- Valor Econômico
Ao criticar a ativista sueca Greta Thunberg, Bolsonaro se esmera em ser vilão numa escala global
Pela lenda política que atravessou o século 20, comunistas comiam criancinhas. Bolsonaro tem feito um governo altamente ideológico apontado como sinal invertido do que abomina. Pode ser, e tem sido, acusado de quase tudo - misógino, homofóbico, racista, defensor da tortura, amigo de milicianos - mas não, ainda, de canibalismo infantil. Mas não perdeu a oportunidade de abrir a boca grande para discutir com uma adolescente de 16 anos, com jeito de menina, que se tornou símbolo mundial de consciência e ativismo ambiental.
Um dia depois de ser chamada de “pirralha” pelo presidente tupiniquim, a sueca Greta Thunberg foi eleita a personalidade do ano pela revista americana “Time”. Acostumado a ofender e tripudiar de adversários, Bolsonaro acha que pode tirar doce de uma criança, mas foi a garota escandinava que tornou seu comentário uma piada. Greta fez pilhéria e adotou no Twitter a descrição supostamente pejorativa conferida pelo brasileiro. Saiu por cima e tirou sarro no embate com o líder de um país que não leva a sério a liturgia do cargo.
Com muito empenho, Bolsonaro tem se esforçado em entrar para a história como uma caricatura presidencial. Uma mistura de autocrata terceiro-mundista e pouco ilustrado com personagem de ficção. Seria cômico - como o general de “O ditador” (2012), do comediante Sacha Baron Cohen - não fosse trágico. É vilão de história em quadrinho para o feminismo, para os movimentos negro e LGBT, para os defensores dos direitos humanos, da educação, da cultura, da ciência, da imprensa livre, do meio ambiente... Esforça-se em sê-lo não apenas no nível nacional ou regional.
O lobo solitário do Parlamento que ascendeu à Presidência num golpe de sorte do destino - a ‘fortuna’ de Maquiavel - se candidata a lobo mau de dimensão internacional. Greta não é primeira nem será a última. Bolsonaro compra briga com a Noruega, a Alemanha, a Organização das Nações Unidas (ONU), com organizações não governamentais; acusa falsamente o ator americano Leonardo DiCaprio (“O Lobo de Wall Street”) de dar dinheiro a entidades para “tacar fogo na Amazônia”. Debocha da beleza da primeira-dama francesa Brigitte Macron - zombaria arremedada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
A ativista sueca pode ser uma “pirralha”. Sua atuação irrita quem vê nela a insolência de se comportar como uma provecta senhora da razão. Mas a maturidade de Greta é superior à de quase toda a 5ª série instalada no primeiro escalão do governo. O bolsonarismo é fenômeno que não se move sem o bullying político e a desconstrução de reputações - pois desconfia, ou tem certeza, de não possuir uma. Enquanto a ‘fedelha’ europeia - com toda a utopia inerente a uma causa de escala global - vende verdades inconvenientes, o ocupante do Planalto difunde inverdades convenientes para manter seu eleitorado mobilizado, atiçado.
Nem que, para isso, puxe para o debate a jovem que iniciou de forma solitária, às sextas-feiras, o movimento de “greve do clima” que hoje tem milhões de simpatizantes em dezenas de países.
Greta nem havia sido citada quando jornalistas questionaram Bolsonaro, na saída do Palácio da Alvorada, sobre a morte de dois índios guajajaras no Maranhão. Mas o presidente fez questão de mencioná-la. No domingo, a ativista denunciara em sua conta no Twitter, que tem 3,2 milhões de seguidores, a violência contra indígenas que “estão literalmente sendo assassinados por tentar proteger a floresta do desmatamento ilegal”. “É vergonhoso que o mundo permaneça em silêncio sobre isso”, postou a sueca, sem fazer qualquer referência ao nome de Bolsonaro.
A impaciência do presidente com os mais novos não é pontual. Talvez não seja nem injustificada. Entre os brasileiros que estão na faixa etária de Greta - entre 16 e 24 anos - Bolsonaro colhe seus piores índices, segundo pesquisa Datafolha divulgada no domingo: apenas 21% aprovam o governo federal, metade dos 41% que o desaprovam. Na média do total do eleitorado, os percentuais são mais próximos: 30% e 36%, respectivamente.
Na sexta-feira, durante um painel da Comic Con Experience (CCXP), em São Paulo, um evento majoritariamente frequentado por jovens, um coro de xingamento a Bolsonaro foi puxado quando o humorista Fernando Caruso imitava o presidente.
O alvo prioritário da semana, porém, continua sendo Greta, a quem Bolsonaro voltou a criticar ontem, durante solenidade em que recebeu homenagem da Confederação Nacional da Indústria (CNI). “Uma pirralha de 16 anos fala qualquer besteira lá fora, qualquer besteira. Falou para dar porrada no Brasil, e o pessoal dá destaque”, disse.
As “besteiras” que Greta tem falado, contudo, são ouvidas e têm ecoado nos organismos internacionais e na sociedade civil. Horas antes da nova censura de Bolsonaro à sueca, a ativista discursou na 25ª Conferência da ONU sobre o Clima (COP 25), que termina nesta quinta-feira, em Madri, na Espanha. Para uma audiência que reúne especialistas e autoridades de 200 países, Greta criticou políticos e empresários que atrapalham o combate contra as mudanças climáticas.
Símbolo de uma nova geração e fruto de um país 150 anos à frente do Brasil na taxa de alfabetização, a ativista é vegetariana e defende os direitos dos animais. Bolsonaro pouco se importa com os direitos humanos. Apregoa o “olho por olho, dente por dente” típico de sociedades pré-Estado de direito. Nascida numa família de artistas, Greta é filha de um ator e de uma cantora de ópera. Os avós também era atores.
Bolsonaro é pai de cinco filhos, entre eles uma menina de 9 anos de idade. Sobre a caçula - ou pirralha, em suas próprias palavras - já disse ter sido fruto de uma “fraquejada”. Até ele reconheceu que falou besteira.
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