- O Estado de S.Paulo
Indignação com fundo eleitoral disfarça opção por não se resolver um problema sério na política
Não importa qual acabe sendo o tamanho do fundo eleitoral para as eleições de 2020 – se R$ 2,5 ou R$ 3,8 bilhões ou qualquer coisa no meio – as reações no público em geral serão as mesmas. Naturais e compreensíveis, e a saber: indignação e repúdio pelo fato de a detestada classe política enfiar a mão ainda mais no bolso do contribuinte (para as eleições de 2018, o fundo eleitoral levou R$ 1,7 bilhão de dinheiro público).
Há duas percepções generalizadas na sociedade brasileira que convergem para tornar realmente esquizofrênica a questão do financiamento de campanhas eleitorais. A primeira é a ideia de que a corrupção seria o maior problema do País (infelizmente, é um enorme problema, mas nem chega a ser o pior). A segunda é a de que toda doação por CNPJ para campanhas eleitorais é um gesto de compra da democracia – portanto, de corrupção.
O processo de formação dessas disseminadas percepções é longo, mas se intensificou com o êxito da Lava Jato em desvendar esquemas bilionários de desvio de dinheiro público, envolvendo entes públicos (funcionários de estatais e administração pública) e privados (partidos políticos e empresas). Quando não foi para enriquecimento pessoal (um “efeito colateral” da coisa toda, digamos), a roubalheira se destinava sobretudo a financiar campanhas político-partidárias.
Num país como o Brasil, que exibe enorme grau de informalidade e notórias dificuldades em impor leis, o fenômeno do caixa 2 em eleições nem seria tão espantoso assim e, no início da Lava Jato, pensou-se seriamente numa espécie de “anistia” para crimes considerados puramente eleitorais. Ocorre que uma parte relevante das investigações estabeleceu, ou pretendeu estabelecer, um elo direto entre doações legais e declaradas feitas por empresas e a obtenção de contratos com a administração direta e/ou estatais.
Diante da percepção de que mesmo doações legais não passavam de uma forma de lavagem de dinheiro, e sempre fiel ao que espera que seja a repercussão popular do que decide, em 2015 o STF proibiu as doações de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais. Faz-se como, então, para financiar campanhas? Em 2017 foi criado o fundo eleitoral (atende pelo nome técnico de Fundo Especial de Financiamento de Campanha), abastecido pelo Tesouro. Pelas propostas no Orçamento, partidos obscuros ou mesmo com caráter de seita política já levam o mínimo (R$ 2,3 milhões) e outros de insignificantes resultados eleitorais já têm direito a uns R$ 20 milhões (PSL e PT seriam os campeões, com parcela superior aos R$ 300 milhões).
A situação esquizofrênica se traduz no fato de que mesmo uns R$ 3,8 bilhões pretendidos pelos partidos não cobrem os gastos DECLARADOS nas campanhas de 2014, por exemplo, que foram de uns R$ 5 bilhões. E qualquer aumento do fundo em época de crise fiscal soa como escândalo. Ou seja, as regras para o financiamento de campanhas eleitorais são uma ficção de que está tudo em ordem e que o funcionamento da democracia está garantido quando, na verdade, o que se incentiva é o laranjal e o caixa 3 (dinheiro não declarado e ilegal).
Atacar o problema pela raiz, com uma ampla reforma política que barateasse campanhas (especialmente as proporcionais) e reduzisse a crise de representatividade (fenômeno hoje quase universal) tem escasso apelo popular e não está no topo de nenhuma agenda dos atores relevantes. A esperança de lideranças políticas é a de que a minirreforma política de 2017 comece vagarosamente a trazer resultados a partir da (ainda pequena) cláusula de barreira, limite de gastos para campanha e proibição de coligações proporcionais. É o tipo de raciocínio político que está implicitamente apoiado numa triste constatação: uma gigantesca parcela do eleitorado brasileiro nem sabe o que é dinheiro público.
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