• A crise global e as peculiaridades brasileiras – Editorial | O Globo
Demais poderes cumprem suas funções, e isso compensa em parte a falta de articulação do Executivo
O pacote de dificuldades que a pandemia deste coronavírus entrega ao mundo é de alto poder destrutivo, mas pode ser confrontado pelo arsenal de conhecimentos acumulados nas crises econômicas do século XX, sem deixar de lado preocupações com as instituições políticas.
A paralisação das economias pelo isolamento forçado de parte da população do planeta causada pelo vírus tem, é claro, de ser revertida, evitando-se que o travamento da grande engrenagem produtiva instalada pela interconexão das economias no pós-guerra provoque duradouras recessões por toda parte. Os PIBs se retraem, mas é preciso reduzir ao mínimo as perdas, que não deverão ser pequenas, e apressar a volta do crescimento.
Pelo que indicam as previsões do Fundo Monetário Internacional, o “ponto de não retorno” para uma crise histórica que, segundo o próprio FMI, rivalizará com a Grande Depressão de 1929/30, já foi ultrapassado. O relatório divulgado na terça-feira pela economista-chefe da instituição, Gita Gopinath, prevê uma retração da economia mundial de 3%. Considerando-se que a estimativa anterior do Fundo era de um crescimento de 3,4%, significa que, em relação a seus cálculos anteriores, o FMI estima uma retração de mais de 6%, maior que na Grande Recessão de 2008/9, a mais vertiginosa queda da produção mundial desde 1929/30. No primeiro trimestre, o PIB da China encolheu 6,8%, taxa negativa jamais alcançada nos 28 anos em que o índice é calculado.
Numa economia globalizada, muito integrada, as ondas de impacto da crise se expandem, e causam estragos mais rapidamente do que no primeiro terço do século passado, na Grande Depressão. Em contrapartida, a própria integração entre os países e a existência de instituições multilaterais facilitam ações conjuntas contra as forças da depressão, apesar do aumento do poder político de partidos e grupos de ultradireita, nacional-populistas, xenófobos, contrários à globalização. Há ajustes a se discutir nesta integração, porém é irrefutável o poder demonstrado pelo avanço do capitalismo na Ásia, capaz de, na China, resgatar da miséria 800 milhões de pessoas desde 1978, início do programa de reforma do modelo maoista fracassado.
A crise histórica em que o Brasil e o mundo estão exige que as sociedades e seus líderes políticos tenham clareza sobre o que precisa ser defendido: democracia, as liberdades em geral, a vida, o conhecimento científico, a manutenção dos canais de trocas comerciais, por exemplo. A Depressão de 1929/30 ensinou que eram necessárias políticas expansionistas —juros no chão, crédito, gastos públicos — para evitar o colapso do sistema produtivo. O antídoto funcionou na recessão de 2008/9. E também é essencial não cair na tentação do protecionismo. Fechar fronteiras na suposta defesa dos empregos será suicídio. Foi o que provocou a Grande Depressão.
A crise é global, mas os países têm suas peculiaridades. Desde a redemocratização, em 1985, o Brasil atravessou momentos difíceis e consolidou o regime de democracia representativa. Preserva o rodízio no poder de forças políticas diversas pelo voto popular e se mantém assim há 35 anos, período contínuo de extensão nunca verificada na era republicana.
De acordo com o FMI, neste ano o país deve mergulhar numa recessão de 5,3%, a maior desde 1940, quando começou a ser calculada a atual série estatística do PIB. Se confirmada, ultrapassará a recessão na faixa de 3% em 2015 e 2016, na gestão Dilma Rousseff, recorde até hoje.
Um presidente como Jair Bolsonaro é mais um agravante, por se isolar quando é crucial uma articulação sem trepidações com o Congresso e a Federação. Bolsonaro vai na contramão. A demissão do ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta — bem avaliado pela comunidade técnica da saúde e com alto apoio popular —, executada em momento crítico da epidemia do novo coronavírus, aumentou as dificuldades no relacionamento do Planalto com Congresso e governadores. Elas precisam ser superadas.
O que parecia algo distante, verificado no Norte da Itália, começa a ocorrer no Brasil. A tragédia de o sistema de saúde não atender todos os infectados em estado grave já acontece em Manaus, onde há corpos em corredor de hospital. A capacidade de atendimento de doentes graves, nas UTIs, está no seu limite em hospitais de referência no Rio e em São Paulo. Esta pressão poderia ter sido aliviada se Bolsonaro houvesse reforçado os apelos do seu ex-ministro Mandetta pelo isolamento social. Mas estimulou a circulação nas ruas, o que facilita a contaminação e leva mais tarde à corrida a hospitais já superlotados.
Legislativo e Supremo demonstram que sem se obedecer aos princípios do estado democrático de direito os custos do enfrentamento das crises da saúde e econômica será mais alto, em termos sociais e humanos. A Corte acaba de confirmar a limitação da área de ação do Executivo para evitar a desautorização de estados e municípios em políticas prudentes de prevenção. O Congresso tem cumprido sua agenda de crise, examinando propostas emergenciais. Falta o Planalto reciclar suas preocupações dirigidas apenas à economia e ao calendário eleitoral, mas o pronunciamento de Bolsonaro na solenidade de posse do novo ministro da Saúde, Nelson Teich, na sexta-feira, não estimula otimismo.
• Sinal de alerta – Editorial | Folha de S. Paulo
Queda no apoio à quarentena contra pandemia deve ser discutida com informação
A travessia do deserto da pandemia da Covid-19 não será simples, nem curta, ao menos enquanto não houver vacina ou remédio de fácil aplicação contra o patógeno que assola o planeta.
Isolamento social, seja ele em formas mais brandas ou nos draconianos “lockdowns”, impera no mundo hoje como maneira de mitigar os efeitos da disseminação do vírus sobre os sistemas de saúde.
Passado pouco mais de um mês desde que a doença se incorporou ao cotidiano de grandes cidades, como São Paulo, notam-se sinais de afrouxamento na até aqui exemplar disposição majoritária de colaborar pelo bem comum.
As imagens de ruas com mais movimento parecem agora refletidas em números. Pesquisa do Datafolha mostra que 68% dos brasileiros acham que é mais importante ficar em casa durante a crise, ainda que isso cause danos à economia e aumente o desemprego.
O percentual é elevado, decerto, mas na sondagem de duas semanas atrás eram 76%. Trata-se de queda acima da margem de erro que merece a atenção das autoridades.
A mesma pesquisa também mostra apoio minoritário, porém resiliente, ao presidente Jair Bolsonaro, principal propugnador no país de teses de abrandamento de quarentenas para minorar danos econômicos durante a emergência sanitária que vivemos.
Segundo o instituto, oscilou positivamente, no mesmo período aferido, a aprovação ao modo com que o presidente gerencia a crise: de 33% para 36%, em empate com os 38% de reprovação.
Ainda é um desempenho abaixo do registrado pelos governadores, que estão majoritariamente do lado das quarentenas e merecem o respaldo de 54% dos entrevistados.
A permanência de uma não desprezível parcela do eleitorado fiel a Bolsonaro —a despeito da demissão de um ministro da Saúde popular— sugere que a conduta do presidente —tosca, errática e populista— será mantida.
Ninguém quer ficar confinado, isso é uma obviedade, assim como os danos potenciais à economia também o são. Para os últimos há um arsenal de medidas paliativas em discussão e execução.
Pode-se especular que o agravamento da situação nos hospitais, como mostra a lotação máxima de UTIs públicas de referência em São Paulo, talvez arrefeça o ímpeto desses brasileiros de ir à rua.
Mas, como se vê pelo Datafolha, o tempo é um adversário poderoso a alimentar discursos políticos oportunistas e desinformados.
Cabe aos responsáveis, a começar pelo novo titular da Saúde, Nelson Teich, deixar picuinhas políticas de lado e investir na melhor profilaxia disponível agora: a informação correta e transparente.
• Adiar o Enem – Editorial | Folha de S. Paulo
Com aulas presenciais interrompidas, aluno da rede pública tem desvantagem maior
A esta altura, com a epidemia de Covid-19 ainda grassando pelo país, parece inevitável que a suspensão das aulas presenciais, prestes a completar um mês e sem data para terminar, tenha impacto significativo sobre o calendário escolar.
Nesse sentido, merece especial consideração o Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, hoje o principal meio de acesso às universidades federais. Não à toa, entidades como o Conselho Nacional dos Secretários de Educação e a Defensoria Pública da União, vêm advogando pelo adiamento do teste.
Trata-se, com efeito, de proposta que deveria ser acatada pelo Ministério da Educação. Afinal, a crise tende a afetar desproporcionalmente os estudantes mais pobres, bem como aumentar o fosso que separa as redes privada e pública (onde estudam mais de 80% dos alunos de ensino médio do país).
Enquanto estudantes do primeiro grupo seguem, bem ou mal, tendo aulas por meios virtuais, mantendo assim algum tipo de rotina escolar, os do segundo têm permanecido, na imensa maioria, sem instrução ou acompanhamento.
Isso se deve não apenas à precariedade geral dos colégios públicos, que os impede de prover esse tipo de acesso remoto. Uma parcela grande de famílias não dispõe de aparelhos eletrônicos que permitam aos mais jovens acessar o conteúdo didático a distância.
Ademais, cerca de um terço dos brasileiros nem mesmo possui acesso à internet, caso também de 43% das escolas rurais do país.
A despeito do evidente prejuízo a uma legião de estudantes, e consequente aumento da desigualdade entre os candidatos, o MEC tem-se mantido irredutível no propósito de não alterar as datas do exame.
As manifestações do ministro Abraham Weintraub, atribuindo os pedidos de adiamento a partidos de esquerda e afirmando que o coronavírus “atrapalha todo mundo”, revelam, mais uma vez, a obsessão pelo confronto ideológico acima da política pública.
Não é de hoje que Weintraub coleciona conflitos e desacertos na condução do Enem. No ano passado, viram-se desde a contratação de uma gráfica sem licitação até o patrulhamento do conteúdo da prova, que chamou a atenção por omitir questões relativas à ditadura militar, e um desfecho tumultuado por erros de correção.
O ministro ainda dispõe de tempo para se render à realidade, adiar o exame deste 2020 e evitar mais um erro de sua ruinosa gestão.
• Tropeçando na informalidade – Editorial | O Estado de S. Paulo
Na emergência, pobreza e desigualdade tornaram-se obstáculos adicionais à ação governamental, no Brasil e na maior parte dos países latino-americanos
Dezenas de milhões de pessoas vulneráveis entraram no radar do governo com a chegada do coronavírus. Cerca de 75 milhões ganharam acesso à ajuda mensal de R$ 600 por três meses, com base no primeiro grande pacote de apoio aos mais necessitados. Outros 7,5 milhões poderão receber o benefício, se for mantida a ampliação recém-aprovada na Câmara dos Deputados. Dinheiro já foi creditado para muita gente. Para muitos beneficiários foi preciso criar, às pressas, contas bancárias. Milhares formaram filas diante de agências da Caixa, embora os procedimentos, em princípio, fossem realizáveis por meio eletrônico. Quantos sabiam disso e quantos tinham acesso à internet? Era preciso socorrer o maior número possível, até para conter o contágio, mas logo surgiram dificuldades inesperadas. Na emergência, pobreza e desigualdade tornaram-se obstáculos adicionais à ação governamental, no Brasil e na maior parte dos países latino-americanos.
Ao examinar a ação econômica na região durante a pandemia, o economista Alejandro Werner, do Fundo Monetário Internacional (FMI), destacou o desafio ligado à pobreza e à informalidade. O mexicano Werner dirige o Departamento de Hemisfério Ocidental do FMI desde janeiro de 2013, depois de exercer funções públicas e acadêmicas.
“É possível”, disse ele, “que os governos não possam chegar aos lares vulneráveis, por meio de transferências tradicionais, em lugares carentes de sistemas de assistência social e onde predomina a informalidade.” Além disso, acrescentou, “é mais complicado fazer chegar a assistência às empresas menores e às do setor informal”.
Essas dificuldades foram encontradas no Brasil e podem ter sido mais graves em outros países da região, especialmente naqueles com acesso mais limitado aos sistemas eletrônicos de comunicação. Alejandro Werner chamou a atenção também para o desafio de localizar os informais. “Dado o alto nível de informalidade na região, os países deveriam usar todos os registros disponíveis e métodos possíveis para chegar às empresas menores e aos trabalhadores informais”, sugeriu.
A elevada informalidade na América Latina foi mostrada claramente num gráfico exibido por Werner. Os dados são de 2016, mas dificilmente, a julgar pela experiência brasileira, o quadro terá melhorado nos anos seguintes. Cerca de 40% dos trabalhadores homens eram informais, assim como pouco mais de 35% das mulheres. Nos dois casos, a taxa de informalidade nos países avançados era cerca de um quarto da observada entre latino-americanos. Os números da região eram também piores que os de outras áreas emergentes e em desenvolvimento.
Além de causar sofrimento e morte, a pandemia jogou os latino-americanos na pior recessão desde os anos 1950, quando as estatísticas de contas nacionais começaram a ser produzidas na maior parte da região, observou Werner. Pelos cálculos do FMI, a economia regional deve recuar 5,2% em 2020, número muito parecido com o estimado para o Brasil (-5,3%). Para o conjunto prevê-se repique de 3,4% em 2021, seguido de crescimento anual de 2,7% entre 2022 e 2025. No caso brasileiro, as projeções indicam expansão de 2,9% no próximo ano e de 2,4% no período seguinte. Mais modesto que a média regional, o desempenho estimado para o Brasil, depois da recessão, está relacionado, explicou Werner, ao potencial de crescimento do País, “já relativamente baixo” antes da pandemia.
Não há surpresa na resposta. Werner conhece bem as limitações da economia brasileira, explicáveis por muitos anos de investimento insuficiente em infraestrutura, em máquinas, em formação de mão de obra e, paralelamente, de escassa integração nas cadeias globais. Há muito tempo o FMI aponta essas deficiências.
A retomada, lembrou o economista, envolverá um trabalhoso conserto das contas públicas, depois dos gastos para conter a pandemia, incluído o apoio às famílias isoladas. Como a Organização Mundial da Saúde, o FMI tem defendido o isolamento social como medida preventiva. É mais um a contrariar a Doutrina Bolsonaro.
• A imprensa sob pressão – Editorial | O Estado de S. Paulo
A virulência da recessão e das tiranias está sufocando muitas vozes da imprensa
“É a mais sombria das ironias”, escreveu o articulista do Guardian Roy Greenslade: “a maior história da imprensa em toda uma geração está matando a própria indústria que existe para noticiá-la.” A alusão às pressões financeiras que estão asfixiando veículos de imprensa em todo o mundo é ainda mais sombria quando se considera o risco de vida literal para os jornalistas sob regimes autoritários.
Em declaração assinada pelos governos do Reino Unido, EUA, Alemanha e Holanda, entre outros, a Coalizão para a Liberdade de Imprensa alerta contra “os esforços de alguns Estados para usar a crise a fim de impor restrições indevidas a uma mídia livre e independente”. Segundo o Reuters Institute da Universidade de Oxford, os ataques podem ser divididos em cinco áreas: abuso da legislação de emergência, repressão de reportagens “não patrióticas”, restrições de viagens e vistos de imprensa, abuso das leis contra a desinformação e ataques a denunciantes.
A Hungria aprovou um decreto suspendendo a democracia parlamentar e autorizando a prisão por cinco anos para quem disseminar “informações falsas”. Uma sanção similar foi aprovada na Rússia para quem questionar os dados oficiais do governo. Iraque e Egito suspenderam licenças de trabalho para alguns jornalistas internacionais. Na Índia, onde as manobras do premiê Narendra Modi têm tornado a imprensa cada vez mais dependente de verbas oficiais, os veículos são abertamente coagidos a publicar “histórias positivas e inspiradoras” sobre os esforços do governo.
Mas é no país de origem da pandemia, a China - que ocupa a 177.ª posição entre 180 países no ranking de liberdade de imprensa do Repórteres Sem Fronteiras -, que o aparato de repressão, sob o disfarce da “guerra do povo” contra o vírus, se mostra mais brutal. Ainda em dezembro, médicos como o dr. Li Wenliang foram detidos e silenciados por disseminar “rumores” sobre um novo coronavírus. Um estudo da Universidade de Southampton sugere que as mortes na China poderiam ter sido reduzidas em 86% se a população tivesse sido devidamente informada.
Desde que a morte do dr. Li pela covid-19, em fevereiro, desencadeou uma onda de protestos nas redes sociais chinesas, os casos de “reprimendas educacionais”, detenções, multas e confissões forçadas escalaram. Até março, a Chinese Human Rights Defenders havia documentado 897 punições deste tipo a usuários da internet - um número assumidamente incompleto. Pelo menos quatro figuras proeminentes nas redes sociais foram detidas e desapareceram sob o pretexto de “quarentena compulsória”. Enquanto isso, a máquina de propaganda comunista promove uma campanha global massiva destinada, segundo os pesquisadores de segurança digital do Recorded Future, a mover a narrativa “da China como fonte da pandemia para a China líder global da resposta”.
Ao mesmo tempo, no Ocidente, um número crescente de veículos tem anunciado demissões, licenças e outras medidas de contenção de custos. Nos EUA, ainda que, segundo o Pew Research, 54% dos adultos considerem que a mídia impressa e televisiva esteja fazendo “um ótimo trabalho”, 50% dos jornais membros da associação America’s Newspaper projetam quedas de receita de 30% ou mais no segundo trimestre, obrigando-os a contrair dívidas e reduzir agressivamente os gastos com páginas impressas e folhas de pagamento. Esses cortes se seguem a uma década em que as dispensas nas redações chegaram a quase 50%.
Muitos temem que a pandemia seja o golpe de misericórdia nos jornais, encerrando quase quatro séculos de história. A verdade é que ela está acelerando traumaticamente a transição do jornalismo escrito do papel para as telas. Muitos perecerão na travessia, mas a fome por notícias confiáveis despertada pelo vírus sugere que uma nova história está apenas começando. Hoje, mais do que nunca, as pessoas se dão conta de que um debate aberto embasado pela apuração profissional pode fazer a diferença entre a vida e a morte, e de que, nas palavras do dr. Li, “uma sociedade saudável não pode ter apenas uma voz”.
• Educação na pandemia – Editorial | O Estado de S. Paulo
A crise está expondo as vantagens, mas também as limitações do ensino a distância
Segundo a Unesco, 1,6 bilhão de estudantes (mais de 90% dos estudantes de todo o mundo) foram afetados com o fechamento de escolas e universidades. Na educação básica, além dos problemas colaterais – como repor refeições nutritivas, aliviar a carga dos pais, dar suporte emocional às crianças –, há os desafios pedagógicos. Para enfrentá-los, o Todos pela Educação elaborou uma nota sobre a Educação na Pandemia estruturada em quatro mensagens.
A primeira é que o ensino a distância traz soluções, mas, considerando seu efeito limitado, é preciso planejar a normalização. Por meio de medida provisória, o governo federal flexibilizou o cumprimento dos 200 dias letivos, desde que mantida a carga horária mínima. Mas ainda há questões em aberto sobre o ensino remoto: como programar as atividades; que tipos de atividade devem contar para fins de equivalência; como será programado o calendário de exames nacionais, etc.
A China, por exemplo, providenciou exames online e uma plataforma nacional oferecendo recursos digitais, e a iniciativa privada se mobilizou para prover wi-fi e dispositivos móveis. Segundo o Todos pela Educação, no Brasil as redes estaduais são as que mais têm avançado nesses quesitos.
A segunda mensagem é que será preciso uma estratégia para mitigar as condições heterogêneas de acesso à rede digital. No Brasil, 99% dos estudantes da classe A têm acesso à rede, mas nas classes D e E são apenas 40%. O dado pede medidas que flexibilizem a disponibilização de internet às comunidades vulneráveis. O telefone celular, presente em 84% dos domicílios D e E, é um dispositivo-chave. Além disso, rádio e TV, com uma penetração de 96% nos domicílios brasileiros, podem ser decisivos.
Experiências internacionais, como a distribuição de dispositivos para alunos de baixa renda ou de manuais impressos (como na China, Portugal ou França), ou ainda opções mistas de ensino remoto, com televisão aberta para todos (como no México e Turquia), podem ser exploradas.
A terceira mensagem é que ensino a distância não é sinônimo de aula online. Há diferentes formas de estimular a aprendizagem remota, como a resolução de problemas complexos e a investigação e construção colaborativa do conhecimento. Um artigo do Fórum Econômico Mundial aponta que “a pandemia é uma oportunidade para nos relembrar das habilidades que os estudantes precisam nesse mundo imprevisível, como decisões embasadas, solução criativa de problemas e, talvez, acima de tudo, adaptabilidade”. É também uma oportunidade para testar sistemas de inteligência artificial que auxiliam estudantes com seus problemas específicos.
A última mensagem é de que, mesmo a distância, a atuação dos professores é central. A tecnologia pode “elevar o papel dos professores de transmissores do conhecimento adquirido para cocriadores de conhecimento”, disse Andreas Schleicher, diretor de Educação da OCDE. “Ela (a tecnologia) pode facilitar o acesso a materiais especializados muito além dos manuais (...) e apoiar novos meios de ensino que foquem nos estudantes como participantes ativos – precisamente as ferramentas de ensino que precisamos para o século 21.” É também o momento de estimular plataformas colaborativas entre os professores que viabilizem o compartilhamento de materiais, experiências e avaliações.
A pandemia está expondo as vantagens, mas também as limitações do ensino a distância. Para mitigar as últimas, será necessário um acompanhamento próximo de estudantes com propensão à evasão e avaliações diagnósticas acompanhadas de programas de recuperação. De todo modo, o Todos pela Educação alerta que este movimento “só terá chances de sucesso se for pautado pela lógica da coparticipação e parceria”, não só entre alunos e professores, mas entre professores e professores, escola e família e poder público e iniciativa privada. Se isso for feito, com doses de paciência, criatividade e prudência de parte a parte, “o aprendizado”, diz o Fórum Econômico Mundial, “pode se tornar um hábito que seja integrado às rotinas diárias – um verdadeiro estilo de vida”.
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