terça-feira, 13 de outubro de 2020

O que a mídia pensa – Opiniões / Editoriais

Candidatos devem ser cobrados sobre o pós-pandemia – Opinião | O Globo

O choque pandêmico obrigará a novas abordagens na saúde, no saneamento e no transporte público

Mais de 517,7 mil candidatos foram inscritos para a disputa eleitoral de 15 de novembro. Se confirmados pela Justiça Eleitoral, haverá uma quantidade recorde de candidaturas, 27% mais que em 2016.

É provável que, a partir de 2022, quando os eleitos estiverem iniciando o segundo ano de mandato, já estejam disponíveis meios de controle — ou ao menos mitigação — dos efeitos do novo coronavírus. É legítimo, portanto, uma firme e permanente cobrança dos eleitores, desde já, sobre os planos dos candidatos a prefeito e vereador para mudanças estruturais nas cidades no ciclo pós-pandemia.

O choque pandêmico obriga a novas abordagens na organização da vida urbana. Ganha relevo a poluição dos canais fluviais, de que dependem as cidades às margens dos poluídos rios Paraíba do Sul, no Estado Rio, ou Tietê, em São Paulo.

A fragilidade dos ecossistemas, veículos para a transmissão de patógenos, sempre foi aspecto fundamental nas políticas de saúde pública. O coronavírus apenas põe o problema em evidência.

A saúde pública depende do saneamento. No quadro brasileiro de precariedade, parte da solução pode estar na cooperação intermunicipal, já que, no ano passado, 2.200 prefeituras (quase 40% do total) gastaram por dia nos serviços de saúde menos de um real por habitante. Há experiências relativamente bem-sucedidas de consórcios sanitários nas cidades onde ocorre adensamento demográfico, via favelização.

Um de cada três municípios nem tem órgão responsável por fiscalizar a qualidade da água, segundo o IBGE. Cerca de 70% das habitações do Norte e do Nordeste não têm esgoto tratado, assim como metade dos domicílios do Sudeste e Centro-Oeste e 45% do Sul. Novas regras setoriais foram aprovadas, atraentes ao investimento privado. A execução dependerá da atuação cooperativa de prefeitos e vereadores que assumem em janeiro.

A degradação das águas, do solo e dos serviços urbanos prosseguirá se não houver convergência nos planos de cidades limítrofes para erradicar a indústria de loteamentos irregulares ou clandestinos. Eles se espalham por 3,3 mil municípios (60% do total), com destaque para os que integram a Grande Rio.

Mudanças nos fluxos urbanos também serão necessárias na nova realidade. Significa reprogramar horários de funcionamento de escritórios, comércio, escolas e indústrias nas maiores cidades, com consequências previsíveis na operação do sistema de transporte coletivo intermunicipal. Nove de cada dez prefeituras, no entanto, ainda não têm organismo responsável, nem definiram política para o setor.

Eleitores precisam cobrar consistência nos projetos dos candidatos a prefeito e vereador. Os eleitos serão responsáveis pelo sucesso ou pelo desastre da vida nas cidades no ciclo pós-pandemia.

Competição externa pode aumentar a transparência nas licitações públicas – Opinião | O Globo

Adesão ao acordo internacional sobre compras governamentais representaria avanço para o Brasil

O governo apresentou à Organização Mundial do Comércio (OMC) na semana passada uma lista de iniciativas já adotadas para a adesão do Brasil ao Acordo sobre Compras Governamentais, sistema de normas usado por 48 países na aquisição de bens e serviços. Iniciou a coleta, por consulta pública, de sugestões do setor privado para mudanças na legislação nacional sobre contratos e licitações públicas.

Desse acordo, conhecido pela sigla em inglês GPA, participam União Europeia, Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul, Austrália, Canadá e Suíça. Somam US$ 1,7 trilhão por ano em compras governamentais.

O GPA permite, com reciprocidade, a abertura à concorrência estrangeira nas compras realizadas por organismos ligados ao Estado signatário. Empresas dos países do grupo têm garantias legais de acesso às licitações de todos governos em igualdade com fornecedores nacionais.

Para o Brasil, isso representaria uma evolução. Há tempos tenta-se, sem êxito, modificar a base regulatória desenhada na Lei de Licitações (nº 8666, de 1993). Sucedem-se escândalos sobre corrupção, como os revelados pela Operação Lava-Jato, sem avanço nas regras concorrenciais.

A integração é oportunidade para melhorar o controle e a transparência, com base nos padrões adotados onde a competição capitalista está consolidada. Poucos países em desenvolvimento têm condições de fazer parte do GPA, por causa das limitações impostas nas compras governamentais, e, também, porque esse acordo tende a ser mais benéfico às nações com potencial exportador de bens e serviços adequados ao setor público.

Uma das consequências imediatas da adesão ao GPA é o aumento da participação de produtos importados nas compras públicas locais. A substituição do suprimento nacional pelo estrangeiro pode resultar, inicialmente, em desequilíbrios para fornecedores tradicionais. Em contrapartida, a abertura externa proporciona às empresas brasileiras ganhos suficientemente compensatórios. Pelas projeções oficiais, as contas setoriais se tornariam superavitárias a a partir do aumento de apenas um ponto percentual nas exportações de bens e serviços aos 48 integrantes do GPA.

O prêmio maior, no entanto, seria a eficiência no gasto público. A instauração de um regime mais equilibrado de concorrência oxigenaria os negócios entre as empresas privadas e o setor público. Tradução: menos corrupção. Só isso já seria motivação necessária e suficiente para justificar o avanço do país na integração ao acordo.

Bolsonarismo sem Bolsonaro – Opinião | O Estado de S. Paulo

Os zelotes desse movimento de araque terão que procurar outro messias para adorar

A base radical bolsonarista está decepcionada com o presidente Jair Bolsonaro. A gota d’água foi a indicação do desembargador Kassio Marques para a vaga no Supremo Tribunal Federal. 

Assim que o nome do magistrado foi anunciado, as redes sociais bolsonaristas entraram em parafuso, e Bolsonaro chegou a ser chamado de “traidor”. Tudo porque Kassio Marques é considerado “petista” por ter sido nomeado pela presidente Dilma Rousseff em 2011 para o Tribunal Regional Federal da 1.ª Região.

Para piorar, o senador Renan Calheiros, alvo de 17 inquéritos em curso no Supremo, resolveu dar seu apoio explícito a Bolsonaro, dizendo que o presidente “pode deixar um grande legado para o Brasil que é o desmonte desse Estado policialesco que tomou conta de nosso país” – em referência à Operação Lava Jato. Segundo Renan Calheiros, a nomeação de Kassio Marques para o Supremo, bem como a de Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República e a demissão de Sérgio Moro do Ministério da Justiça, faz parte desse “desmonte”.

O próprio Bolsonaro não se fez de rogado e disse: “Acabei com a Lava Jato, porque não tem mais corrupção no governo”. Os intérpretes benevolentes da glossolalia bolsonarista podem dizer que o presidente só usou uma força de expressão para enfatizar a desnecessidade da Lava Jato ante a lisura de seu governo; já quem não é bobo viu aí um ato falho que trai um desejo.

Para aqueles que elegeram um político que prometia solenemente levar a Lava Jato para o centro do poder em Brasília – e para isso carregou a tiracolo o juiz símbolo da operação, Sérgio Moro – deve ser mesmo uma decepção e tanto.

O fato é que Bolsonaro está se descolando do chamado “bolsonarismo”, o movimento que leva seu nome, mas, como a esta altura já está claro, quase nada tem a ver, em essência, com o ex-deputado do baixo clero.

Para os fanáticos “bolsonaristas”, quase todos os políticos são corruptos, o “establishment”, dominado por “comunistas”, é o grande inimigo do País e a própria atividade política é irremediavelmente criminosa, razão pela qual defendem rupturas institucionais e, no limite, a instalação de uma ditadura. Era um discurso reacionário à procura de quem o declamasse sem qualquer pudor. 

A certa altura, Bolsonaro se ofereceu como o político que empunharia essa bandeira golpista, em nome do saneamento moral na Nação, e acabou por se viabilizar eleitoralmente, sobretudo em face dos muitos desmandos do PT e dos muitos erros cometidos pelos partidos do centro democrático.

Bolsonaro, contudo, nunca foi “bolsonarista”, no sentido dado por seus agora abalados seguidores. Mau militar e parlamentar de baixíssima extração, fez carreira medíocre na defesa de corporações de servidores públicos, sendo muito mais bem-sucedido como cabo eleitoral dos filhos.

Era preciso ser muito ingênuo, mal informado ou vesano para acreditar que alguém com essa folha corrida, sem qualquer serviço prestado ao País, fosse de fato liderar um movimento pelo resgate ético do Brasil. Passados quase dois anos do mandato, Bolsonaro já parece estar muito mais à vontade para rasgar a fantasia de impoluto defensor dos valores morais da Pátria, que nunca lhe caiu bem, e exibir-se como sempre foi, sem tirar nem pôr.

Bolsonaro caiu nos braços do Centrão, grupo de partidos fisiológicos com os quais tem muito mais afinidade do que os sabujos que o chamam de “mito” gostariam de admitir. Em meio a políticos que dedicam tempo e energia pensando exclusivamente na eleição seguinte e em como extrair vantagens do poder, o presidente deve estar se sentindo em casa.

Assim, com as bênçãos do sempiterno Renan Calheiros, governista sob qualquer governo, Jair Bolsonaro pode se entregar de corpo e alma a seu projeto de reeleição e concentrar energias na costura para evitar que sua prole, encalacrada na Justiça, responda por seus atos. 

Tudo isso mostra que, para Bolsonaro, o “bolsonarismo” nunca existiu senão como veículo para seu oportunismo político. Os zelotes desse movimento de araque terão que procurar outro messias para adorar.

Uma pequena revolução – Opinião | O Estado de S. Paulo

O sistema de representação deixará aos poucos de estimular aventureirismo eleitoral

O fim da possibilidade de coligação nas eleições proporcionais, medida legislativa que entra em vigor no pleito deste ano, tem o potencial de deflagrar uma pequena revolução no sistema de representação no País.

Até a eleição de 2018, os partidos podiam coligar-se para a disputa de eleições proporcionais. Com isso, legendas minúsculas e com insignificante capacidade de representação tinham a possibilidade de herdar votos dados à coligação, graças aos chamados “puxadores de votos”, e eleger candidatos que, de outra forma, não teriam a menor chance de chegar ao Legislativo.

Esse fenômeno teratológico permitia que o voto dado pelo eleitor em um candidato elegesse outro, muitas vezes de orientação ideológica e propostas totalmente distintas. Também sustentava partidos cuja existência em si mesma desmoraliza a política, por se tratar de empreendimentos pessoais de políticos oportunistas, que os alugavam a esta ou àquela candidatura para ampliar o tempo de TV da coligação.

Isso acabou neste ano porque agora os partidos, nas eleições proporcionais, devem fazer campanha para si mesmos, sem pegar carona em legendas maiores ou coligar-se com outros partidos menores. Conforme a legislação aprovada em 2017, cada partido deve lançar seus próprios candidatos a vereador.

Assim, em cidades pequenas, cujas Câmaras têm até dez vereadores, a probabilidade é que somente dois ou três partidos consigam eleger representantes. Dessa forma, haverá um enxugamento progressivo do quadro partidário no nível municipal. A tendência é que a representatividade das legendas remanescentes aumente. Não significa necessariamente que essa representatividade reflita de fato as aspirações dos eleitores, mas já é alguma coisa, em vista da barafunda partidária que vigora hoje no País.

O sistema, portanto, deixará aos poucos de estimular o aventureirismo eleitoral, responsável pela tremenda fragmentação partidária que tanto dificulta a governabilidade e tanto facilita o trabalho de caciques políticos interessados somente em ter acesso ao Fundo Partidário e em vender tempo de TV nas campanhas eleitorais. Os partidos que ficarão pelo caminho podem se fundir uns com os outros, de modo a melhorar sua competitividade para os próximos pleitos, ou desaparecerão – sem que ninguém dê pela sua falta.

O fim das coligações nas eleições proporcionais vem se somar a outras mudanças menores, mas igualmente importantes. Uma delas, que já valeu nas duas últimas eleições, é a que determina que, para se eleger, um candidato ao Legislativo tem de obter ao menos 10% do quociente eleitoral – que é a divisão do número de votos válidos na eleição pelo total de cadeiras em disputa.

Além disso, o acesso ao Fundo Partidário e ao tempo de TV está limitado, desde a eleição de 2018, pelo desempenho do partido – a chamada cláusula de barreira. Naquele pleito, 14 partidos, cerca de metade das legendas hoje existentes, não conseguiram vencer essa barreira e devem perecer por inanição, a não ser que se juntem a outros partidos.

Nada disso significa que os partidos que consigam sobreviver a essa série de restrições sejam de fato autênticos representantes dos eleitores. Como se sabe, mesmo entre as grandes legendas há pouco de ideologia e doutrina e muito de arrivismo eleitoreiro. Raras agremiações exibem consistência partidária e podem apresentar-se como representação autêntica de seus correligionários e eleitores. E a maioria continua incapaz de se financiar por meio de seus apoiadores privados, tendo que recorrer ao dinheiro público depositado nos cada vez mais generosos fundos partidário e eleitoral.

Portanto, não há mudanças na legislação eleitoral que, por si mesmas, bastem e sejam realmente efetivas para melhorar a qualidade da representação. É preciso que o eleitorado demande dos partidos que tenham clareza de propósitos, muito além das mesquinhas disputas por nacos de poder e das ambições pessoais de seus líderes. É dessa educação cívica que depende fundamentalmente o aperfeiçoamento do sistema de representação e, portanto, da governabilidade do País.

A educação nos municípios – Opinião | O Estado de S. Paulo

Ao contrário do que às vezes se pensa, o prefeito pode ser decisivo para a qualidade do ensino

Na distribuição de competências definida pela Constituição, cabe aos municípios, com a cooperação técnica e financeira da União e dos Estados, manter os programas de educação infantil e de ensino fundamental. Assim, as eleições deste ano têm grande relevância para o futuro do ensino, uma vez que o eleitor escolherá nas urnas quem implementará no município as políticas educacionais pelos próximos quatro anos.

Se tudo isso já seria motivo mais que suficiente para um voto responsável nas eleições municipais, as circunstâncias atuais, com os muitos desafios relativos à pandemia do novo coronavírus, potencializam os efeitos da escolha que o eleitor fará na urna. Com o objetivo de qualificar esse debate, o Todos Pela Educação lançou a iniciativa “Educação Já Municípios”, que, entre outras medidas, apresenta uma série de recomendações sobre políticas educacionais focadas na gestão municipal. A iniciativa é um aprofundamento da agenda “Educação Já”, lançada em 2018, com o objetivo de subsidiar o poder público com diagnósticos e soluções para os temas fundamentais da educação.

No documento voltado para a esfera local, o Todos Pela Educação apresenta uma análise inédita dos municípios conforme sua evolução no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Os resultados indicam que, ao contrário do que às vezes se pensa, o prefeito pode ser decisivo para a qualidade do ensino.

Entre 2015 e 2019, 23% dos municípios brasileiros (1.300 de 5.570) ficaram estagnados ou retrocederam no Ideb dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Em relação aos Anos Finais, 22% dos municípios (1.270) ficaram nessa situação de estagnação ou retrocesso. É interessante observar, no entanto, que, nesse mesmo período – correspondente a um único mandato eleitoral –, 413 municípios avançaram mais de um ponto no Ideb nos Anos Iniciais e 518 obtiveram avanço semelhante nos Anos Finais. Num curto período, políticas educacionais adequadas podem fazer a diferença em um município. 

Ao tratar das recomendações de curto prazo, o Todos Pela Educação adverte que a suspensão prolongada das aulas tem amplas e duradouras consequências negativas sobre a educação básica, o que exige medidas imediatas para a retomada das atividades presenciais e a redução dos impactos da pandemia na comunidade escolar. Ao mesmo tempo, é necessário trabalhar em ações de médio prazo, voltadas para a melhoria do ensino. Não basta voltar à situação prévia à pandemia. Mesmo com todas as limitações e problemas atuais, um bom prefeito pode e deve realizar melhorias sustentáveis no sistema educacional.

Essas melhorias educativas devem se manifestar em três pontos: o acesso das crianças e jovens à escola, a trajetória adequada entre as séries e a aprendizagem de todos os alunos na idade certa. “Afinal, não basta estar na escola e passar de ano – é preciso aprender”, lembra o documento do Todos Pela Educação. Em todos esses três pontos, é preciso avançar nos próximos quatro anos. Por exemplo, entre os 25% mais ricos da população, mais da metade das crianças entre 0 e 3 anos está matriculada em creches. Entre os 25% mais pobres, tal porcentual não chega a 30%.

“Ainda que tenha havido evolução importante nos últimos anos, há muito o que se avançar na aprendizagem dos alunos no ensino fundamental”, diz o documento. Nesse cenário, é fundamental que os gestores públicos entendam a evolução do Ideb no seu município nos últimos anos e formem um diagnóstico preciso sobre os desafios de sua rede de ensino. Só assim será possível estabelecer objetivos específicos para a realidade local – muito diferente entre os 5.570 municípios – e implementar as medidas adequadas às circunstâncias concretas.

Não há caminho alternativo para o desenvolvimento do País. É preciso educar bem as crianças. Daí a importância de eleger prefeitos competentes e honestos, comprometidos de fato com a educação. Para tanto, a agenda da campanha eleitoral deve incluir a educação básica, em um debate maduro, apoiado em evidências.

Ponto de equilíbrio – Opinião | Folha de S. Paulo

Aposentadoria de Celso de Mello favorece atritos no STF como os dos últimos dias

aposentadoria do ministro Celso de Mello afasta do Supremo Tribunal Federal não apenas seu mais antigo integrante, o decano, mas aquele que soube defender com mais vigor a instituição e os poderes que a Carta de 1988 lhe conferiu.

A ordem jurídica edificada após a redemocratização do país não teria levado tão longe os direitos assegurados pela nova Constituição sem sua contribuição para fortalecer o STF como seu guardião e intérprete.

Quando o presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores desafiaram a autoridade do tribunal, coube ao ministro responder com a firmeza necessária para lembrá-los dos obstáculos impostos pela lei aos desmandos do chefe do Executivo.

Celso de Mello não fazia conchavo, não manipulava a pauta de julgamentos e evitava falar fora dos autos, usando o tempo para estudar os processos com afinco e elaborar seus votos caudalosos, que se impunham pela força da razão. Nomeado pelo ex-presidente José Sarney em 1989, ele deixará a corte nesta terça (13), depois de três décadas de serviços prestados e a poucos dias de completar 75 anos, idade-limite fixada pela legislação.

Com sua saída, o lugar do decano passará a ser ocupado pelo ministro Marco Aurélio Mello, mas por pouco tempo. Ele completará 75 anos de idade em julho e também terá de se aposentar, sendo substituído então por Gilmar Mendes.

Nenhum dos dois goza do mesmo respeito que Celso de Mello mereceu de seus pares. Num prenúncio das tempestades que se avizinham, ambos se estranharam nos últimos dias com o recém-empossado presidente da corte, Luiz Fux.

Gilmar o admoestou publicamente na semana passada, surpreendido pela resolução que transferiu para o plenário o julgamento de casos criminais que vinham sendo discutidos nas turmas em que os integrantes do STF se dividem.

No fim de semana, após determinar a soltura de um traficante de drogas ligado a uma facção criminosa, Marco Aurélio viu a medida ser revogada por Fux e protestou, classificando a decisão do presidente do tribunal como um horror.

Cada um expôs seus argumentos ao decidir o caso, como requer a lei, mas é preocupante a desinibição com que ambos deixaram de lado o espírito de harmonia que deveria presidir o colegiado, ao se insurgir contra uma ordem que contrariara suas convicções pessoais.

Não é de hoje que os ministros agem assim, mas tudo indica que a tensão aumentará na ausência de um ponto de equilíbrio como o que Celso de Mello representava.

A formação de maiorias no plenário expressa unidade e dá solidez às decisões do Supremo. As desavenças o enfraquecem, alimentando a insegurança jurídica. É por isso que o decano fará tanta falta.

São Paulo verde – Opinião | Folha de S. Paulo

Estado avança no retorno de atividades; capital erra ao não reabrir os parques

Quase sete meses após o início da quarentena em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) anunciou, na sexta (9), a ascensão de seis regiões à fase verde do plano que define estágios para a reabertura do comércio e de outras atividades.

A reclassificação atinge Campinas, Baixada Santista, Piracicaba, Sorocaba, Taubaté e Grande São Paulo —onde residem 3 de cada 4 paulistas. Observe-se, no entanto, que a maior parte desse avanço resulta de mudanças nas regras que embasam a estratégia.

Com a evolução para a fase verde, os estabelecimentos comerciais têm permissão para adotar regras de funcionamento menos restritivas. Shoppings e galerias, por exemplo, poderão funcionar com 60% da capacidade por um período de 12 horas —eram 8 horas.

Ocorre que, se fossem considerados os critérios do plano válido até a semana anterior ao anúncio, apenas Sorocaba, das seis regiões que avançaram, teria os indicadores de saúde necessários; as demais permaneceriam na fase amarela.

A principal alteração se deu no período de análise dos dados da pandemia. Números de novas internações, mortes e casos dos últimos 28 dias passaram a ser cotejados com os 28 dias precedentes.

Antes, a comparação envolvia dados dos últimos 7 dias e dos 7 dias pregressos. Ademais, a Grande São Paulo, anteriormente dividida em seis áreas, foi unificada.

O governo paulista afirma que as mudanças seguem as recomendações de seu painel de especialistas.
Ainda se contabilizam cerca de 150 mortes diárias no estado, e as novas infecções registradas giram em torno de 6.000 por dia. Trata-se de melhora expressiva na comparação com picos de 455 óbitos e 19 mil casos em um dia.

Na capital, a progressão de fase levou o prefeito Bruno Covas (PSDB) a anunciar a reabertura de cinemas, teatros e museus.

Causa espécie, porém, que o alcaide não tenha incluído na lista os parques, que, de modo inexplicável, ainda permanecerão cerrados nos fins de semana. Esses espaços, por serem abertos e arejados, favorecem a dispersão do patógeno, sendo assim mais seguros que os ambientes fechados.

Quanto a Doria, os próximos dias serão cruciais para verificar o acerto de sua estratégia. Por compreensível que seja o desejo geral de retomar o máximo da normalidade cotidiana, a prudência deve ser a principal conselheira no enfrentamento da pandemia.

Brasil ignora pressão externa contra destruição ambiental – Opinião | Valor Econômico

O governo de Bolsonaro mantém-se impávido em sua arrogante ignorância

A política de destruição ambiental do governo de Jair Bolsonaro está sendo alvo de uma escalada de críticas, sem que haja movimento perceptível de conciliação da parte do Palácio do Planalto. Na semana passada, o Parlamento Europeu rejeitou o acordo de livre comércio entre União Europeia e Mercosul, justificando que não pode ser ratificado “como está”. O texto original incluía um trecho que mencionava diretamente as ações ambientais do governo brasileiro - ou a falta delas -, suprimido pela diplomacia na versão final.

O ato do Parlamento Europeu foi simbólico. A casa não possui direito de iniciativa legislativa, atribuição da Comissão Europeia, conforme o Tratado de Lisboa. Além disso, o acordo ainda precisa ser analisado pelos parlamentos dos países do bloco. O governo brasileiro gosta de culpar o protecionismo francês e, especialmente, as idiossincrasias do presidente Emmanuel Macron. Pode haver algum fundo de verdade nisso, mas a França não está sozinha nessa batalha. A atual presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, se mostra bastante comprometida com as questões ambientais, outro sinal de que o Brasil pode se ver em apuros logo.

Mais do que isso, é preciso lembrar que a decisão do Parlamento Europeu se segue a movimentos do setor privado europeu, que vem se manifestando desde o início do ano. Em maio, cerca de 40 grandes empresas europeias enviaram carta ao Congresso afirmando que deixariam de comprar produtos brasileiros caso fosse aprovada a Medida Provisória 2.633, a chamada MP da Grilagem. Em junho, gestores de fundos internacionais manifestaram preocupação com o desmatamento no Brasil, ameaçando suspender investimentos e financiamentos. Um mês depois, conseguiram a adesão dos grandes bancos privados brasileiros. Em setembro, oito governos europeus enviaram carta ao vice-presidente Hamilton Mourão, responsável pelo Conselho Nacional da Amazônia, cobrando ações contra o desmatamento.

Agora mesmo, enquanto o Parlamento Europeu se manifestava, duas dezenas de grandes empresas britânicas e multinacionais responderam a consulta do governo do Reino Unido pedindo uma legislação mais dura contra o desmatamento, empurradas por seus clientes, que ameaçam parar de frequentar suas lojas ou comprar seus produtos caso façam aquisições de matérias-primas ou de artigos de países que não preservam suas florestas. Entre elas, Tesco, Nestlé, Mondelez e McDonald’s.

As críticas sobem o tom em cenário em que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou aumento de 14% dos focos de incêndio na Amazônia de janeiro a setembro deste ano, na comparação com o mesmo período de 2019, e de 82% no Pantanal, frente a todo o ano passado.

A resposta do governo brasileiro varia entre acusar o protecionismo, como fez o general Mourão, ameaçar retaliação, como disse o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, ou criticar a “vilanização” do agronegócio brasileiro, como reclamou a ministra da Agricultura, Teresa Cristina.

O presidente Jair Bolsonaro sintetizou essas mensagens em seu discurso na abertura da 75ª Assembleia Geral da ONU, em setembro. Bolsonaro expôs seu negacionismo, minimizando os desmatamentos e incêndios que devastam a Amazônia e o Pantanal. Atribuiu o problema no Amazonas à ação de caboclos e indígenas. Espalhou a desinformação, sem apresentar dados; e ainda atribuiu as críticas de estrangeiros a interesses escusos.

No início do segundo semestre, propostas polêmicas como a demarcação das terras indígenas e liberação da mineração nessas áreas foram postas em banho-maria diante da pressão internacional. Em setembro, o Conselho Nacional de Meio Ambiente revogou a legislação que protegia manguezais e restingas, importantes para a preservação de diversas espécies. Neste mês, criou grupo de trabalho para discutir a fusão do Ibama com o ICMBio, em mais um passo de desmonte das estruturas de proteção do ambiente. Quem aparentava mais sensatez parece ter abdicado dela. A ministra Teresa Cristina defendeu a presença do “boi bombeiro” para evitar incêndios no Pantanal.

O Brasil corre o risco de inviabilizar o acordo da UE com o Mercosul e de ver fechados alguns de seus principais mercados externos. O governo de Bolsonaro mantém-se impávido em sua arrogante ignorância.

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