O
choque pandêmico obrigará a novas abordagens na saúde, no saneamento e no
transporte público
Mais
de 517,7 mil candidatos foram inscritos para a disputa eleitoral de 15 de
novembro. Se confirmados pela Justiça Eleitoral, haverá uma quantidade recorde
de candidaturas, 27% mais que em 2016.
É
provável que, a partir de 2022, quando os eleitos estiverem iniciando o segundo
ano de mandato, já estejam disponíveis meios de controle — ou ao menos
mitigação — dos efeitos do novo coronavírus. É legítimo, portanto, uma firme e
permanente cobrança dos eleitores, desde já, sobre os planos dos candidatos a
prefeito e vereador para mudanças estruturais nas cidades no ciclo
pós-pandemia.
O
choque pandêmico obriga a novas abordagens na organização da vida urbana. Ganha
relevo a poluição dos canais fluviais, de que dependem as cidades às margens
dos poluídos rios Paraíba do Sul, no Estado Rio, ou Tietê, em São Paulo.
A
fragilidade dos ecossistemas, veículos para a transmissão de patógenos, sempre
foi aspecto fundamental nas políticas de saúde pública. O coronavírus apenas
põe o problema em evidência.
A
saúde pública depende do saneamento. No quadro brasileiro de precariedade,
parte da solução pode estar na cooperação intermunicipal, já que, no ano
passado, 2.200 prefeituras (quase 40% do total) gastaram por dia nos serviços
de saúde menos de um real por habitante. Há experiências relativamente
bem-sucedidas de consórcios sanitários nas cidades onde ocorre adensamento
demográfico, via favelização.
Um
de cada três municípios nem tem órgão responsável por fiscalizar a qualidade da
água, segundo o IBGE. Cerca de 70% das habitações do Norte e do Nordeste não
têm esgoto tratado, assim como metade dos domicílios do Sudeste e Centro-Oeste
e 45% do Sul. Novas regras setoriais foram aprovadas, atraentes ao investimento
privado. A execução dependerá da atuação cooperativa de prefeitos e vereadores
que assumem em janeiro.
A
degradação das águas, do solo e dos serviços urbanos prosseguirá se não houver
convergência nos planos de cidades limítrofes para erradicar a indústria de
loteamentos irregulares ou clandestinos. Eles se espalham por 3,3 mil
municípios (60% do total), com destaque para os que integram a Grande Rio.
Mudanças
nos fluxos urbanos também serão necessárias na nova realidade. Significa
reprogramar horários de funcionamento de escritórios, comércio, escolas e
indústrias nas maiores cidades, com consequências previsíveis na operação do
sistema de transporte coletivo intermunicipal. Nove de cada dez prefeituras, no
entanto, ainda não têm organismo responsável, nem definiram política para o
setor.
Eleitores
precisam cobrar consistência nos projetos dos candidatos a prefeito e vereador.
Os eleitos serão responsáveis pelo sucesso ou pelo desastre da vida nas cidades
no ciclo pós-pandemia.
Competição
externa pode aumentar a transparência nas licitações públicas – Opinião | O
Globo
Adesão
ao acordo internacional sobre compras governamentais representaria avanço para
o Brasil
O
governo apresentou à Organização Mundial do Comércio (OMC) na semana passada
uma lista de iniciativas já adotadas para a adesão do Brasil ao Acordo sobre Compras
Governamentais, sistema de normas usado por 48 países na aquisição de bens e
serviços. Iniciou a coleta, por consulta pública, de sugestões do setor privado
para mudanças na legislação nacional sobre contratos e licitações públicas.
Desse
acordo, conhecido pela sigla em inglês GPA, participam União Europeia, Estados
Unidos, Japão, Coreia do Sul, Austrália, Canadá e Suíça. Somam US$ 1,7 trilhão
por ano em compras governamentais.
O
GPA permite, com reciprocidade, a abertura à concorrência estrangeira nas
compras realizadas por organismos ligados ao Estado signatário. Empresas dos
países do grupo têm garantias legais de acesso às licitações de todos governos
em igualdade com fornecedores nacionais.
Para
o Brasil, isso representaria uma evolução. Há tempos tenta-se, sem êxito,
modificar a base regulatória desenhada na Lei de Licitações (nº 8666, de 1993).
Sucedem-se escândalos sobre corrupção, como os revelados pela Operação
Lava-Jato, sem avanço nas regras concorrenciais.
A
integração é oportunidade para melhorar o controle e a transparência, com base
nos padrões adotados onde a competição capitalista está consolidada. Poucos
países em desenvolvimento têm condições de fazer parte do GPA, por causa das
limitações impostas nas compras governamentais, e, também, porque esse acordo
tende a ser mais benéfico às nações com potencial exportador de bens e serviços
adequados ao setor público.
Uma
das consequências imediatas da adesão ao GPA é o aumento da participação de
produtos importados nas compras públicas locais. A substituição do suprimento
nacional pelo estrangeiro pode resultar, inicialmente, em desequilíbrios para
fornecedores tradicionais. Em contrapartida, a abertura externa proporciona às
empresas brasileiras ganhos suficientemente compensatórios. Pelas projeções
oficiais, as contas setoriais se tornariam superavitárias a a partir do aumento
de apenas um ponto percentual nas exportações de bens e serviços aos 48
integrantes do GPA.
O
prêmio maior, no entanto, seria a eficiência no gasto público. A instauração de
um regime mais equilibrado de concorrência oxigenaria os negócios entre as
empresas privadas e o setor público. Tradução: menos corrupção. Só isso já
seria motivação necessária e suficiente para justificar o avanço do país na
integração ao acordo.
Bolsonarismo sem Bolsonaro – Opinião | O Estado de S. Paulo
Os
zelotes desse movimento de araque terão que procurar outro messias para adorar
A
base radical bolsonarista está decepcionada com o presidente Jair Bolsonaro. A
gota d’água foi a indicação do desembargador Kassio Marques para a vaga no
Supremo Tribunal Federal.
Assim
que o nome do magistrado foi anunciado, as redes sociais bolsonaristas entraram
em parafuso, e Bolsonaro chegou a ser chamado de “traidor”. Tudo porque Kassio
Marques é considerado “petista” por ter sido nomeado pela presidente Dilma
Rousseff em 2011 para o Tribunal Regional Federal da 1.ª Região.
Para
piorar, o senador Renan Calheiros, alvo de 17 inquéritos em curso no Supremo,
resolveu dar seu apoio explícito a Bolsonaro, dizendo que o presidente “pode
deixar um grande legado para o Brasil que é o desmonte desse Estado
policialesco que tomou conta de nosso país” – em referência à Operação Lava
Jato. Segundo Renan Calheiros, a nomeação de Kassio Marques para o Supremo, bem
como a de Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República e a demissão de
Sérgio Moro do Ministério da Justiça, faz parte desse “desmonte”.
O
próprio Bolsonaro não se fez de rogado e disse: “Acabei com a Lava Jato, porque
não tem mais corrupção no governo”. Os intérpretes benevolentes da glossolalia
bolsonarista podem dizer que o presidente só usou uma força de expressão para
enfatizar a desnecessidade da Lava Jato ante a lisura de seu governo; já quem
não é bobo viu aí um ato falho que trai um desejo.
Para
aqueles que elegeram um político que prometia solenemente levar a Lava Jato
para o centro do poder em Brasília – e para isso carregou a tiracolo o juiz
símbolo da operação, Sérgio Moro – deve ser mesmo uma decepção e tanto.
O
fato é que Bolsonaro está se descolando do chamado “bolsonarismo”, o movimento
que leva seu nome, mas, como a esta altura já está claro, quase nada tem a ver,
em essência, com o ex-deputado do baixo clero.
Para
os fanáticos “bolsonaristas”, quase todos os políticos são corruptos, o
“establishment”, dominado por “comunistas”, é o grande inimigo do País e a
própria atividade política é irremediavelmente criminosa, razão pela qual
defendem rupturas institucionais e, no limite, a instalação de uma ditadura.
Era um discurso reacionário à procura de quem o declamasse sem qualquer
pudor.
A
certa altura, Bolsonaro se ofereceu como o político que empunharia essa
bandeira golpista, em nome do saneamento moral na Nação, e acabou por se
viabilizar eleitoralmente, sobretudo em face dos muitos desmandos do PT e dos
muitos erros cometidos pelos partidos do centro democrático.
Bolsonaro,
contudo, nunca foi “bolsonarista”, no sentido dado por seus agora abalados
seguidores. Mau militar e parlamentar de baixíssima extração, fez carreira
medíocre na defesa de corporações de servidores públicos, sendo muito mais
bem-sucedido como cabo eleitoral dos filhos.
Era
preciso ser muito ingênuo, mal informado ou vesano para acreditar que alguém
com essa folha corrida, sem qualquer serviço prestado ao País, fosse de fato
liderar um movimento pelo resgate ético do Brasil. Passados quase dois anos do
mandato, Bolsonaro já parece estar muito mais à vontade para rasgar a fantasia
de impoluto defensor dos valores morais da Pátria, que nunca lhe caiu bem, e
exibir-se como sempre foi, sem tirar nem pôr.
Bolsonaro
caiu nos braços do Centrão, grupo de partidos fisiológicos com os quais tem
muito mais afinidade do que os sabujos que o chamam de “mito” gostariam de
admitir. Em meio a políticos que dedicam tempo e energia pensando
exclusivamente na eleição seguinte e em como extrair vantagens do poder, o
presidente deve estar se sentindo em casa.
Assim,
com as bênçãos do sempiterno Renan Calheiros, governista sob qualquer governo,
Jair Bolsonaro pode se entregar de corpo e alma a seu projeto de reeleição e
concentrar energias na costura para evitar que sua prole, encalacrada na
Justiça, responda por seus atos.
Tudo
isso mostra que, para Bolsonaro, o “bolsonarismo” nunca existiu senão como
veículo para seu oportunismo político. Os zelotes desse movimento de araque
terão que procurar outro messias para adorar.
Uma pequena revolução – Opinião | O Estado de S. Paulo
O
sistema de representação deixará aos poucos de estimular aventureirismo
eleitoral
O fim da possibilidade de coligação nas eleições proporcionais, medida legislativa que entra em vigor no pleito deste ano, tem o potencial de deflagrar uma pequena revolução no sistema de representação no País.
Até
a eleição de 2018, os partidos podiam coligar-se para a disputa de eleições
proporcionais. Com isso, legendas minúsculas e com insignificante capacidade de
representação tinham a possibilidade de herdar votos dados à coligação, graças
aos chamados “puxadores de votos”, e eleger candidatos que, de outra forma, não
teriam a menor chance de chegar ao Legislativo.
Esse
fenômeno teratológico permitia que o voto dado pelo eleitor em um candidato
elegesse outro, muitas vezes de orientação ideológica e propostas totalmente
distintas. Também sustentava partidos cuja existência em si mesma desmoraliza a
política, por se tratar de empreendimentos pessoais de políticos oportunistas,
que os alugavam a esta ou àquela candidatura para ampliar o tempo de TV da
coligação.
Isso
acabou neste ano porque agora os partidos, nas eleições proporcionais, devem
fazer campanha para si mesmos, sem pegar carona em legendas maiores ou coligar-se
com outros partidos menores. Conforme a legislação aprovada em 2017, cada
partido deve lançar seus próprios candidatos a vereador.
Assim,
em cidades pequenas, cujas Câmaras têm até dez vereadores, a probabilidade é
que somente dois ou três partidos consigam eleger representantes. Dessa forma,
haverá um enxugamento progressivo do quadro partidário no nível municipal. A
tendência é que a representatividade das legendas remanescentes aumente. Não
significa necessariamente que essa representatividade reflita de fato as
aspirações dos eleitores, mas já é alguma coisa, em vista da barafunda
partidária que vigora hoje no País.
O
sistema, portanto, deixará aos poucos de estimular o aventureirismo eleitoral,
responsável pela tremenda fragmentação partidária que tanto dificulta a
governabilidade e tanto facilita o trabalho de caciques políticos interessados
somente em ter acesso ao Fundo Partidário e em vender tempo de TV nas campanhas
eleitorais. Os partidos que ficarão pelo caminho podem se fundir uns com os
outros, de modo a melhorar sua competitividade para os próximos pleitos, ou
desaparecerão – sem que ninguém dê pela sua falta.
O
fim das coligações nas eleições proporcionais vem se somar a outras mudanças
menores, mas igualmente importantes. Uma delas, que já valeu nas duas últimas
eleições, é a que determina que, para se eleger, um candidato ao Legislativo
tem de obter ao menos 10% do quociente eleitoral – que é a divisão do número de
votos válidos na eleição pelo total de cadeiras em disputa.
Além
disso, o acesso ao Fundo Partidário e ao tempo de TV está limitado, desde a
eleição de 2018, pelo desempenho do partido – a chamada cláusula de barreira.
Naquele pleito, 14 partidos, cerca de metade das legendas hoje existentes, não
conseguiram vencer essa barreira e devem perecer por inanição, a não ser que se
juntem a outros partidos.
Nada
disso significa que os partidos que consigam sobreviver a essa série de
restrições sejam de fato autênticos representantes dos eleitores. Como se sabe,
mesmo entre as grandes legendas há pouco de ideologia e doutrina e muito de
arrivismo eleitoreiro. Raras agremiações exibem consistência partidária e podem
apresentar-se como representação autêntica de seus correligionários e
eleitores. E a maioria continua incapaz de se financiar por meio de seus
apoiadores privados, tendo que recorrer ao dinheiro público depositado nos cada
vez mais generosos fundos partidário e eleitoral.
Portanto,
não há mudanças na legislação eleitoral que, por si mesmas, bastem e sejam
realmente efetivas para melhorar a qualidade da representação. É preciso que o
eleitorado demande dos partidos que tenham clareza de propósitos, muito além
das mesquinhas disputas por nacos de poder e das ambições pessoais de seus
líderes. É dessa educação cívica que depende fundamentalmente o aperfeiçoamento
do sistema de representação e, portanto, da governabilidade do País.
A
educação nos municípios – Opinião | O Estado de S. Paulo
Ao
contrário do que às vezes se pensa, o prefeito pode ser decisivo para a
qualidade do ensino
Na distribuição de competências definida pela Constituição, cabe aos municípios, com a cooperação técnica e financeira da União e dos Estados, manter os programas de educação infantil e de ensino fundamental. Assim, as eleições deste ano têm grande relevância para o futuro do ensino, uma vez que o eleitor escolherá nas urnas quem implementará no município as políticas educacionais pelos próximos quatro anos.
Se
tudo isso já seria motivo mais que suficiente para um voto responsável nas
eleições municipais, as circunstâncias atuais, com os muitos desafios relativos
à pandemia do novo coronavírus, potencializam os efeitos da escolha que o
eleitor fará na urna. Com o objetivo de qualificar esse debate, o Todos Pela
Educação lançou a iniciativa “Educação Já Municípios”, que, entre outras
medidas, apresenta uma série de recomendações sobre políticas educacionais
focadas na gestão municipal. A iniciativa é um aprofundamento da agenda
“Educação Já”, lançada em 2018, com o objetivo de subsidiar o poder público com
diagnósticos e soluções para os temas fundamentais da educação.
No
documento voltado para a esfera local, o Todos Pela Educação apresenta uma
análise inédita dos municípios conforme sua evolução no Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Os resultados indicam que, ao
contrário do que às vezes se pensa, o prefeito pode ser decisivo para a
qualidade do ensino.
Entre
2015 e 2019, 23% dos municípios brasileiros (1.300 de 5.570) ficaram estagnados
ou retrocederam no Ideb dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Em relação aos
Anos Finais, 22% dos municípios (1.270) ficaram nessa situação de estagnação ou
retrocesso. É interessante observar, no entanto, que, nesse mesmo período – correspondente
a um único mandato eleitoral –, 413 municípios avançaram mais de um ponto no
Ideb nos Anos Iniciais e 518 obtiveram avanço semelhante nos Anos Finais. Num
curto período, políticas educacionais adequadas podem fazer a diferença em um
município.
Ao
tratar das recomendações de curto prazo, o Todos Pela Educação adverte que a
suspensão prolongada das aulas tem amplas e duradouras consequências negativas
sobre a educação básica, o que exige medidas imediatas para a retomada das
atividades presenciais e a redução dos impactos da pandemia na comunidade
escolar. Ao mesmo tempo, é necessário trabalhar em ações de médio prazo,
voltadas para a melhoria do ensino. Não basta voltar à situação prévia à
pandemia. Mesmo com todas as limitações e problemas atuais, um bom prefeito
pode e deve realizar melhorias sustentáveis no sistema educacional.
Essas
melhorias educativas devem se manifestar em três pontos: o acesso das crianças
e jovens à escola, a trajetória adequada entre as séries e a aprendizagem de
todos os alunos na idade certa. “Afinal, não basta estar na escola e passar de
ano – é preciso aprender”, lembra o documento do Todos Pela Educação. Em todos
esses três pontos, é preciso avançar nos próximos quatro anos. Por exemplo,
entre os 25% mais ricos da população, mais da metade das crianças entre 0 e 3
anos está matriculada em creches. Entre os 25% mais pobres, tal porcentual não
chega a 30%.
“Ainda
que tenha havido evolução importante nos últimos anos, há muito o que se
avançar na aprendizagem dos alunos no ensino fundamental”, diz o documento.
Nesse cenário, é fundamental que os gestores públicos entendam a evolução do
Ideb no seu município nos últimos anos e formem um diagnóstico preciso sobre os
desafios de sua rede de ensino. Só assim será possível estabelecer objetivos
específicos para a realidade local – muito diferente entre os 5.570 municípios
– e implementar as medidas adequadas às circunstâncias concretas.
Não
há caminho alternativo para o desenvolvimento do País. É preciso educar bem as
crianças. Daí a importância de eleger prefeitos competentes e honestos,
comprometidos de fato com a educação. Para tanto, a agenda da campanha
eleitoral deve incluir a educação básica, em um debate maduro, apoiado em
evidências.
Ponto de equilíbrio – Opinião | Folha de S. Paulo
Aposentadoria
de Celso de Mello favorece atritos no STF como os dos últimos dias
A aposentadoria
do ministro Celso de Mello afasta do Supremo Tribunal Federal não
apenas seu mais antigo integrante, o decano, mas aquele que soube defender com
mais vigor a instituição e os poderes que a Carta de 1988 lhe conferiu.
A
ordem jurídica edificada após a redemocratização do país não teria levado tão
longe os direitos assegurados pela nova Constituição sem sua contribuição para
fortalecer o STF como seu guardião e intérprete.
Quando
o presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores desafiaram a autoridade do
tribunal, coube ao ministro responder
com a firmeza necessária para lembrá-los dos obstáculos impostos pela
lei aos desmandos do chefe do Executivo.
Celso
de Mello não fazia conchavo, não manipulava a pauta de julgamentos e evitava
falar fora dos autos, usando o tempo para estudar os processos com afinco e
elaborar seus votos caudalosos, que se impunham pela força da razão. Nomeado
pelo ex-presidente José Sarney em 1989, ele deixará a corte nesta terça (13),
depois de três décadas de serviços prestados e a poucos dias de completar 75
anos, idade-limite fixada pela legislação.
Com
sua saída, o lugar do decano passará a ser ocupado pelo ministro Marco Aurélio
Mello, mas por pouco tempo. Ele completará 75 anos de idade em julho e também
terá de se aposentar, sendo substituído então por Gilmar Mendes.
Nenhum
dos dois goza do mesmo respeito que Celso de Mello mereceu de seus pares. Num
prenúncio das tempestades que se avizinham, ambos se estranharam nos últimos
dias com o recém-empossado presidente da corte, Luiz Fux.
Gilmar
o admoestou publicamente na semana passada, surpreendido pela resolução que
transferiu para o plenário o julgamento de casos criminais que vinham sendo
discutidos nas turmas em que os integrantes do STF se dividem.
No
fim de semana, após determinar a soltura de um traficante de drogas ligado a
uma facção criminosa, Marco Aurélio viu a medida ser revogada por Fux e
protestou, classificando a decisão do presidente do tribunal como um horror.
Cada
um expôs seus argumentos ao decidir o caso, como requer a lei, mas é
preocupante a desinibição com que ambos deixaram de lado o espírito de harmonia
que deveria presidir o colegiado, ao se insurgir contra uma ordem que
contrariara suas convicções pessoais.
Não
é de hoje que os ministros agem assim, mas tudo indica que a tensão aumentará
na ausência de um ponto de equilíbrio como o que Celso de Mello representava.
A
formação de maiorias no plenário expressa unidade e dá solidez às decisões do
Supremo. As desavenças o enfraquecem, alimentando a insegurança jurídica. É por
isso que o decano fará tanta falta.
São Paulo verde – Opinião | Folha de S. Paulo
Estado
avança no retorno de atividades; capital erra ao não reabrir os parques
Quase
sete meses após o início da quarentena em São Paulo, o governador João Doria
(PSDB) anunciou, na sexta (9), a ascensão
de seis regiões à fase verde do plano que define estágios para a
reabertura do comércio e de outras atividades.
A
reclassificação atinge Campinas, Baixada Santista, Piracicaba, Sorocaba,
Taubaté e Grande São Paulo —onde residem 3 de cada 4 paulistas. Observe-se, no
entanto, que a maior parte desse avanço resulta de mudanças nas regras que
embasam a estratégia.
Com
a evolução para a fase verde, os estabelecimentos comerciais têm permissão para
adotar regras de funcionamento menos restritivas. Shoppings e galerias, por
exemplo, poderão funcionar com 60% da capacidade por um período de 12 horas
—eram 8 horas.
Ocorre
que, se fossem considerados os critérios do plano válido até a semana anterior
ao anúncio, apenas Sorocaba, das seis regiões que avançaram, teria os
indicadores de saúde necessários; as demais permaneceriam na fase amarela.
A
principal alteração se deu no período de análise dos dados da pandemia. Números
de novas internações, mortes e casos dos últimos 28 dias passaram a ser
cotejados com os 28 dias precedentes.
Antes,
a comparação envolvia dados dos últimos 7 dias e dos 7 dias pregressos.
Ademais, a Grande São Paulo, anteriormente dividida em seis áreas, foi
unificada.
Na
capital, a progressão de fase levou o prefeito Bruno Covas (PSDB) a anunciar a
reabertura de cinemas, teatros e museus.
Causa
espécie, porém, que o alcaide não tenha incluído na lista os parques, que, de
modo inexplicável, ainda permanecerão cerrados nos fins de semana. Esses
espaços, por serem abertos e arejados, favorecem a dispersão do patógeno, sendo
assim mais seguros que os ambientes fechados.
Quanto
a Doria, os próximos dias serão cruciais para verificar o acerto de sua
estratégia. Por compreensível que seja o desejo geral de retomar o máximo da
normalidade cotidiana, a prudência deve ser a principal conselheira no
enfrentamento da pandemia.
Brasil ignora pressão externa contra destruição ambiental – Opinião | Valor Econômico
O
governo de Bolsonaro mantém-se impávido em sua arrogante ignorância
A
política de destruição ambiental do governo de Jair Bolsonaro está sendo alvo
de uma escalada de críticas, sem que haja movimento perceptível de conciliação
da parte do Palácio do Planalto. Na semana passada, o Parlamento Europeu
rejeitou o acordo de livre comércio entre União Europeia e Mercosul, justificando
que não pode ser ratificado “como está”. O texto original incluía um trecho que
mencionava diretamente as ações ambientais do governo brasileiro - ou a falta
delas -, suprimido pela diplomacia na versão final.
O
ato do Parlamento Europeu foi simbólico. A casa não possui direito de
iniciativa legislativa, atribuição da Comissão Europeia, conforme o Tratado de
Lisboa. Além disso, o acordo ainda precisa ser analisado pelos parlamentos dos
países do bloco. O governo brasileiro gosta de culpar o protecionismo francês
e, especialmente, as idiossincrasias do presidente Emmanuel Macron. Pode haver
algum fundo de verdade nisso, mas a França não está sozinha nessa batalha. A
atual presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, se mostra
bastante comprometida com as questões ambientais, outro sinal de que o Brasil
pode se ver em apuros logo.
Mais
do que isso, é preciso lembrar que a decisão do Parlamento Europeu se segue a
movimentos do setor privado europeu, que vem se manifestando desde o início do
ano. Em maio, cerca de 40 grandes empresas europeias enviaram carta ao
Congresso afirmando que deixariam de comprar produtos brasileiros caso fosse
aprovada a Medida Provisória 2.633, a chamada MP da Grilagem. Em junho,
gestores de fundos internacionais manifestaram preocupação com o desmatamento
no Brasil, ameaçando suspender investimentos e financiamentos. Um mês depois,
conseguiram a adesão dos grandes bancos privados brasileiros. Em setembro, oito
governos europeus enviaram carta ao vice-presidente Hamilton Mourão,
responsável pelo Conselho Nacional da Amazônia, cobrando ações contra o desmatamento.
Agora
mesmo, enquanto o Parlamento Europeu se manifestava, duas dezenas de grandes
empresas britânicas e multinacionais responderam a consulta do governo do Reino
Unido pedindo uma legislação mais dura contra o desmatamento, empurradas por
seus clientes, que ameaçam parar de frequentar suas lojas ou comprar seus
produtos caso façam aquisições de matérias-primas ou de artigos de países que
não preservam suas florestas. Entre elas, Tesco, Nestlé, Mondelez e McDonald’s.
As
críticas sobem o tom em cenário em que o Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe) registrou aumento de 14% dos focos de incêndio na Amazônia de
janeiro a setembro deste ano, na comparação com o mesmo período de 2019, e de
82% no Pantanal, frente a todo o ano passado.
A
resposta do governo brasileiro varia entre acusar o protecionismo, como fez o
general Mourão, ameaçar retaliação, como disse o ministro do Gabinete de
Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, ou criticar a “vilanização” do
agronegócio brasileiro, como reclamou a ministra da Agricultura, Teresa
Cristina.
O
presidente Jair Bolsonaro sintetizou essas mensagens em seu discurso na
abertura da 75ª Assembleia Geral da ONU, em setembro. Bolsonaro expôs seu
negacionismo, minimizando os desmatamentos e incêndios que devastam a Amazônia
e o Pantanal. Atribuiu o problema no Amazonas à ação de caboclos e indígenas.
Espalhou a desinformação, sem apresentar dados; e ainda atribuiu as críticas de
estrangeiros a interesses escusos.
No
início do segundo semestre, propostas polêmicas como a demarcação das terras
indígenas e liberação da mineração nessas áreas foram postas em banho-maria
diante da pressão internacional. Em setembro, o Conselho Nacional de Meio
Ambiente revogou a legislação que protegia manguezais e restingas, importantes
para a preservação de diversas espécies. Neste mês, criou grupo de trabalho
para discutir a fusão do Ibama com o ICMBio, em mais um passo de desmonte das
estruturas de proteção do ambiente. Quem aparentava mais sensatez parece ter
abdicado dela. A ministra Teresa Cristina defendeu a presença do “boi bombeiro”
para evitar incêndios no Pantanal.
O Brasil corre o risco de inviabilizar o acordo da UE com o Mercosul e de ver fechados alguns de seus principais mercados externos. O governo de Bolsonaro mantém-se impávido em sua arrogante ignorância.
Nenhum comentário:
Postar um comentário