Juízes
e ministros do STF não são robôs, que juntam o caso X com o artigo Y e apertam
um botão
Em
27 de julho do ano 2000, escrevi artigo sobre a decisão monocrática do Supremo
que mandou soltar o então banqueiro Salvatore Cacciola, apesar da obviedade da
culpa e das evidências de que, assim que deixasse a prisão, ele fugiria do
País. O ministro deu a liminar, Cacciola voou para a Itália, via Paraguai e
Argentina, e só foi preso de novo seis anos depois, ao cometer um erro
primário. Título do artigo: “Marco Aurélio, qual é a sua?”
Vinte
anos e muitas decisões polêmicas depois, Marco Aurélio Mello assume a partir de
hoje a solene condição de decano, no lugar do ministro Celso de Mello, já
empurrando a Corte para o centro do debate nacional – ou melhor, da ira
nacional. Qual o sentido de soltar André do Rap, o chefe do PCC que a polícia
demorou anos e gastou fortunas para capturar?
Dono de helicóptero, lancha, mansões e carrões, o facínora tem duas condenações em segunda instância, somando 26 anos, mas entrou com recurso e estava ainda em prisão provisória desde setembro de 2019. Ao acatar o habeas corpus, Marco Aurélio justificou que sua prisão não fora renovada de 90 em 90 dias, como manda o novo Código Penal, aprovado no Congresso e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro – contra a posição de Sérgio Moro.
Pode?
Não pode. Bastava o relator pedir explicações e ganhar tempo até cumprir-se a
burocracia. Mas esse não seria Marco Aurélio. Ele tem cultura jurídica, é
respeitado tecnicamente, acorda cedo e mergulha em livros, leis e casos. O
problema é a personalidade, o gosto de ser “do contra”. Se tal julgamento foi
10 a 1, o “1” é de Marco Aurélio, 74, no STF desde 1990, por indicação de seu
primo Collor de Mello.
Ao
libertar o líder do PCC, ele determinou: “Advirtam-no da necessidade de
permanecer em residência indicada ao juízo, atendendo aos chamados judiciais”.
Seria cômico, não fosse trágico. André do Rap deve ter dado boas gargalhadas
antes de escafeder-se por esse mundão afora, assim como Cacciola ao fugir para
sua Itália natal.
Na
época, nem havia o artigo usado agora pelo ministro, mas o resultado foi o
mesmo. O então presidente do STF, Carlos Velloso, revogou a liminar de Marco
Aurélio e mandou prender Cacciola novamente, assim como o atual, Luiz Fux, fez
no caso de André do Rap. Tarde demais nas duas vezes. Eles têm dinheiro,
recursos e aliados para fugir da polícia, do MP e da Justiça, que são obrigados
a consumir nossos impostos, durante anos, para prendê-los de novo.
Com
a “letra fria da lei”, Marco Aurélio jogou o País contra o Supremo, aprofundou
o racha na Corte, deixou Fux sem saída e gerou um empurra-empurra infernal. Um
ministro condena Marco Aurélio, outro recrimina Fux, o Congresso joga no colo
do MP, o MP devolve para o Congresso. Para nós, os leigos, é uma bagunça. Para
os traficantes, uma janela de oportunidades.
Juízes
e ministros do STF não são robôs, que juntam o caso X com o artigo Y e apertam
um botão. São seres humanos que estudam e aplicam leis, conscientes de que cada
caso é um caso e avaliando personagens, circunstâncias e a gravidade da
situação, com bom senso. Afinal, qual o objetivo? Fazer justiça. Por isso o
plenário tem 11 votos, 11 formas de compreender e votar, evitando empates.
O
Congresso não deveria aprovar um artigo tão burocrático, Bolsonaro não deveria
sancionar sem ouvir seu ministro da Justiça, Marco Aurélio deveria ter juízo.
André do Rap, definido por Fux como de “altíssima periculosidade”, que
“compromete a ordem e a segurança pública”, não estaria solto por uma canetada
“técnica”, aterrorizando a sociedade e jogando dúvidas sobre a justiça
brasileira.
*Comentarista da Rádio Eldorado, da Rádio Jornal e do Telejornal Globonews em Pauta
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