Crianças
que não se desenvolvem plenamente se tornarão adultos às margens do mercado de
trabalho que virarão custo para o Estado
Na última década, o crescimento da economia brasileira esteve abaixo do de 90% dos países. Com o fim do bônus demográfico, será cada vez mais importante para o nosso futuro o crescimento da produtividade (a renda que cada trabalhador consegue gerar), já que o PIB não poderá depender de muitos trabalhadores entrando na força de trabalho (pois eles serão cada vez menos). Mas a produtividade cresce pouco no Brasil. O desafio é bem ilustrado pelo cálculo de Fabio Giambiagi: se a produtividade nas próximas três décadas crescer o mesmo que cresceu nas últimas três, não sairemos do lugar. Teremos em 2050 aproximadamente a mesma renda per capita que tínhamos antes da pandemia.
***
A
bebê era nervosa e tinha atrasos no desenvolvimento. Foi após seguidas visitas
domiciliares que uma agente identificou o problema. Os pais não deixavam ela
engatinhar. Haviam se mudado há pouco para a casa de chão áspero e irregular:
temiam que a garotinha se machucasse se fosse para o chão.
A
agente instalou uma espécie de trilha como solução, que permitiu que a criança
passasse a se locomover. Ela floresceu. “Antes era brava e nervosa. Agora é
bagunceira”, contou a mãe em matéria de Flávia Oshima, da revista Época, sobre
o Mais Infância – programa cearense de visitação domiciliar voltado para o
desenvolvimento infantil.
Essa
“desigualdade do engatinhar” é importante porque o desenvolvimento nos
primeiros anos de vida está associado ao desempenho na escola nos anos
seguintes e ao sucesso no mercado de trabalho. Em especial os primeiros mil
dias, que constituem um “estirão” do desenvolvimento – como resumiu neste Dia
das Crianças a deputada Paula Belmonte. A desigualdade nessa fase antecipa a
das fases seguintes.
O
engatinhar em si está até relacionado à capacidade de resolver problemas e de
aprender, mas o relato do sertão cearense é emblemático em mostrar como os
brasileiros são diferentes desde este momento. O Renda Brasil pode ser uma
grande oportunidade de combater as desigualdades desde esse início.
A
ampliação das escassas transferências de renda contribui para reduzir as
privações a que crianças pobres estão submetidas e o estresse no domicílio,
mesmo papel que cabe à inclusão das mães no mercado de trabalho. Expandir a
rede de creches pode contribuir com cuidado de maior qualidade. Fortalecer o
programa nacional de visitação domiciliar – o Criança Feliz – ajuda a ensinar
os pais a estimularem seus filhos desde logo, como evidencia o caso do Mais
Infância Ceará.
Como
sabemos, porém, essas políticas ainda não foram consideradas prioritárias o
suficiente para terem financiamento garantido. Além dessas, a história do
sertão ressalta a relevância das políticas de habitação. Seja com apoio estatal
direto como no Casa Verde e Amarela/MCMV, ou combatendo as regras que limitam a
oferta de imóveis nos grandes centros, o fato é que a políticas habitacionais
podem ser chave para a infância – sobretudo num país que crianças não têm
acesso a creche.
Estudos
têm sugerido que a qualidade das residências pode afetar as capacidades
cognitivas e emocionais das crianças, em parte por prejudicar o comportamento
das mães (Coley et al., 2012) e que os efeitos negativos de crescer em lares
com adensamento excessivo se prolongariam até a vida adulta, prejudicando renda
e saúde (Solari e Mare, 2012; Marsh et al., 2010). Já filhos de famílias que
precisam gastar muito de sua renda com aluguel teriam resultados cognitivos
piores (Newman e Holupka, 2014).
Aqui,
dados do IBGE mostram que crianças predominam sobre as demais faixas etárias em
medidas de vulnerabilidade nas condições do domicílio: estão mais expostas a
adensamento excessivo, ônus excessivo com aluguel, ausência de banheiro
exclusivo e paredes externas construídas com materiais não duráveis. O mesmo
ocorre no que se refere ao saneamento, o que quer dizer que o engatinhar de
crianças mais pobres compete com o de insetos e ratos.
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Naercio Menezes e Bruno Komatsu, do Insper, traçam a ligação entre as privações da primeira infância e o problema de produtividade da economia brasileira, em estudo publicado neste mês (Uma Proposta de Ampliação do Bolsa Família para diminuir a Pobreza Infantil). Se neste momento gastar mais com a infância parece contraproducente para os esforços de equilíbrio fiscal, eles argumentam o contrário.
Crianças
que não se desenvolvem plenamente se tornarão alunos, que se tornarão adultos.
Em vez de adultos produtivos, bem empregados e pagadores de impostos, serão
adultos às margens do mercado de trabalho que virarão custo para o Estado –
“minando a sustentabilidade fiscal do País no longo prazo.”
* Doutor em economia
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