segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Agenda profícua, governo indiferente – Opinião | O Estado de S. Paulo

O governo Bolsonaro não apenas releva os dados relativos à covid-19, como ignora reflexões sobre políticas públicas que surgiram por ocasião da pandemia

Ao expor e potencializar uma série de desafios do Estado em sua tarefa de prover as condições para o desenvolvimento social e econômico do País, a pandemia do novo coronavírus suscitou na sociedade um profícuo debate sobre políticas públicas. Nos últimos meses, surgiram interessantes reflexões e propostas sobre saúde pública, formação e educação das novas gerações, aprimoramento de programas e gastos sociais, caminhos para o reequilíbrio fiscal, entre outros temas. O País viu florescer aquilo que é considerado elemento essencial de uma sociedade madura e responsável: a participação ativa da população, com suas variadas especialidades e capacidades, no debate público.

Na discussão das políticas públicas, é sempre necessário um pluralismo de ideias e perspectivas. Nunca há, tampouco é desejável, consenso absoluto sobre os caminhos a serem seguidos. De toda forma, deve-se reconhecer que existe hoje um panorama claro das prioridades do País que só não é percebido pelo presidente Bolsonaro e vários de seus ministros. Por exemplo, é urgente assegurar a capacidade de investimento do Estado no Sistema Único de Saúde (SUS) e nas redes públicas de ensino, que atendem cerca de 80% das crianças e adolescentes. Por ocasião das eleições deste ano, entidades civis apresentaram propostas consistentes para as próximas gestões municipais sobre saúde e educação; por exemplo, a Agenda Saúde na Cidade, do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde, e o estudo Educação Já Municípios, do Todos Pela Educação.

Outro tema que não apenas foi objeto de muitas discussões e propostas neste ano, mas ganhou, em razão da pandemia, uma nova dimensão foi a desigualdade social. O novo coronavírus gerou restrições e adversidades sobre as famílias de todas as classes e condições sociais, mas ficou evidente que o impacto da pandemia foi desproporcionalmente maior sobre as faixas da população mais vulneráveis.

Logicamente, não se trata de um tema novo. A redução das desigualdades sociais e regionais é, segundo a Constituição, um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. Mas essa mais apurada percepção sobre as disparidades sociais oferece, sem sombra de dúvida, uma importante oportunidade para que o Estado reveja sua atuação. Dada sua transversalidade, o tema da desigualdade joga luzes, por exemplo, sobre a urgência de muitas reformas; como a reforma tributária, a administrativa e a PEC Emergencial. Mas é lamentável que o governo Bolsonaro não desenvolva tais programas.

“Para lidar com isso (o aumento da desigualdade em razão da crise) e ao mesmo tempo manter a regra fiscal, ter credibilidade de que os gastos não vão crescer acima do PIB, o Brasil precisa fazer alguma reforma de curto prazo. Precisa fazer cortes de gastos obrigatórios que permitam aumentar o gasto social. É essa a discussão da PEC Emergencial”, disse Solange Srour, economista-chefe do Credit Suisse no Brasil, ao Estado.

Outro importante ponto, reforçado pela pandemia do novo coronavírus, é a necessidade de revisão dos programas sociais existentes, como Bolsa Família e Seguro-Defeso. “Há uma série de programas que podem ser reformulados para lidarmos com a desigualdade sem aumentar o gasto”, lembrou a economista-chefe do Credit Suisse.

Se é alvissareiro o protagonismo de setores da sociedade em apresentar caminhos e soluções para os grandes problemas sociais e econômicos do País, é inexplicável a ausência do Executivo federal nesse debate. O governo Bolsonaro não apenas releva os dados relativos à covid-19, como ignora as evidências e reflexões sobre políticas públicas que surgiram por ocasião da pandemia.

Estados e municípios podem e devem realizar uma relevante agenda social. No entanto, a atuação do poder público fica muito limitada se o Executivo federal não cumpre seu papel. Como lembrou Solange Srour na entrevista ao Estado, “não vai sair nenhuma revisão de gasto social ou corte de despesa obrigatória se a liderança não for do Executivo”.

Incapaz de formular propostas, o governo Bolsonaro poderia ao menos aproveitar as que lhe são oferecidas pela sociedade. No entanto, até agora, segue alheio à crise e às possíveis soluções.

Sangue-frio na política de juros – Opinião | O Estado de S. Paulo

Apesar da inflação, o BC evita reduzir o alívio ao Tesouro e o apoio às empresas

Pioram as expectativas de inflação e aumentam as apostas numa alta dos juros básicos no meio de 2021, mas os dirigentes do Banco Central (BC) têm motivos para manter o sangue-frio. Um aperto monetário poderia ser desastroso. Causaria enormes problemas ao Tesouro, já superendividado, e reduziria um dos poucos estímulos disponíveis para as empresas. Além disso, o cenário é nebuloso dentro e fora do País. No exterior, a recuperação econômica é ameaçada, no curto prazo, por novos surtos da pandemia. No Brasil, a incerteza sobre o ritmo de crescimento, especialmente com o fim dos auxílios emergenciais, permanece “acima da usual”.

A inflação tem superado as previsões e deve continuar elevada neste fim de ano, mas os choques atuais são “temporários”, segundo o Copom, o Comitê de Política Monetária do BC, formado por diretores da instituição e responsável pela política de crédito. Esse diagnóstico é um dos argumentos a favor da manutenção dos juros básicos em 2% ao ano.

Com essa decisão, anunciada no começo da noite de quarta-feira, a taxa permaneceu em seu piso histórico. De fato, é uma taxa negativa – menor que a inflação projetada – e nisso se assemelha aos juros definidos por bancos centrais de vários países do mundo rico.

Mas até os membros do Copom mantêm alguma cautela diante dos choques de preços. Embora os descrevam como temporários, vão monitorar sua evolução atentamente, segundo informam em nota divulgada depois da última reunião. Além disso, expectativas de inflação em alta são um risco mencionado em várias passagens do comunicado, embora os autores do texto acabem repetindo o recado tranquilizante: neste momento, as expectativas de inflação de longo prazo permanecem ancoradas.

Ancoradas, talvez, mas com menor firmeza que em outros tempos, e isso poderá implicar mudanças no estilo da política monetária. Os analistas, como assinala o comunicado em linguagem muito mais enrolada, projetam inflação bem mais perto da meta nos próximos anos. Algumas estimativas indicam alta de preços até acima do alvo de 3,5% fixado para 2022. No cenário básico do Copom, destacado no informe, a taxa projetada é de 3,4%.

O “horizonte relevante” para as decisões do Copom atualmente abrange 2022. Esse ano obviamente ganhará importância na formulação da política, nos próximos meses, com o avanço no ano-calendário de 2021. Uma das consequências poderá ser o abandono da forward guidance (prescrição antecipada), um estilo de comunicação adotado a partir de agosto.

Com esse procedimento, o Copom passou a indicar a manutenção dos juros enquanto três condições fossem observadas: projeções de inflação abaixo da meta no horizonte relevante, gestão fiscal responsável e expectativas de longo prazo ancoradas. O BC tem assim oferecido ao setor privado condições para programar suas atividades com maior segurança.

Expectativas de inflação mais próxima da meta tendem a eliminar a folga para a forward guidance. O Copom absteve-se de informar se o estilo de comunicação já será alterado depois de sua próxima reunião, em janeiro. A mudança foi mencionada apenas como possibilidade. Além disso, a alteração poderá ocorrer, segundo o comunicado, sem implicar elevação dos juros. Mas para o mercado será inevitável o retorno ao suspense antes de reuniões do comitê.

O mercado é só um dos destinatários possíveis da mensagem do Copom. As incertezas sobre o crescimento, a política fiscal, as oscilações do dólar e a inflação estão associadas, em primeiro lugar, a indefinições do Executivo, a seus conflitos internos e à fixação do presidente Jair Bolsonaro em seus objetivos pessoais. É notório seu desinteresse em relação a assuntos de governo, exceto quando podem afetar o jogo da reeleição. Pior: é visível sua disposição, só disfarçada ocasionalmente, de sujeitar a administração a suas ambições, se houver brechas para isso. Outro presidente poderia ler a mensagem e, talvez, levar a sério as advertências, mas, para isso, precisaria entender o vínculo entre Presidência e governo.

Uma mar de oportunidades para a cabotagem – Opinião | O Estado de S. Paulo

Projeto votado na Câmara conta com amplo apoio de representantes do setor

 A Câmara dos Deputados finalizou a votação do Projeto de Lei BR do Mar, que incentiva a navegação de cabotagem, isto é, entre portos nacionais. Por meio da ampliação da oferta de transporte marítimo, redução de custos, aumento da competitividade e atração de novos investidores, o programa pretende corrigir o subaproveitamento histórico do potencial aquaviário nacional. Elaborado por uma das ilhas de excelência do governo, o Ministério da Infraestrutura capitaneado por Tarcísio de Freitas, com a colaboração de setores interessados e técnicos do Ministério da Economia e da Marinha, o projeto conta com amplo apoio de associações, federações, sindicatos e outros representantes do setor.

O Brasil é um país continental, com imensos canais fluviais e cerca de 70% da população vivendo a 200 km de seus quase 8 mil km de costa. Apesar disso, o transporte aquaviário responde por apenas 11% da matriz logística, ante 65% do rodoviário. O uso excessivo do transporte rodoviário implica baixa produtividade no transporte de cargas, onerosidade da infraestrutura rodoviária, além de riscos de acidentes e mortes, e emissão de poluentes. Em contrapartida, o transporte aquaviário, sobretudo para longas distâncias, é mais eficiente, menos custoso, mais seguro e mais limpo.

Um dos pontos-chave do projeto é a flexibilização do afretamento, ou seja, do acesso a embarcações para empresas brasileiras de navegação. Os regulamentos atuais são demasiado restritivos e protecionistas, exigindo que a embarcação tenha bandeira brasileira ou seja tripulada por brasileiros. Muitas empresas de transporte têm de construir seus navios ou nacionalizar embarcações. Outra opção é o afretamento “a tempo” de embarcações estrangeiras ou “a casco nu”, com as embarcações operando temporariamente sob a bandeira brasileira. Mas as restrições regulatórias impõem custos altos que limitam a oferta e os ofertantes ante uma demanda crescente. Além disso, a volatilidade do mercado internacional acarreta incertezas no valor do frete e disponibilidade da frota.

O projeto prevê a facilitação progressiva dos afretamentos. As empresas brasileiras poderão constituir uma subsidiária em outro país e fretar da própria subsidiária uma embarcação “a tempo”, com custos operacionais mais baixos. O projeto também prevê que, quatro anos após a sanção da lei, os afretamentos “a casco nu” poderão ser contratados sem que a empresa tenha embarcações brasileiras.

Além das facilidades no uso de embarcações de terceiros e aquisição de novas embarcações, o projeto prevê incentivos à indústria naval brasileira, em especial para a manutenção da frota, e para a modernização e ampliação dos terminais portuários. 

Na última década a cabotagem tem crescido na ordem de 10% ao ano. Com o novo quadro regulatório, o governo prevê uma elevação de 40% na oferta de embarcações e 65% do volume de contêineres em dois a três anos, o que elevaria o crescimento da cabotagem a 30% ao ano.

Com o tempo, o novo regulamento também deve levar a uma melhor distribuição de portos. Hoje, entre os 175 portos do País, os de Santos e Paranaguá concentram 40% da movimentação. Entre os 10 maiores portos, apenas um está na Região Norte. Além disso, há os 76 portos fora da costa, muitas vezes subutilizados.

Convém notar que a resistência corporativa de certos setores do transporte rodoviário não se sustenta. A parcela mais significativa do transporte de cabotagem é de petróleo, e não concorre com o transporte rodoviário. Quanto aos contêineres, a migração deve ser ínfima comparada ao volume total dos transportes por caminhão. Sobretudo, a cabotagem servirá para cobrir grandes distâncias, justamente as menos rentáveis, quando não impraticáveis, para os caminhoneiros. Assim, a relação entre o transporte rodoviário e de cabotagem é de intermodalidade, ou seja, muito mais de complementaridade do que de concorrência.

Um último ponto importante é que a maioria dos investimentos previstos virá do capital privado, aliviando os cofres públicos em uma época de restrições fiscais.

 É preciso foco e urgência para reduzir pobreza – Opinião | O Globo

Com o fim do auxílio emergencial, é imprescindível debate no Senado sobre Lei de Responsabilidade Social

O ano foi trágico. O imponderável — uma pandemia, que já matou mais de 180 mil brasileiros e ainda não acabou — somou-se à crise anunciada, num país que há muito perdeu o rumo do desenvolvimento e, agora, convive com 60 milhões na pobreza e 14 milhões de desempregados.

Para 2021, a melhor perspectiva é um crescimento econômico em ritmo lento. O desafio é político e, na essência, não tem absolutamente nada de novo — apenas tem sido adiado: mudar a estrutura dos gastos do setor público, cortar despesas para investir na redução da pobreza, via programas sociais focalizados e eficazes na transferência de renda.

Por isso, é relevante a iniciativa do Senado de abrir o debate sobre a imposição, já a partir de 2021, de metas para a redução da pobreza, com regulação do acesso a programas de transferência de renda. É um debate imprescindível tendo em vista o fim do auxílio emergencial em meio à pandemia, que está longe do fim.

O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) indicou um caminho em seu projeto para uma Lei de Responsabilidade Social, integrando e racionalizando programas hoje fragmentados e sobrepostos. Argumenta, apropriadamente, que há necessidade de expandir a rede de proteção social, pois a crise deixou milhões de trabalhadores informais abruptamente sem renda, exatamente porque não têm a proteção dos programas existentes, “muito focados na proteção do trabalhador formal”.

A proposta tem custo estimado em R$ 46 bilhões, dos quais R$ 35 bilhões viriam da absorção do Bolsa Família. Estabelece como objetivo reduzir o nível geral de pobreza, de 24,7% da população em 2019, segundo o IBGE, para cerca de 10% em três anos. E também a queda da taxa de pobreza extrema de 6,5% para 2% da população em três anos, no máximo.

Considera pobres, as famílias com renda per capita mensal inferior a R$ 250, e extremamente pobres, as com renda per capita mensal inferior a R$ 120. Desenha uma expansão sustentável da rede de proteção social, com reajuste anual desses valores pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Incentiva a declaração da renda informal para acesso às políticas de transferência de renda, além de estímulos específicos à emancipação econômica.

Alcançados os pisos previstos no primeiro triênio, obriga o governo a fixar novas metas anuais para diminuição da pobreza. Prevê “gatilhos” diante de frustrações na ofensiva contra a miséria, dentro das normas orçamentárias, financeiras e de responsabilidade fiscal.

Há críticas válidas à proposta de Jereissati. Mas sua habilidade de negociador foi demonstrada nas aprovações recentes da reforma da Previdência e da Lei do Saneamento. É preciso, sobretudo, ressalvar-lhe o mérito intrínseco de induzir o Senado ao debate em regime de urgência sobre a redução da pobreza, às vésperas de um novo ano que se anuncia ainda mais difícil para milhões de famílias sem renda.

Desperdício de R$ 60 bilhões com renúncias fiscais exige resposta – Opinião | O Globo

Colapso nas contas públicas impõe revisão das isenções concedidas por União, estados e municípios

Uma quantia enorme escoa pelo ralo do Tesouro Nacional. São pelo menos R$ 60 bilhões repassados anualmente sob a forma de renúncia fiscal a entidades privadas, que deveriam aplicar o dinheiro em programas de assistência social, saúde e educação.

Não é pouco, especialmente numa época de agonia fiscal agravada pela pandemia. Trata-se de um volume de dinheiro superior a todo o gasto com assistência hospitalar no Sistema Único de Saúde, estimado em R$ 55,38 bilhões em 2021. Ou equivalente a duas vezes e meia a despesa orçada para a atenção básica na saúde.

O governo, porém, não dispõe de nenhuma garantia sobre o destino real desses recursos, segundo a Controladoria-Geral da União (CGU). Não sabe nem mesmo se têm sido usados na prestação dos serviços previstos como contrapartida.

Tais incentivos fiscais, isenções e imunidades tributárias são concedidos a entidades privadas, boa parte vinculadas a instituições religiosas. Representam 17% de toda a renúncia fiscal. Segundo a CGU, anualmente a União abre mão — deixa de arrecadar — de R$ 340 bilhões em tributos devidos, com o objetivo de estimular segmentos da economia ou dar impulso a programas sociais. É uma transferência de renda a setores produtivos ou a prestadores de serviços classificados como relevantes para o desenvolvimento.

A renúncia fiscal é, na teoria, um instrumento clássico para mitigar ou reduzir desigualdades. Na prática, as distorções na aplicação, a falta de transparência e controle nas áreas beneficiadas têm resultado em desperdício. “Não há dificuldade para cortar esses R$ 60 bilhões”, afirmou Wagner Rosário, ministro-chefe da CGU, em debate sobre mudanças na legislação anticorrupção na Câmara. Exemplificou com os subsídios a programas educacionais: “Custam R$ 7 bilhões e não se vê, a cada grupo de trinta estudantes das escolas particulares, que cinco tenham vindo de famílias carentes, como estabelece a regra”.

A gravidade da situação fiscal impõe uma revisão profunda das renúncias concedidas por União, estados e municípios. A constatação da CGU se refere a apenas uma fração dos benefícios renovados a cada ano na área federal, mas confirma a percepção de que não há controle sobre o que se deixa de arrecadar e, pior, não se avaliam os resultados das políticas públicas impulsionadas por incentivos, isenções e imunidades tributárias. O que era para ser uma alavanca na mitigação das desigualdades sociais acabou transformado em instrumento de concentração da renda e desperdício de dinheiro público.

Nulo, mas estável – Opinião | Folha de S. Paulo

Apesar de desgoverno, Bolsonaro mantém sua aprovação modesta, aponta Datafolha

Os brasileiros, na média, não mudaram de opinião em relação ao desempenho de Jair Bolsonaro desde agosto. Foi naquele mês que o presidente obteve sua melhor avaliação no cargo, segundo o Datafolha —37% de notas ótimo e bom, repetidas neste dezembro; 34% de ruim e péssimo, ante 32% neste mês.

É possível dizer, pois, que Bolsonaro está para completar a primeira metade de seu mandato no melhor de sua popularidade, ainda que um terço do eleitorado o desaprove resolutamente e 42% considerem ruim ou péssima sua atuação no combate à pandemia.

Embora o auge do prestígio presidencial tenha tamanho acanhado, o mandatário mantem sua imagem em patamares que sua capacidade de governança jamais atingiu.

Desde agosto, morreram mais de 70 mil brasileiros por causa da Covid-19. A inflação dos alimentos passou a subir ao ritmo de 21% ao ano, o maior desde 2003. O auxílio emergencial foi reduzido à metade.

O presidente foi objeto de crítica nas campanhas municipais. Não apresentou nenhuma realização de monta. Continuou a sabotar os esforços de controle da epidemia.

A seu favor, persistem os efeitos da maciça transferência de renda às famílias —que, somada à massa de rendimentos do trabalho, mais do que compensa a perda total de renda desde março. O consumo de varejo se recuperou com sobras.

A partir de meados do ano, começou o processo de relaxamento de restrições sanitárias e de reabertura da economia. Apesar do desemprego, o número de pessoas ocupadas cresce. Na segunda metade do ano, Bolsonaro conteve sua campanha raivosa contra os Poderes da República.

São motivos que permitem especular sobre a resistência do prestígio de um mandatário nulo, para dizer o menos. Desde o fundo, sua popularidade se recuperou notadamente entre os mais pobres e menos instruídos. Nota contrastante, o desempenho presidencial é ótimo ou bom para 32% das mulheres e para 42% dos homens.

De uma perspectiva racional, os meses a seguir pareceriam difíceis para Bolsonaro. A negligência em relação às vacinas ficará mais evidente; a recuperação econômica perderá velocidade; a inflação ainda seguirá alta por algum tempo, e os mais vulneráveis perderão o amparo do auxílio emergencial.

Mas não parece possível afirmar que a popularidade do chefe de Estado será abalada —de certo, apenas suas inabaláveis inoperância, negligência e descompostura. Entretanto esse presidente ainda se mostra capaz de satisfazer mais de um terço dos brasileiros.

Sinal positivo – Opinião | Folha de S. Paulo

Ação antimonopolista contra o Facebook é passo na regulação do gigante de mídia

Abrigo de discurso de ódio e manipulação de eleições, ninho de fake news, usurpador de conteúdo noticioso produzido por outros. Vários são os epítetos que o Facebook ganhou nos últimos anos, desde que suas atividades passaram a sofrer escrutínio mais sistemático de autoridades, legisladores, imprensa e público em geral.

Monopolista é o mais recente da lista, segundo processo aberto na última semana pela Comissão Federal do Comércio (FTC, na sigla em inglês) e por 46 estados dos EUA, que entraram com ações nas quais acusam a empresa de violar regras locais antitruste.

O mamute das redes sociais tem 3 bilhões de usuários e um valor de mercado de US$ 800 bilhões (R$ 4 trilhões). Se fosse um país, seria o primeiro em habitantes, e seu faturamento supera o Produto Interno Bruto de 130 nações.

Pois esse “país” pode começar a ser desmembrado, tal qual a extinta União Soviética —na qual o Facebook poderia ter se inspirado no secretismo de seus métodos e na opacidade de suas práticas, aliás.

Na ação recente, os reclamantes acusam a empresa de Mark Zuckerberg de manter “estratégia sistemática para eliminar ameaças ao seu monopólio” e de adquirir ou sufocar companhias nascentes que pudessem se tornar rivais.

De acordo com a FTC, fariam parte desta estratégia a suspensão deliberada de seus serviços a desenvolvedores rivais e as aquisições do WhatsApp e do Instagram, em 2012 e 2014, respectivamente.

A comissão norte-americana anunciou que pedirá uma liminar permanente da Justiça Federal para poder exigir que o Facebook se desfaça destes dois serviços e tenha de obter aprovação antes de fazer novas aquisições.

Criado em 2000 por Zuckerberg em seu dormitório na Universidade Harvard para avaliar os atributos físicos de suas colegas estudantes, o Facebook virou um gigante de mídia. Ele e o Google podem dominar até 90% do mercado publicitário digital em muitos países.

Tornou-se também um player político que influencia de eleições, como a de Donald Trump, a plebiscitos, como o do Brexit, que levou à saída do Reino Unido da União Europeia, para ficar apenas em 2016.

Dois anos depois, os brasileiros pudemos avaliar o poder do WhatsApp, seja na mobilização que levou à greve dos caminhoneiros, seja na campanha de fake news em favor de Jair Bolsonaro.

Já passa da hora, como defende esta Folha, de o Facebook ser regulado e cobrado por suas responsabilidades. Nesse sentido, as ações recentes são um sinal positivo.

Governo desiste de aprovar medidas de ajuste este ano – Opinião | Valor Econômico

Ato termina sem que o governo consiga construir uma base política para aprovar medidas indispensáveis de equilíbrio das contas públicas

O pedido de férias do ministro da Economia, Paulo Guedes, já autorizado a partir da próxima sexta-feira, é o reconhecimento cabal de que o governo desistiu de aprovar, ainda neste ano, as medidas necessárias para o ajuste das contas públicas, indispensável para a retomada do crescimento econômico. É como se o governo estivesse dizendo que não resta mais nada a fazer em 2020.

Como se estivesse tudo acertado, no mesmo dia em que foi publicado no Diário Oficial da União a autorização para as férias de Guedes, o senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator da proposta de emenda constitucional (PEC) que definirá as medidas de ajuste necessárias para sustentar o teto de gasto, a única âncora fiscal do país, anunciou que só apresentará o seu parecer em fevereiro, depois das eleições dos presidentes do Senado e da Câmara.

Antes de dezembro, nada foi aprovado sob a alegação de que não era possível votar medidas de ajuste das contas públicas, necessariamente impopulares, às vésperas das eleições municipais. Agora, o relator diz que não é possível aprovar nada antes da eleição dos presidentes das duas Casas Legislativas. Ele alegou que, dada a complexidade do tema, não houve consenso entre os líderes. Bittar considera que a proposta será melhor debatida no ano que vem, tão logo o Congresso Nacional retome suas atividades “e o momento político se mostre mais adequado”.

É bom lembrar que a PEC agora relatada por Bittar está no Senado desde novembro de 2019. Em mais de um ano, os senadores não conseguiram encontrar “um momento adequado” para votar uma matéria que é fundamental para o futuro da Nação. O pior, ao que parece, é que o adiamento da apresentação da PEC para 2021 não decorreu da “complexidade da proposta” ou da falta de consenso entre os líderes.

Há indicações de que o relatório preliminar apresentado por Bittar aos líderes governistas causou profunda decepção no ministro Paulo Guedes e em sua equipe. Na versão divulgada, o relator desidratou de tal forma a proposta inicial do governo que, ao ser aprovada, ela simplesmente seria de pouca ou nenhuma valia como sustentação do teto de gastos. Aparentemente, ao tomar conhecimento do texto, Guedes preferiu pedir férias.

A primeira coisa que foi excluída do relatório preliminar de Bittar foi a possibilidade de redução da jornada de trabalho dos servidores públicos, com a correspondente diminuição dos salários, em até 25%, medida considerada indispensável pela área técnica para que Estados e municípios consigam reduzir suas despesas com pessoal e se enquadrem nos limites definidos na legislação.

Desde o seu primeiro pronunciamento como ministro da Economia, Paulo Guedes tem insistido na tese de que é necessário desindexar as despesas orçamentárias, desvincular as receitas da União e desobrigar o gasto - a receita dos três Ds. Mas, neste caso, a culpa não é do relator. O próprio chefe de Guedes, o presidente Jair Bolsonaro, por duas vezes, rejeitou a desindexação das despesas.

Mesmo no caso da redução dos benefícios tributários, a proposta de Bittar excluiu do corte o Simples Nacional, as isenções para entidades beneficentes, filantrópicas e sem fins lucrativos, os ligados à função de desenvolvimento regional, à Zona Franca de Manaus e a desoneração da cesta básica. Ou seja, a regra que ficou geraria um ganho de receita irrelevante, equivalente a 0,15% do PIB, de acordo com cálculo feito pelo economista Marcos Mendes.

Uma das propostas do governo era extinguir a maior parte dos 281 fundos públicos, direcionando os seus recursos para o abatimento da dívida pública. Na proposta que se tornou pública, o relator estabeleceu que cerca de R$ 30 bilhões das receitas desvinculadas dos fundos poderiam ser usados para projetos e programas voltados à erradicação da pobreza e investimentos em infraestrutura que visem à reconstrução nacional. Evidentemente, isso só seria possível “furando” o teto de gastos.

O ano acaba, com o ministro da Economia em férias e o país atônito diante da constatação que o governo não consegue construir uma base política que permita a aprovação das medidas indispensáveis ao equilíbrio das contas públicas. Nem sequer o Orçamento para 2021 será aprovado. O Brasil iniciará o próximo ano com um alto grau de incerteza na área econômica.

Nenhum comentário: