A ampliação do Bolsa Família – Editorial | O Estado de S. Paulo
O governo de Jair Bolsonaro prepara uma ampliação do Bolsa Família. A julgar pelo que vem sendo noticiado, não será um aumento qualquer. O Estado informa que o novo programa, se implementado, passará a atender jovens de até 21 anos – hoje, o limite é de 17 anos – e terá um reajuste ainda não definido na média dos benefícios, atualmente em R$ 189,21 por família. Além disso, o plano incluiria um benefício para servir de prêmio a crianças de baixa renda que tenham bom desempenho em competições escolares, como as olimpíadas de matemática.
Não se sabe ainda qual será o impacto orçamentário da iniciativa, proposta pelo Ministério da Cidadania. Fala-se em algo em torno de R$ 16,5 bilhões a mais num orçamento de R$ 29,5 bilhões para o Bolsa Família no ano que vem, mas a equipe econômica está reticente – garante apenas R$ 4 bilhões adicionais, conforme apurou o Estado. O governo ainda não definiu de onde pretende tirar os recursos necessários para a imaginada expansão do Bolsa Família.
Assim, tudo ainda está no campo das intenções – e a do governo, neste caso, parece bem clara: mostrar serviço na área social, especialmente no momento em que o Congresso se mobiliza para discutir um ambicioso pacote de propostas elaboradas por um grupo de deputados envolvendo setores como educação, trabalho, geração de renda e saneamento básico.
Trata-se de uma guinada e tanto para um presidente da República que passou praticamente toda a sua trajetória como político a criticar duramente programas como o Bolsa Família. Em 2011, quando era deputado federal, Bolsonaro disse, em discurso na Câmara, que “o Bolsa Família nada mais é do que um projeto para tirar dinheiro de quem produz e dá-lo a quem se acomoda, para que use seu título de eleitor e mantenha quem está no poder”. Essa declaração não foi acidental ou isolada. Sempre que pôde, o hoje presidente vinculou o Bolsa Família a um projeto de poder do PT. “A massa eleitoral do PT são aquelas pessoas que vivem do Bolsa Família”, eleitores “que pensam apenas com o estômago”, disse Bolsonaro em 2007.
À sua maneira, Bolsonaro descreveu com precisão o efeito eleitoral do Bolsa Família: todos os mapas de votação das últimas eleições mostram apoio maciço a candidatos do PT em regiões cuja economia está baseada naquele programa de transferência forçada de renda. Ou seja, o Bolsa Família de fato criou um eleitorado cativo para o PT.
Assim, a intenção do governo de ampliar o Bolsa Família, contrariando todo o histórico de contundentes críticas de Bolsonaro ao programa, parece ter como fim capturar uma parte do eleitorado que hoje vota no PT como forma de gratidão pelo benefício recebido.
Esse indisfarçável aspecto eleitoreiro da iniciativa do governo talvez seja o menor dos problemas. A principal questão é que não se pode imaginar que o aprofundamento da desigualdade de renda no Brasil – o País está hoje entre os dez mais desiguais do mundo, segundo ranking recentemente divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) – será enfrentado por meio da ampliação de programas assistenciais. Em lugar de ser um paliativo temporário para mitigar a pobreza extrema, o Bolsa Família tornou-se esteio permanente de famílias e cidades inteiras Brasil afora. Sem educação pública básica de qualidade para todos, sem saneamento básico suficiente nem mesmo nas grandes cidades e sem criação de oportunidades de trabalho, não haverá redução sustentável da desigualdade no País.
É compreensível que o governo esteja preocupado em dar alguma resposta imediata e vistosa às demandas em favor dos mais pobres, pois o discurso a respeito da desigualdade parece ter se tornado central no embate político. No entanto, não será por meio de ações populistas – as quais, por ora, nem se sabe ainda como financiar – que a questão será devidamente enfrentada. Não há outro caminho: o Brasil deve se manter firme no rumo das reformas administrativas e econômicas, para criar as condições necessárias ao investimento em educação, saneamento básico e infraestrutura. Do contrário, continuaremos a ser um país extremamente vulnerável à demagogia.
Seguindo Dilma e Trump – Editorial | O Estado de S. Paulo
Mais uma façanha política pode ser inscrita no currículo do presidente Jair Bolsonaro – replicar a presidente Dilma Rousseff e ao mesmo tempo reafirmar sua fidelidade ao guia Donald Trump. O calote brasileiro à Organização das Nações Unidas (ONU) materializa a dupla homenagem. Em 2014 a presidente petista deixou de pagar contribuições devidas a entidades internacionais. Deixou até de custear aluguéis e outras contas de embaixadas. Os pagamentos foram reiniciados em 2016 pelo presidente Michel Temer. Agora o Brasil deve US$ 415,9 milhões à ONU, ocupando a distinta posição de segundo maior devedor, atrás, é claro, dos Estados Unidos. Sem resolver o problema, o País pode perder direito a voto nas deliberações da organização. “Paciência”, respondeu o presidente a jornalistas, ao ser questionado sobre o assunto. Esse risco, segundo ele, nem sequer é preocupante.
Ao dar essa resposta, o presidente Bolsonaro manifestou seu desprezo, mais uma vez, à entidade multilateral número um, símbolo maior de todo o ordenamento internacional. “Não estou preocupado com isso. Estou preocupado com o Brasil. Muitas das decisões da ONU não interessam à gente. A gente sabe que está politizado esse negócio.” Da mesma forma, nem todas as decisões do poder público nacional interessam diretamente a todos os cidadãos, mas o sistema político, sim, deve interessar a todos. Deve interessar, antes de mais nada, como condição de coexistência baseada em regras, e ainda mais quando se trata da natureza do sistema, da qualidade das normas e dos mecanismos de sua imposição. Entidades e acordos internacionais, e principalmente multilaterais, têm sido criados para ordenar tanto quanto possível a relação entre Estados.
Apesar de suas imperfeições, entidades como a ONU, a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Fundo Monetário Internacional, as zonas de livre comércio e as uniões aduaneiras, para citar só exemplos mais evidentes, têm contribuído para relações mais disciplinadas, mais colaborativas, mais previsíveis e mais produtivas – e para a solução pacífica de conflitos. A percepção desses fatos parece faltar ao presidente brasileiro.
Mais inclinado à truculência que à negociação, o presidente Donald Trump tende a aceitar normas internacionais somente quando moldadas segundo a sua concepção, em geral muito discutível, dos interesses dos Estados Unidos. Sem poder semelhante ao norte-americano para sustentar atitudes truculentas, o presidente Jair Bolsonaro tenta imitar seu inspirador, rejeitando a globalização, o multilateralismo, formas diversas de cooperação internacional e até as boas maneiras entre vizinhos. Só em cima da hora ele aceitou enviar um representante de primeiro escalão à posse do presidente argentino Alberto Fernández. Foi escolhido o vice-presidente Hamilton Mourão.
Em relação ao Brasil e à Argentina, o presidente Trump voltou a exibir truculência ao anunciar, há poucos dias, a reimposição de barreiras à importação de aço e alumínio. O presidente Bolsonaro evitou protestar e até reiterou sua fidelidade ao líder e inspirador.
Mas o presidente norte-americano consegue prejudicar o comércio global de maneira muito mais ampla. Dificultando a indicação de nomes para o órgão de apelação da OMC, ele põe em risco o mecanismo de solução de controvérsias, componente essencial do sistema. O órgão de apelação, última instância de julgamento, é formado normalmente por sete juízes, mas tem funcionado com apenas três. O mandato de dois deles acaba neste mês. Sobrará uma juíza e o mecanismo ficará emperrado.
O diretor-geral da OMC, o brasileiro Roberto Azevêdo, vem trabalhando com dirigentes da entidade e representantes de vários países para vencer o impasse e preservar o sistema em operação. Sem isso, restará a lei da selva, observou recentemente o secretário de Política Externa Comercial e Econômica do Itamaraty, embaixador Norberto Moretti. Essas palavras foram um raro sinal de sensatez na atual diplomacia brasileira.
Chefe novo, fado velho – Editorial | Folha de S. Paulo
Conciliador, Fernández fez boa estreia na Argentina de problemas gigantescos
Seus desafios serão a desvalorização do peso, a dívida externa e a inflação —palavras como essas há décadas perseguem, como se fossem maldição, quase todo presidente da Argentina ao tomar posse.
Não foi diferente com o peronista Alberto Fernández, que vestiu a faixa azul e branca na terça (10), em sucessão a um fracassado Mauricio Macri. A boa nova, no sentido da longa marcha da história, é que os argentinos há 36 anos estão enfrentando as suas crises dentro das regras do jogo democrático.
O fato foi enaltecido e lembrado por Fernández logo no início da fala inaugural, que seguiu um curso de benfazeja moderação, sem descuidar das promessas distributivistas feitas ao longo da campanha.
Assim foi a mensagem doméstica do novo governante, ao conclamar uma sociedade relativamente cindida pelo processo eleitoral a unir-se em torno de objetivos comuns.
Também seguiram na via da distensão os recados dados para fora das fronteiras, seja a credores internacionais e ao FMI, seja ao presidente do Brasil, Jair Bolsonaro. Alberto Fernández disse que o sentido estratégico da parceria com o vizinho do norte supera o hiato ideológico com o homólogo brasileiro.
Se o hábito faz o monge, como atesta o ditado, a necessidade carregada de urgências e limitações econômicas da Argentina começa a remodelar um bocado o discurso inflamatório e os flertes demagógicos que marcaram a corrida eleitoral da chapa peronista.
O ministro nomeado para a Economia, Martín Guzmán, fez carreira em universidades de elite nos Estados Unidos e se especializou em crises de endividamento externo e na reestruturação dessas obrigações. São credenciais compatíveis com o novo ciclo de penosas negociações com credores internacionais por que passará a Argentina.
O desespero por dólares da economia argentina tende a fortalecer seu competitivo setor agroexportador, menos protecionista que a média das oligarquias daquele país. Por esse flanco, Brasil, Uruguai e Paraguai poderão encontrar oportunidades de convencer até mesmo o governo peronista de aderir ao programa de abertura comercial.
Por outro lado, será preciso tempo para avaliar como se comportará a ala radical dos apoiadores de Fernández, liderada pela vice-presidente, Cristina Kirchner.
O ambiente de recessão econômica, inflação de 55% ao ano e pobreza em alta pode dar aos incendiários pretexto para cobrar atitudes inconsequentes ou mesmo para a sabotagem do presidente.
Alberto Fernández, em suma, fez uma boa estreia, mas os problemas da Argentina não diminuíram em razão disso. A força necessária para o país superar sua estagnação secular continua sendo soberba.
Sítio de Atibaia ganha força na Lava-Jato – Editorial | O Globo
Novo flanco de investigações é prova de que combate à corrupção tem de ser política de Estado
Lula volta a acusar procuradores de “pirotecnias” para atingi-lo e a seus filhos, devido à Operação Mapa da Mina, nome sugestivo, lançada pela Lava-Jato terça-feira. Ela avança em um flanco do caso do Sítio de Atibaia que parece promissor do ponto de vista das investigações. O ex-presidente já está condenado em segunda instância neste processo, acusado de receber benefícios de empreiteiras em obras na propriedade usada por ele e família.
Embora não esteja provado que Lula é o dono do sítio, entendeu a juíza Gabriela Hardt que existe vínculo entre favores de empreiteiras (OAS e Odebrecht) prestados na propriedade e grandes contratos que as empresas tinham com a Petrobras, capturada por um esquema de corrupção do PT.
Tudo está provado, penas começaram a ser cumpridas, e bilhões saqueados já foram restituídos à estatal. Há tempos está superada a questão sobre se houve ou não corrupção no lulopetismo.
A Lava-Jato, em seus mais de cinco anos de existência, puxa agora um fio que pode levar à origem do dinheiro com o qual Fernando Bittar, Kalil Bittar e Jonas Suassuna — Fernando, sócio de Fabio Luis, “Lulinha”, filho de Lula — compraram o sítio que ficou em usufruto do ex-presidente e família.
Estão mapeadas transferências generosas de dinheiro da Telemar/Oi, sem razão plausível, para empresas do grupo de amigos, incluindo Lulinha. O final do percurso do dinheiro suspeito saído da “Supertele” — outro delírio petista e que terminou em corrupção e falência — seria o sítio.
Esta nova operação da Lava-Jato, neste momento, reforça a necessidade de o combate à corrupção ser perene, constituir uma ação institucional de Estado.
É uma questão desimportante se a Lava-Jato deve ser ou não prorrogada indefinidamente. O que tem de delimitar seu tempo de duração é a finalização ou não dos inquéritos com os quais trabalha.
Mais esta ramificação nas investigações sobre o sítio de Atibaia, que pode elucidar a origem do dinheiro usado em sua compra para usufruto de Lula, indica que ainda há o que apurar. E que tem de ser perene o enfrentamento dos esquemas que desviam dinheiro público. O desmonte do grupo do ex-governador Sérgio Cabral no Rio e as evidências de desvios em contratos assinados em São Paulo para a compra de trens por governos tucanos demonstram a extensão pluripartidária e geográfica da corrupção.
O avanço das investigações sobre o sítio precisa servir para reforçar o trabalho em andamento no Congresso para restabelecer a prisão em segunda instância, seja via Código de Processo Penal (CPP) ou por mudanças em dispositivos da Constituição que não sejam cláusulas pétreas.
A feliz decisão do STF de preservar o compartilhamento de informações de inteligência financeira entre organismos de fiscalização também ajuda na construção de uma estrutura de combate ao roubo do dinheiro público que seja do Estado e não de governos.
Novo presidente argentino acerta ao optar pelo pluralismo nas alianças – Editorial | O Globo
Sem sólida maioria legislativa, Alberto Fernández precisará negociar com a oposição
Mauricio Macri, ex-presidente, e seu sucessor, Alberto Fernández, mostraram na posse do novo governo argentino, terça-feira, como é necessário resgatar a civilidade, o pluralismo e o espírito democrático no ambiente político sul-americano, atualmente marcado por notável predomínio de radicalismos.
Macri foi o quinto presidente eleito a completar o mandato nos últimos 87 anos. Com Fernández, que o derrotou nas urnas, proporcionou algo que não se via há duas décadas, uma transição normal de governo.
Fernández, em discurso, homenageou o falecido Raúl Alfonsín, líder do pluralismo que caracterizou a transição da ditadura militar para a democracia e formulador do Mercosul, em parceria com José Sarney.
Essa moldura de simbolismos é relevante pelo realce de valores democráticos e, também, por reafirmar a inviabilidade de uma vida política binária, polarizada, como alternativa ao desenvolvimento.
O novo presidente falou por mais de 60 minutos e, ainda assim, deixou sem resposta algumas das questões cruciais para a Argentina. Uma delas é de onde virá o dinheiro para emergências sociais, como o socorro a 16 milhões de pobres (40% da população urbana), metade submetida a uma dieta involuntária nos últimos 12 meses por escassez de moeda para comprar comida. Outra é como vai ajustar as contas públicas para reduzir a inflação de 55% ao ano. E, também, como vai sair da moratória da dívida externa de US$ 57 bilhões, que impede acesso do país a fontes de financiamento.
Nas circunstâncias é imprescindível a recomposição da unidade política nacional. Como os eleitores não lhe deram sólida maioria legislativa, Fernández precisará negociar com a oposição, tanto o Cambiemos de Macri quanto a União Cívica Radical, que tem Alfonsín como um dos ícones em 128 anos de história.
O problema de Fernández, como se viu na posse, é a vice Cristina Kirchner. Ela tem a liderança da bancada governista no Congresso e escolheu alguns ministros em áreas-chave, como a sócia Marcela Losardo na Justiça, além de indicar aliados no comando do serviço secreto.
Com vários processos em curso, por corrupção, Kirchner tende a ser a sombra política do governo Fernández no embate doméstico que se desenha, com o Poder Judiciário, e na política externa, com o governo dos Estados Unidos.
Fernández não tem opção, a não ser afirmar sua liderança numa pluralidade de alianças. Caso contrário, corre o risco de acabar como um presidente com poder limitado pela vice.
Protecionismo de Trump faz da OMC a vítima – Editorial | Valor Econômico
Sem árbitros do comércio mundial, Trump poderá usar a truculência habitual que já demonstrou contra parceiros e inimigos repetidas vezes
Desde o início de seu governo, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, havia elegido a Organização Mundial do Comércio como um dos principais alvos de sua escalada protecionista. A partir de julho de 2017 os EUA vetaram sistematicamente a substituição de juízes no Orgão de Apelação da entidade, uma espécie de instância final para decisões sobre disputas comerciais. Ontem, o time de apelação ficou reduzido a um juiz e não há mais como realizar julgamentos. De toda as medidas desestabilizadoras da ordem internacional que os próprios EUA ajudaram a construir tomadas por Trump, essa é uma das mais destrutivas. Sem árbitros do comércio mundial, Trump poderá usar a truculência habitual que já demonstrou contra parceiros e inimigos repetidas vezes.
A OMC foi criada em 1995 para substituir o GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), nascido em 1949 para regular o comércio mundial e evitar escaladas protecionistas, uma das causas das várias crises que eclodiram antes da Segunda Guerra Mundial. A OMC, como toda a organização reguladora, só obteve prestígio e adesão porque implantou um sistema de penalidades efetivo para quem violasse as regras estabelecidas em comum acordo por todos seus membros. Como instância final, o Órgão de Apelação ganhou sua reputação condenando igualmente países ricos e em desenvolvimento que tiveram comportamentos desviantes. O Brasil, por exemplo, venceu disputa contra subsídios ao açúcar concedidos pela União Europeia e contra subsídios ao algodão por parte dos EUA, com direito a retaliação compensatória.
Trump, por interesse imperial, age como mercantilista. O governo americano não tem como manipular o dólar e essa carência incomoda o presidente e o conduz a olhar com muita desconfiança movimentos de desvalorização de moedas - dos outros. Foi sob a alegação de manipulação cambial que decidiu sobretaxar o aço e alumínio do Brasil e Argentina, alegando prejuízos aos EUA, quando nenhum dos dois países tinha interesse na desvalorização e, no caso argentino, sequer poder para evitá-la. Da mesma forma, passou a espicaçar o Federal Reserve por não baixar mais rapidamente os juros e, assim, sustentar um dólar forte, na exótica e inusual atitude, para um presidente dos EUA, de defender um dólar fraco.
Também como mercantilista primário, Trump acredita que no jogo comercial, quando um país ganha, o outro perde, e passou a agir para que seu país ganhe todas - e não perca nenhuma. O mundo de acordo com Trump é o de várias décadas atrás. Seu arbítrio só teria chance de prosperar se o sistema global continuasse girando em torno de apenas uma potência econômica, os EUA. A China, antes, e a União Europeia depois, são hoje claros contrapesos econômicos e políticos à supremacia americana.
Na guerra comercial contra a China, Trump quer caminho livre para fazer o que quiser, com qualquer justificativa, mesmo as mais exóticas - chegou até a usar uma suposta ameaça à segurança nacional para taxar o aço do Canadá. Os movimentos arbitrários dos EUA pressupõem que não devam existir barreiras a eles. Obviamente para Trump, a OMC, xerife do comércio global, é uma delas. Cabe, então, removê-la.
Os EUA se queixam todas as vezes em que perdem disputas na OMC, não quando são vitoriosos - e colecionaram mais vitórias que derrotas até hoje. Argumentam que os juízes do órgão de apelação agem contra os EUA e criam regras que não estão escritas, sem terem poderes para fazê-lo. O caminho normal e correto para qualquer membro da OMC seria outro, o de buscar a reforma dos mecanismos, dos métodos de escolha dos juízes, de suas atribuições etc. Trump resolveu mandar tudo para o espaço.
UE, Japão e outras potências globais têm reclamações idênticas às de Trump quanto ao desrespeito à propriedade intelectual, os subsídios chineses a produtos e empresas e sobre muitas outras questões, o que recomendaria uma aliança para pressionar Pequim a jogar pelas regras do jogo. O caminho escolhido paralisa a entidade, sob cujas regras 98% do comércio internacional é feito.
A OMC não morrerá, mas perderá muito de seu poder. Uma opção discutida é o uso da arbitragem, outra é uma reforma que enquadre a China. Trump não está interessado em nada disso. Abriu mais um espaço para a onda protecionista que promove e que, com uma OMC sem dentes, tende a avançar.
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