terça-feira, 13 de outubro de 2020

Alvaro Costa e Silva – O terno preto de João Saldanha

- Folha de S. Paulo

Se a esquerda não brigasse contra ela mesma nas eleições, não seria a esquerda

Com a mesma sem cerimônia com que comentava futebol no rádio ou instruía jogadores da seleção brasileira à beira do gramado, João Saldanha respondeu ao convite do Partido Comunista, para que se candidatasse a prefeito do Rio, em 1985, dizendo que não tinha “um terno preto” para usar na campanha.

O terno preto era uma sutil estocada nos prefeitos anteriores, todos biônicos, como se dizia na época, empossados depois da fusão da Guanabara com o antigo Rio de Janeiro, em 1975 —a cidade do Rio passando a ser a capital do novo estado. Marcos Tamoyo, da Arena, foi disparado o pior deles, páreo duro com o atual Marcelo Crivella, mas este ainda leva muita vantagem.

“Eu não sou candidato. Até porque a lagoa é do estado, só o peixe podre é que é da prefeitura. O Theatro é Municipal, mas quem manda é o estado. Eu vou fazer o quê? Pegar o lixo? Eu não quero esse cargo”, disse Saldanha, cobrando mais autonomia para o município.

Pressionado por velhos companheiros do Partidão, ele aceitou ser o vice na chapa encabeçada por Marcelo Cerqueira, advogado de presos políticos: “Quero ajudar um bocadinho a provar que as forças da chamada esquerda podem se juntar”.

Mas as forças da esquerda não estavam tão unidas assim. A vontade de Cerqueira e Saldanha, da coligação PSB-PCB, era derrotar Saturnino Braga, do PDT brizolista, que acabou confirmando o favoritismo na eleição. Hoje impera o fogo amigo entre as candidaturas de Marta Rocha (PDT), Benedita da Silva (PT) e Renata Souza (PSOL), que juntas somam 21% das intenções de voto, segundo o Datafolha. O líder das pesquisas, Eduardo Paes, tem 30%.

Quanto ao lixo, era uma blague de João Saldanha. Cuidar dele nunca foi um encargo menor, quanto mais numa metrópole. Crivella tornou-se inelegível, em decisão do TRE-RJ, porque sujou a Comlurb, a empresa de limpeza pública, praticando abuso de poder.

*Alvaro Costa e Silva, jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".

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