinheiro para obras de infraestrutura, mas regulação adequada.
Se tivermos um programa de concessões robusto, vai aumentar o investimento e incentivar a construção civil, que é fundamental para recuperar o emprego. É o único setor que afeta o país inteiro. Além disso, são obras parrudas que demandam muita gente.
Logo, se a reforma for aprovada e vierem obras de infraestrutura, o país poderá crescer 3% em 2020. Nesse caso, teríamos o reforço de outros pontos positivos. Com a economia se recuperando devagar, não haverá pressão sobre a inflação e os juros vão cair.
• E se o Congresso não aprovar a reforma da Previdência ou esvaziar significativamente seus efeitos?
Se não fizemos a reforma, o Brasil voltará para a recessão. Não tenho a menor dúvida. Viram as expectativas e volta todo o mundo —empresas e consumidores— para o tal modo de sobrevivência, reduzindo a demanda.
As pessoas estão machucadas e com medo de gastar. O trabalhador olha para o lado, e seu antigo companheiro não está mais lá.
Nas empresas, é a mesma coisa. O empresário que viu a falência de perto não vai sair fácil da zona de conforto. Ele tem que estar muito convencido de que o país vai voltar a crescer para investir. E, mesmo quando o crescimento vier, algumas empresas quebrarão, pois estão tão fragilizadas que não vão acompanhar a recuperação do mercado.
Do meu ponto de vista, nunca foi tão claro que temos o que no interior se chama de pé de galinha —uma bifurcação. Ou voltamos a crescer com estabilidade ou afundamos de novo na mediocridade.
• As exportações podem ajudar a retomar o crescimento?
No fim deste ano, a economia internacional vai estar pior do que agora. A Europa tem um risco enorme de caminhar para uma recessão. Os Estados Unidos vão desacelerar, mesmo com o Fed (Federal Reserve, banco central americano) mudando um pouco a política monetária.
A China também está indo mais devagar, e boa parte do mundo emergente vai mal —África do Sul, Turquia etc.
O cenário internacional não está afundando o Brasil, mas não vai nos puxar pelos cabelos. Só vamos voltar a crescer por razões domésticas. O que nos traz de volta a reforma da Previdência e as concessões e privatizações como única forma de voltar a crescer.
• O sr. tem receio de que a reforma da Previdência seja desidratada no Congresso?
O governo está certo em pedir uma reforma completa e ousada com uma economia acima de R$ 1 trilhão em dez anos. Se vier uma reforma que economiza R$ 500 bilhões ou abaixo disso, é insuficiente e será uma gigantesca frustração.
Acredito que a sociedade está convencida da importância da reforma. Se fecharmos os olhos e nos lembrarmos da resistência barulhenta dos servidores e compararmos com o silêncio sepulcral de hoje, é clara a perda de poder. Minha sensação é que o gás desse pessoal diminuiu muito.
O fiasco dos governos do PT e a recessão tiraram a legitimidade das grandes corporações do setor público. Não é mais possível para as carreiras jurídicas, por exemplo, defender sua aposentadoria nos moldes atuais.
Nos últimos anos, os governos transformaram o emprego público de nível superior em algo maravilhoso. Qualquer garoto entrava ganhando R$ 20 mil, sem possibilidade de ser demitido. Isso não existe em nenhum lugar do mundo e foi feito em tal volume que se tornou inviável.
Só que obviamente a batalha é no Congresso. Houve uma renovação grande, e não está fácil saber o que isso significa em termos de Previdência. Por um lado, temos muitos coronéis e delegados eleitos que serão contra. Por outro, temos gente jovem que veio do setor privado.
É claro que vai ter resistência à reforma, mas quero crer que pode acontecer algo parecido com que houve com a inflação. Quando parece impossível de ir adiante e depois de várias iniciativas frustradas, chega um momento em que os astros se alinham. Simplesmente porque não resta outra alternativa. O Brasil só muda com o pé no abismo.
• Que abismo é esse?
O abismo fiscal é o que sobrou da pior recessão da história do Brasil. Passamos por uma recessão que ceifou empregos e empresas e saímos dela com os governos falidos. O melhor indicador do que é chegar no abismo é quando um estado não consegue nem pagar o salário do funcionalismo em dia.
No caso dos governos estaduais, também seriam importantes outras medidas. O Supremo Tribunal Federal tem que validar o procedimento da Lei de Responsabilidade Fiscal que permite aos estados, em caso de queda abrupta de arrecadação, ajustar a folha de pagamento e as horas trabalhadas.
• Os escândalos do governo Bolsonaro estão impactando a economia real?
No mínimo geram um grande desconforto. Entrar com essa pauta reformista com um governo em pleno funcionamento não é fácil. Quando se tem um atraso por uma questão de saúde —totalmente compreensível, mas não é menos atraso por isso— e por essa desorganização toda, fica difícil.
No Congresso, não tem como escapar de conversar com um monte de gente. Muitos têm dúvidas legítimas. Política é conversa. Se o governo fica fragilizado, a organização dessa conversa fica mais difícil.
Não dá para impor essa reforma de cima para baixo. Estamos numa democracia e com uma fragmentação gigantesca no Congresso. O toma lá dá cá exclusivamente também ficou para trás. Haverá acordos políticos e tem mesmo que fazer o que for legítimo.
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