- Folha de S. Paulo
Impressionante como o mundo parece diferente do que observadores previam dez anos atrás
Na virada do século 20, o rápido aumento do número de carruagens puxadas a cavalo preocupava muitos nova-iorquinos. Dentro de alguns anos, projetou um especialista, as ruas da cidade ficariam completamente cobertas de esterco de cavalo. Então a Ford passou a produzir o Modelo T, e os cavalos começaram a desaparecer das ruas da cidade.
À medida que esta década se aproxima de seu final melancólico, é impressionante notar como o mundo parece diferente do que muitos observadores previam dez anos atrás.
No final de 2009, Barack Obama era o presidente dos Estados Unidos. A centro-esquerda governava grande parte da Europa. Uma onda cor-de-rosa varria as ruas da América Latina. Lula parecia firmemente entrincheirado como o homem mais poderoso do Brasil.
Quanta diferença faz uma década!
Hoje o presidente dos Estados Unidos é um certo Donald Trump. Em toda a Europa os populistas de extrema direita estão em ascensão. Os líderes da onda rosa foram afastados por protestos populares, ou permanecem no poder apenas graças à opressão brutal.
Enquanto isso, no Brasil, Jair Bolsonaro está colocando a democracia do país no teste de estresse mais severo que enfrentou desde o final da ditadura.
A lição óbvia disso é que superestimamos enormemente a estabilidade do esquema do pós-guerra que moldou grande parte do mundo democrático na segunda metade do século 20 e passou a parecer invencível após o colapso da União Soviética.
Em retrospecto, foi ingênuo acreditar que qualquer sistema político seria capaz de atrair o consenso entusiástico de seus cidadãos, ou que a maioria dos países da América do Norte e da Europa Ocidental permaneceriam para sempre democracias liberais.
A ascensão do populismo e o ressurgimento da autocracia pulverizaram essas certezas. Hoje é impossível negar que muitos cidadãos, de Budapeste a Santiago e de Paris a Washington, estão profundamente decepcionados com as instituições democráticas.
Longe de ser um remanescente obsoleto do século 20, o nacionalismo continua sendo a força mais poderosa do mundo. Até as redes sociais, que deveriam inspirar a compreensão mútua e nos ajudar a transcender as fronteiras, aparentemente serviram para tornar os cidadãos de todos os cantos do mundo mais propensos à propaganda e à intolerância.
Seria, então, tentador prever que os próximos dez anos trarão mais do mesmo. As forças do nacionalismo reinarão supremas. Os populistas, de esquerda ou de direita, conquistarão os últimos redutos de moderação.
Até o final da próxima década, a democracia estará ainda mais em conflito.
Esse futuro é certamente uma possibilidade real, e portanto é mais urgente que nunca que os partidários da democracia liberal lutem por seus valores. Mas aquelas carruagens puxadas a cavalo e as previsões ingênuas feitas há apenas dez anos deveriam nos deixar desconfiados de uma abordagem tão linear para o futuro.
Por mais improvável que pareça hoje, é igualmente possível que as forças da razão e da moderação finalmente encontrem a coragem de suas convicções; que as promessas dos populistas sejam finalmente expostas como fraudulentas; e que finalmente entremos em um período urgentemente necessário de renovação democrática.
Bem entendida, a lição da década passada não é que a democracia liberal esteja obsoleta, nem que os populistas certamente triunfarão.
É que as futuras reviravoltas da história provavelmente serão tão surpreendentes para nós quanto foram as reviravoltas passadas para os que vieram antes.
*Yascha Mounk, O cientista social Yascha Mounk é professor associado na Universidade Johns Hopkins e autor de "O Povo contra a Democracia".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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