O
governo Bolsonaro não apenas releva os dados relativos à covid-19, como ignora
reflexões sobre políticas públicas que surgiram por ocasião da pandemia
Ao expor e potencializar uma série de desafios do Estado em sua tarefa de prover as condições para o desenvolvimento social e econômico do País, a pandemia do novo coronavírus suscitou na sociedade um profícuo debate sobre políticas públicas. Nos últimos meses, surgiram interessantes reflexões e propostas sobre saúde pública, formação e educação das novas gerações, aprimoramento de programas e gastos sociais, caminhos para o reequilíbrio fiscal, entre outros temas. O País viu florescer aquilo que é considerado elemento essencial de uma sociedade madura e responsável: a participação ativa da população, com suas variadas especialidades e capacidades, no debate público.
Na discussão das políticas públicas, é sempre necessário um pluralismo de ideias e perspectivas. Nunca há, tampouco é desejável, consenso absoluto sobre os caminhos a serem seguidos. De toda forma, deve-se reconhecer que existe hoje um panorama claro das prioridades do País que só não é percebido pelo presidente Bolsonaro e vários de seus ministros. Por exemplo, é urgente assegurar a capacidade de investimento do Estado no Sistema Único de Saúde (SUS) e nas redes públicas de ensino, que atendem cerca de 80% das crianças e adolescentes. Por ocasião das eleições deste ano, entidades civis apresentaram propostas consistentes para as próximas gestões municipais sobre saúde e educação; por exemplo, a Agenda Saúde na Cidade, do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde, e o estudo Educação Já Municípios, do Todos Pela Educação.
Outro
tema que não apenas foi objeto de muitas discussões e propostas neste ano, mas
ganhou, em razão da pandemia, uma nova dimensão foi a desigualdade social. O
novo coronavírus gerou restrições e adversidades sobre as famílias de todas as
classes e condições sociais, mas ficou evidente que o impacto da pandemia foi
desproporcionalmente maior sobre as faixas da população mais vulneráveis.
Logicamente,
não se trata de um tema novo. A redução das desigualdades sociais e regionais
é, segundo a Constituição, um dos objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil. Mas essa mais apurada percepção sobre as disparidades
sociais oferece, sem sombra de dúvida, uma importante oportunidade para que o
Estado reveja sua atuação. Dada sua transversalidade, o tema da desigualdade
joga luzes, por exemplo, sobre a urgência de muitas reformas; como a reforma
tributária, a administrativa e a PEC Emergencial. Mas é lamentável que o
governo Bolsonaro não desenvolva tais programas.
“Para
lidar com isso (o aumento da desigualdade em razão da crise) e ao mesmo tempo
manter a regra fiscal, ter credibilidade de que os gastos não vão crescer acima
do PIB, o Brasil precisa fazer alguma reforma de curto prazo. Precisa fazer
cortes de gastos obrigatórios que permitam aumentar o gasto social. É essa a
discussão da PEC Emergencial”, disse Solange Srour, economista-chefe do Credit
Suisse no Brasil, ao Estado.
Outro
importante ponto, reforçado pela pandemia do novo coronavírus, é a necessidade
de revisão dos programas sociais existentes, como Bolsa Família e
Seguro-Defeso. “Há uma série de programas que podem ser reformulados para
lidarmos com a desigualdade sem aumentar o gasto”, lembrou a economista-chefe
do Credit Suisse.
Se
é alvissareiro o protagonismo de setores da sociedade em apresentar caminhos e
soluções para os grandes problemas sociais e econômicos do País, é inexplicável
a ausência do Executivo federal nesse debate. O governo Bolsonaro não apenas
releva os dados relativos à covid-19, como ignora as evidências e reflexões
sobre políticas públicas que surgiram por ocasião da pandemia.
Estados
e municípios podem e devem realizar uma relevante agenda social. No entanto, a
atuação do poder público fica muito limitada se o Executivo federal não cumpre
seu papel. Como lembrou Solange Srour na entrevista ao Estado, “não vai
sair nenhuma revisão de gasto social ou corte de despesa obrigatória se a
liderança não for do Executivo”.
Incapaz
de formular propostas, o governo Bolsonaro poderia ao menos aproveitar as que
lhe são oferecidas pela sociedade. No entanto, até agora, segue alheio à crise
e às possíveis soluções.
Sangue-frio na política de juros – Opinião | O Estado de S. Paulo
Apesar
da inflação, o BC evita reduzir o alívio ao Tesouro e o apoio às empresas
Pioram as expectativas de inflação e aumentam as apostas numa alta dos juros básicos no meio de 2021, mas os dirigentes do Banco Central (BC) têm motivos para manter o sangue-frio. Um aperto monetário poderia ser desastroso. Causaria enormes problemas ao Tesouro, já superendividado, e reduziria um dos poucos estímulos disponíveis para as empresas. Além disso, o cenário é nebuloso dentro e fora do País. No exterior, a recuperação econômica é ameaçada, no curto prazo, por novos surtos da pandemia. No Brasil, a incerteza sobre o ritmo de crescimento, especialmente com o fim dos auxílios emergenciais, permanece “acima da usual”.
A
inflação tem superado as previsões e deve continuar elevada neste fim de ano,
mas os choques atuais são “temporários”, segundo o Copom, o Comitê de Política
Monetária do BC, formado por diretores da instituição e responsável pela
política de crédito. Esse diagnóstico é um dos argumentos a favor da manutenção
dos juros básicos em 2% ao ano.
Com
essa decisão, anunciada no começo da noite de quarta-feira, a taxa permaneceu
em seu piso histórico. De fato, é uma taxa negativa – menor que a inflação
projetada – e nisso se assemelha aos juros definidos por bancos centrais de
vários países do mundo rico.
Mas
até os membros do Copom mantêm alguma cautela diante dos choques de preços.
Embora os descrevam como temporários, vão monitorar sua evolução atentamente,
segundo informam em nota divulgada depois da última reunião. Além disso,
expectativas de inflação em alta são um risco mencionado em várias passagens do
comunicado, embora os autores do texto acabem repetindo o recado
tranquilizante: neste momento, as expectativas de inflação de longo prazo
permanecem ancoradas.
Ancoradas,
talvez, mas com menor firmeza que em outros tempos, e isso poderá implicar
mudanças no estilo da política monetária. Os analistas, como assinala o
comunicado em linguagem muito mais enrolada, projetam inflação bem mais perto
da meta nos próximos anos. Algumas estimativas indicam alta de preços até acima
do alvo de 3,5% fixado para 2022. No cenário básico do Copom, destacado no
informe, a taxa projetada é de 3,4%.
O
“horizonte relevante” para as decisões do Copom atualmente abrange 2022. Esse
ano obviamente ganhará importância na formulação da política, nos próximos
meses, com o avanço no ano-calendário de 2021. Uma das consequências poderá ser
o abandono da forward guidance (prescrição antecipada), um estilo de
comunicação adotado a partir de agosto.
Com
esse procedimento, o Copom passou a indicar a manutenção dos juros enquanto
três condições fossem observadas: projeções de inflação abaixo da meta no
horizonte relevante, gestão fiscal responsável e expectativas de longo prazo
ancoradas. O BC tem assim oferecido ao setor privado condições para programar
suas atividades com maior segurança.
Expectativas
de inflação mais próxima da meta tendem a eliminar a folga para a forward
guidance. O Copom absteve-se de informar se o estilo de comunicação já será
alterado depois de sua próxima reunião, em janeiro. A mudança foi mencionada
apenas como possibilidade. Além disso, a alteração poderá ocorrer, segundo o
comunicado, sem implicar elevação dos juros. Mas para o mercado será inevitável
o retorno ao suspense antes de reuniões do comitê.
O
mercado é só um dos destinatários possíveis da mensagem do Copom. As incertezas
sobre o crescimento, a política fiscal, as oscilações do dólar e a inflação
estão associadas, em primeiro lugar, a indefinições do Executivo, a seus
conflitos internos e à fixação do presidente Jair Bolsonaro em seus objetivos
pessoais. É notório seu desinteresse em relação a assuntos de governo, exceto
quando podem afetar o jogo da reeleição. Pior: é visível sua disposição, só
disfarçada ocasionalmente, de sujeitar a administração a suas ambições, se
houver brechas para isso. Outro presidente poderia ler a mensagem e, talvez,
levar a sério as advertências, mas, para isso, precisaria entender o vínculo
entre Presidência e governo.
Uma mar de oportunidades para a cabotagem – Opinião | O Estado de S. Paulo
Projeto
votado na Câmara conta com amplo apoio de representantes do setor
O
Brasil é um país continental, com imensos canais fluviais e cerca de 70% da
população vivendo a 200 km de seus quase 8 mil km de costa. Apesar disso, o
transporte aquaviário responde por apenas 11% da matriz logística, ante 65% do
rodoviário. O uso excessivo do transporte rodoviário implica baixa produtividade
no transporte de cargas, onerosidade da infraestrutura rodoviária, além de
riscos de acidentes e mortes, e emissão de poluentes. Em contrapartida, o
transporte aquaviário, sobretudo para longas distâncias, é mais eficiente,
menos custoso, mais seguro e mais limpo.
Um
dos pontos-chave do projeto é a flexibilização do afretamento, ou seja, do
acesso a embarcações para empresas brasileiras de navegação. Os regulamentos
atuais são demasiado restritivos e protecionistas, exigindo que a embarcação tenha
bandeira brasileira ou seja tripulada por brasileiros. Muitas empresas de
transporte têm de construir seus navios ou nacionalizar embarcações. Outra
opção é o afretamento “a tempo” de embarcações estrangeiras ou “a casco nu”,
com as embarcações operando temporariamente sob a bandeira brasileira. Mas as
restrições regulatórias impõem custos altos que limitam a oferta e os
ofertantes ante uma demanda crescente. Além disso, a volatilidade do mercado
internacional acarreta incertezas no valor do frete e disponibilidade da frota.
O
projeto prevê a facilitação progressiva dos afretamentos. As empresas
brasileiras poderão constituir uma subsidiária em outro país e fretar da
própria subsidiária uma embarcação “a tempo”, com custos operacionais mais
baixos. O projeto também prevê que, quatro anos após a sanção da lei, os
afretamentos “a casco nu” poderão ser contratados sem que a empresa tenha
embarcações brasileiras.
Além
das facilidades no uso de embarcações de terceiros e aquisição de novas
embarcações, o projeto prevê incentivos à indústria naval brasileira, em
especial para a manutenção da frota, e para a modernização e ampliação dos
terminais portuários.
Na
última década a cabotagem tem crescido na ordem de 10% ao ano. Com o novo
quadro regulatório, o governo prevê uma elevação de 40% na oferta de
embarcações e 65% do volume de contêineres em dois a três anos, o que elevaria
o crescimento da cabotagem a 30% ao ano.
Com
o tempo, o novo regulamento também deve levar a uma melhor distribuição de
portos. Hoje, entre os 175 portos do País, os de Santos e Paranaguá concentram
40% da movimentação. Entre os 10 maiores portos, apenas um está na Região
Norte. Além disso, há os 76 portos fora da costa, muitas vezes subutilizados.
Convém
notar que a resistência corporativa de certos setores do transporte rodoviário
não se sustenta. A parcela mais significativa do transporte de cabotagem é de
petróleo, e não concorre com o transporte rodoviário. Quanto aos contêineres, a
migração deve ser ínfima comparada ao volume total dos transportes por
caminhão. Sobretudo, a cabotagem servirá para cobrir grandes distâncias,
justamente as menos rentáveis, quando não impraticáveis, para os caminhoneiros.
Assim, a relação entre o transporte rodoviário e de cabotagem é de
intermodalidade, ou seja, muito mais de complementaridade do que de
concorrência.
Um
último ponto importante é que a maioria dos investimentos previstos virá do
capital privado, aliviando os cofres públicos em uma época de restrições
fiscais.
Com
o fim do auxílio emergencial, é imprescindível debate no Senado sobre Lei de
Responsabilidade Social
O
ano foi trágico. O imponderável — uma pandemia, que já matou mais de 180 mil
brasileiros e ainda não acabou — somou-se à crise anunciada, num país que há
muito perdeu o rumo do desenvolvimento e, agora, convive com 60 milhões na
pobreza e 14 milhões de desempregados.
Para
2021, a melhor perspectiva é um crescimento econômico em ritmo lento. O desafio
é político e, na essência, não tem absolutamente nada de novo — apenas tem sido
adiado: mudar a estrutura dos gastos do setor público, cortar despesas para
investir na redução da pobreza, via programas sociais focalizados e eficazes na
transferência de renda.
Por
isso, é relevante a iniciativa do Senado de abrir o debate sobre a imposição,
já a partir de 2021, de metas para a redução da pobreza, com regulação do
acesso a programas de transferência de renda. É um debate imprescindível tendo
em vista o fim do auxílio emergencial em meio à pandemia, que está longe do
fim.
O
senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) indicou um caminho em seu projeto para uma
Lei de Responsabilidade Social, integrando e racionalizando programas hoje
fragmentados e sobrepostos. Argumenta, apropriadamente, que há necessidade de
expandir a rede de proteção social, pois a crise deixou milhões de
trabalhadores informais abruptamente sem renda, exatamente porque não têm a
proteção dos programas existentes, “muito focados na proteção do trabalhador
formal”.
A
proposta tem custo estimado em R$ 46 bilhões, dos quais R$ 35 bilhões viriam da
absorção do Bolsa Família. Estabelece como objetivo reduzir o nível geral de
pobreza, de 24,7% da população em 2019, segundo o IBGE, para cerca de 10% em
três anos. E também a queda da taxa de pobreza extrema de 6,5% para 2% da
população em três anos, no máximo.
Considera
pobres, as famílias com renda per capita mensal inferior a R$ 250, e
extremamente pobres, as com renda per capita mensal inferior a R$ 120. Desenha
uma expansão sustentável da rede de proteção social, com reajuste anual desses
valores pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Incentiva a
declaração da renda informal para acesso às políticas de transferência de
renda, além de estímulos específicos à emancipação econômica.
Alcançados
os pisos previstos no primeiro triênio, obriga o governo a fixar novas metas
anuais para diminuição da pobreza. Prevê “gatilhos” diante de frustrações na
ofensiva contra a miséria, dentro das normas orçamentárias, financeiras e de
responsabilidade fiscal.
Há
críticas válidas à proposta de Jereissati. Mas sua habilidade de negociador foi
demonstrada nas aprovações recentes da reforma da Previdência e da Lei do Saneamento.
É preciso, sobretudo, ressalvar-lhe o mérito intrínseco de induzir o Senado ao
debate em regime de urgência sobre a redução da pobreza, às vésperas de um novo
ano que se anuncia ainda mais difícil para milhões de famílias sem renda.
Desperdício de R$ 60 bilhões com renúncias fiscais exige resposta – Opinião | O Globo
Colapso
nas contas públicas impõe revisão das isenções concedidas por União, estados e
municípios
Uma
quantia enorme escoa pelo ralo do Tesouro Nacional. São pelo menos R$ 60
bilhões repassados anualmente sob a forma de renúncia fiscal a entidades privadas,
que deveriam aplicar o dinheiro em programas de assistência social, saúde e
educação.
Não
é pouco, especialmente numa época de agonia fiscal agravada pela pandemia.
Trata-se de um volume de dinheiro superior a todo o gasto com assistência hospitalar
no Sistema Único de Saúde, estimado em R$ 55,38 bilhões em 2021. Ou equivalente
a duas vezes e meia a despesa orçada para a atenção básica na saúde.
O
governo, porém, não dispõe de nenhuma garantia sobre o destino real desses
recursos, segundo a Controladoria-Geral da União (CGU). Não sabe nem mesmo se
têm sido usados na prestação dos serviços previstos como contrapartida.
Tais
incentivos fiscais, isenções e imunidades tributárias são concedidos a
entidades privadas, boa parte vinculadas a instituições religiosas. Representam
17% de toda a renúncia fiscal. Segundo a CGU, anualmente a União abre mão —
deixa de arrecadar — de R$ 340 bilhões em tributos devidos, com o objetivo de
estimular segmentos da economia ou dar impulso a programas sociais. É uma
transferência de renda a setores produtivos ou a prestadores de serviços
classificados como relevantes para o desenvolvimento.
A
renúncia fiscal é, na teoria, um instrumento clássico para mitigar ou reduzir
desigualdades. Na prática, as distorções na aplicação, a falta de transparência
e controle nas áreas beneficiadas têm resultado em desperdício. “Não há
dificuldade para cortar esses R$ 60 bilhões”, afirmou Wagner Rosário,
ministro-chefe da CGU, em debate sobre mudanças na legislação anticorrupção na Câmara.
Exemplificou com os subsídios a programas educacionais: “Custam R$ 7 bilhões e
não se vê, a cada grupo de trinta estudantes das escolas particulares, que
cinco tenham vindo de famílias carentes, como estabelece a regra”.
A
gravidade da situação fiscal impõe uma revisão profunda das renúncias
concedidas por União, estados e municípios. A constatação da CGU se refere a
apenas uma fração dos benefícios renovados a cada ano na área federal, mas
confirma a percepção de que não há controle sobre o que se deixa de arrecadar
e, pior, não se avaliam os resultados das políticas públicas impulsionadas por
incentivos, isenções e imunidades tributárias. O que era para ser uma alavanca
na mitigação das desigualdades sociais acabou transformado em instrumento de
concentração da renda e desperdício de dinheiro público.
Nulo, mas estável – Opinião | Folha de S. Paulo
Apesar
de desgoverno, Bolsonaro mantém sua aprovação modesta, aponta Datafolha
Os
brasileiros, na média, não mudaram
de opinião em relação ao desempenho de Jair Bolsonaro desde
agosto. Foi naquele mês que o presidente obteve sua melhor avaliação no cargo,
segundo o Datafolha —37% de notas ótimo e bom, repetidas neste dezembro; 34% de
ruim e péssimo, ante 32% neste mês.
É
possível dizer, pois, que Bolsonaro está para completar a primeira metade de
seu mandato no melhor de sua popularidade, ainda que um terço do eleitorado o
desaprove resolutamente e 42% considerem ruim ou péssima sua atuação no combate
à pandemia.
Embora
o auge do prestígio presidencial tenha tamanho acanhado, o mandatário mantem
sua imagem em patamares que sua capacidade de governança jamais atingiu.
Desde
agosto, morreram mais de 70 mil brasileiros por causa da Covid-19. A inflação
dos alimentos passou a subir ao ritmo de 21% ao ano, o maior desde 2003. O
auxílio emergencial foi reduzido à metade.
O
presidente foi objeto de crítica nas campanhas municipais. Não apresentou
nenhuma realização de monta. Continuou a sabotar os esforços de controle da
epidemia.
A
seu favor, persistem os efeitos da maciça transferência de renda às famílias
—que, somada à massa de rendimentos do trabalho, mais do que compensa a perda
total de renda desde março. O consumo de varejo se recuperou com sobras.
A
partir de meados do ano, começou o processo de relaxamento de restrições
sanitárias e de reabertura da economia. Apesar do desemprego, o número de
pessoas ocupadas cresce. Na segunda metade do ano, Bolsonaro conteve sua
campanha raivosa contra os Poderes da República.
São
motivos que permitem especular sobre a resistência do prestígio de um
mandatário nulo, para dizer o menos. Desde o fundo, sua popularidade se
recuperou notadamente entre os mais pobres e menos instruídos. Nota
contrastante, o desempenho presidencial é ótimo ou bom para 32% das mulheres e
para 42% dos homens.
De
uma perspectiva racional, os meses a seguir pareceriam difíceis para Bolsonaro.
A negligência em relação às vacinas ficará mais evidente; a recuperação
econômica perderá velocidade; a inflação ainda seguirá alta por algum tempo, e
os mais vulneráveis perderão o amparo do auxílio emergencial.
Mas
não parece possível afirmar que a popularidade do chefe de Estado será abalada
—de certo, apenas suas inabaláveis inoperância, negligência e descompostura.
Entretanto esse presidente ainda se mostra capaz de satisfazer mais de um terço
dos brasileiros.
Sinal positivo – Opinião | Folha de S. Paulo
Ação
antimonopolista contra o Facebook é passo na regulação do gigante de mídia
Abrigo
de discurso de ódio e manipulação de eleições, ninho de fake news, usurpador de
conteúdo noticioso produzido por outros. Vários são os epítetos que o Facebook
ganhou nos últimos anos, desde que suas atividades passaram a sofrer escrutínio
mais sistemático de autoridades, legisladores, imprensa e público em geral.
Monopolista
é o mais recente da lista, segundo
processo aberto na última semana pela Comissão Federal do
Comércio (FTC, na sigla em inglês) e por 46 estados dos EUA, que entraram com
ações nas quais acusam a empresa de violar regras locais antitruste.
O
mamute das redes sociais tem 3 bilhões de usuários e um valor de mercado de US$
800 bilhões (R$ 4 trilhões). Se fosse um país, seria o primeiro em habitantes,
e seu faturamento supera o Produto Interno Bruto de 130 nações.
Pois
esse “país” pode começar a ser desmembrado, tal qual a extinta União Soviética
—na qual o Facebook poderia ter se inspirado no secretismo de seus métodos e na
opacidade de suas práticas, aliás.
Na
ação recente, os reclamantes acusam a empresa de Mark Zuckerberg de manter
“estratégia sistemática para eliminar ameaças ao seu monopólio” e de adquirir
ou sufocar companhias nascentes que pudessem se tornar rivais.
De
acordo com a FTC, fariam parte desta estratégia a suspensão deliberada de seus
serviços a desenvolvedores rivais e as aquisições do WhatsApp e do Instagram,
em 2012 e 2014, respectivamente.
A
comissão norte-americana anunciou que pedirá uma liminar permanente da Justiça
Federal para poder exigir que o Facebook se desfaça destes dois serviços e
tenha de obter aprovação antes de fazer novas aquisições.
Criado
em 2000 por Zuckerberg em seu dormitório na Universidade Harvard para avaliar
os atributos físicos de suas colegas estudantes, o Facebook virou um gigante de
mídia. Ele e o Google podem dominar até 90% do mercado publicitário digital em
muitos países.
Tornou-se
também um player político que influencia de eleições, como a de Donald Trump, a
plebiscitos, como o do Brexit, que levou à saída do Reino Unido da União
Europeia, para ficar apenas em 2016.
Dois
anos depois, os brasileiros pudemos avaliar o poder do WhatsApp, seja na
mobilização que levou à greve dos caminhoneiros, seja na campanha de fake news
em favor de Jair Bolsonaro.
Já
passa da hora, como defende esta Folha, de o Facebook ser regulado e cobrado
por suas responsabilidades. Nesse sentido, as ações recentes são um sinal
positivo.
Governo desiste de aprovar medidas de ajuste este ano – Opinião | Valor Econômico
Ato
termina sem que o governo consiga construir uma base política para aprovar
medidas indispensáveis de equilíbrio das contas públicas
O
pedido de férias do ministro da Economia, Paulo Guedes, já autorizado a partir
da próxima sexta-feira, é o reconhecimento cabal de que o governo desistiu de
aprovar, ainda neste ano, as medidas necessárias para o ajuste das contas
públicas, indispensável para a retomada do crescimento econômico. É como se o
governo estivesse dizendo que não resta mais nada a fazer em 2020.
Como
se estivesse tudo acertado, no mesmo dia em que foi publicado no Diário Oficial
da União a autorização para as férias de Guedes, o senador Márcio Bittar
(MDB-AC), relator da proposta de emenda constitucional (PEC) que definirá as
medidas de ajuste necessárias para sustentar o teto de gasto, a única âncora
fiscal do país, anunciou que só apresentará o seu parecer em fevereiro, depois
das eleições dos presidentes do Senado e da Câmara.
Antes
de dezembro, nada foi aprovado sob a alegação de que não era possível votar
medidas de ajuste das contas públicas, necessariamente impopulares, às vésperas
das eleições municipais. Agora, o relator diz que não é possível aprovar nada
antes da eleição dos presidentes das duas Casas Legislativas. Ele alegou que,
dada a complexidade do tema, não houve consenso entre os líderes. Bittar considera
que a proposta será melhor debatida no ano que vem, tão logo o Congresso
Nacional retome suas atividades “e o momento político se mostre mais adequado”.
É
bom lembrar que a PEC agora relatada por Bittar está no Senado desde novembro
de 2019. Em mais de um ano, os senadores não conseguiram encontrar “um momento
adequado” para votar uma matéria que é fundamental para o futuro da Nação. O
pior, ao que parece, é que o adiamento da apresentação da PEC para 2021 não
decorreu da “complexidade da proposta” ou da falta de consenso entre os
líderes.
Há
indicações de que o relatório preliminar apresentado por Bittar aos líderes
governistas causou profunda decepção no ministro Paulo Guedes e em sua equipe.
Na versão divulgada, o relator desidratou de tal forma a proposta inicial do
governo que, ao ser aprovada, ela simplesmente seria de pouca ou nenhuma valia
como sustentação do teto de gastos. Aparentemente, ao tomar conhecimento do
texto, Guedes preferiu pedir férias.
A
primeira coisa que foi excluída do relatório preliminar de Bittar foi a
possibilidade de redução da jornada de trabalho dos servidores públicos, com a
correspondente diminuição dos salários, em até 25%, medida considerada
indispensável pela área técnica para que Estados e municípios consigam reduzir
suas despesas com pessoal e se enquadrem nos limites definidos na legislação.
Desde
o seu primeiro pronunciamento como ministro da Economia, Paulo Guedes tem
insistido na tese de que é necessário desindexar as despesas orçamentárias,
desvincular as receitas da União e desobrigar o gasto - a receita dos três Ds.
Mas, neste caso, a culpa não é do relator. O próprio chefe de Guedes, o
presidente Jair Bolsonaro, por duas vezes, rejeitou a desindexação das
despesas.
Mesmo
no caso da redução dos benefícios tributários, a proposta de Bittar excluiu do
corte o Simples Nacional, as isenções para entidades beneficentes,
filantrópicas e sem fins lucrativos, os ligados à função de desenvolvimento
regional, à Zona Franca de Manaus e a desoneração da cesta básica. Ou seja, a
regra que ficou geraria um ganho de receita irrelevante, equivalente a 0,15% do
PIB, de acordo com cálculo feito pelo economista Marcos Mendes.
Uma
das propostas do governo era extinguir a maior parte dos 281 fundos públicos,
direcionando os seus recursos para o abatimento da dívida pública. Na proposta
que se tornou pública, o relator estabeleceu que cerca de R$ 30 bilhões das
receitas desvinculadas dos fundos poderiam ser usados para projetos e programas
voltados à erradicação da pobreza e investimentos em infraestrutura que visem à
reconstrução nacional. Evidentemente, isso só seria possível “furando” o teto
de gastos.
O ano acaba, com o ministro da Economia em férias e o país atônito diante da constatação que o governo não consegue construir uma base política que permita a aprovação das medidas indispensáveis ao equilíbrio das contas públicas. Nem sequer o Orçamento para 2021 será aprovado. O Brasil iniciará o próximo ano com um alto grau de incerteza na área econômica.
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