- O Globo
Juros reais abaixo de 1% reduzem o custo da dívida, estimulam o crédito e alteram os portfólios de poupança e investimento
O Banco Central reduziu os juros para 4,5%, que não é apenas a taxa mais baixa da história, é um nível nunca imaginado. Isso significa que o país está agora com uma taxa real de juros menor que 1%. A inflação tem recebido o impacto do dólar, dos combustíveis e da disparada da carne, mas apesar disso os economistas não veem risco com essa Selic tão baixa porque o IPCA ainda está abaixo do centro da meta.
O mercado já esperava a queda dos juros e estava de olho nos sinais que o BC daria para os próximos movimentos. Há quem no mercado considere que os juros ainda poderão cair no ano que vem para 4,25% ou até 4%. O professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-RJ, acha que o melhor agora é parar e esperar. Mas ele concorda que a decisão de ontem, de reduzir para 4,5%, fazia sentido. Era o BC usando uma “janela de oportunidade”. No comunicado pós-reunião, o BC argumentou que a economia ganhou tração, mas que daqui para frente é preciso “cautela”. No mercado, houve quem achasse que a Selic pode cair mais 0,25% e quem enxergasse o fim do ciclo de cortes.
A pressão de preços neste fim de ano aumentou, mas ela está concentrada em alguns produtos apenas. O IPCA em novembro foi o maior para o mês em quatro anos, 0,51%. O grande vilão foi a carne que subiu 8%. No atacado, o IGP-M chegou a 7% de alta acumulada em 12 meses. Isso pode afetar aluguéis, ou alguns contratos, mas tudo vai depender do ritmo da atividade. Ainda há muita ociosidade na economia, dificultando o repasse. O mercado de aluguéis está deprimido, induzindo mais à negociação em torno do reajuste.
Nas últimas quatro semanas, o Boletim Focus sempre revisou para pior as projeções de inflação deste ano. Elas saíram de 3,35% para 3,86%. Mas o centro da meta é 4,25% e tudo indica que as expectativas estão “ancoradas”, como se diz. Ou seja, ninguém está esperando uma disparada dos preços como houve em 2015/2016.
Essa queda de juros para patamares nunca antes vistos tem um enorme impacto na economia. Primeiro, o custo da dívida pública cai bastante. Tem caído desde o governo Temer. Nos últimos três anos saiu de 14,25% para o nível anunciado agora, o que significa uma queda de quase 10 pontos percentuais. Isso economiza uma enormidade de juros. Segundo, tem havido uma maior oferta de crédito e em alguns segmentos, como o da pessoa física, tem aumentado muito. A ponto de ser necessário que o BC monitore para evitar a formação de bolhas. Elas são dificultadas pelo fato de que, mesmo com a Selic no nível atual, os juros bancários ainda são muito altos. Terceiro, a queda detonou um movimento de mudança de portfólio de investimento, das famílias, das empresas, dos fundos.
A queda abaixo do nível atual é que é discutível. Com esse corte, os juros reais, descontada a inflação, caem para 0,89%. Qualquer elevação de inflação, ou expectativa de alta, reduzirá esse nível e pode-se chegar a juros negativos.
O governo está precisando de uma injeção de ânimo na economia e o Copom tem providenciado o estímulo monetário, já que não dá para ter impulso fiscal com o país em déficit. Isso só dá certo se o Copom não quiser ajudar o governo a estimular o crescimento. Recentemente, perguntei ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, o que ele considerava que era o mandato dele. Ele respondeu que era a meta da inflação e a estabilidade financeira. Se o BC achar que faz parte da equipe econômica, e se juntar ao grupo para incentivar o crescimento, vai errar na dose e não saberá usar corretamente os instrumentos de política monetária.
O economista Luiz Roberto Cunha acha arriscado reduzir mais:
— Já são juros reais abaixo de 1%. Isso tem que ser levado em consideração. A indústria financeira terá que fazer um ajuste muito grande. Seguradoras e planos de previdência, que têm reservas altas, sofrem com juros reais baixos — disse.
O Fed manteve os juros inalterados na reunião de ontem, depois de três reduções consecutivas. A política e a economia americanas são fontes de incerteza. Cunha acha que em função das eleições o presidente Donald Trump deverá atenuar a hostilidade comercial com a China, porque setores produtivos americanos têm sofrido os efeitos desse confronto. Isso pode permitir um dólar mais favorável. Ainda há muita incerteza. De certo, apenas que o Brasil, com a redução sustentada dos juros iniciada no governo Temer e mantida no atual governo, está entrando em uma nova era no mercado de crédito e poupança.
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