Incerteza
fiscal, fim do auxílio e piora da covid afetam cenário para a economia
brasileira no ano que vem
A economia brasileira caminha para entrar em 2021 com o cenário fiscal em aberto, sem o auxílio emergencial e com um quadro de recrudescimento da covid-19. Há dúvidas sobre como ficará o orçamento do ano que vem, com o risco de o teto de gastos não ser respeitado e incertezas quanto ao avanço das reformas para conter a expansão das despesas obrigatórias. Já a retirada abrupta dos estímulos fiscais deverá ter impacto negativo sobre a atividade, num ambiente de desemprego elevado. A evolução recente da doença também preocupa, o que poderá ter impacto negativo sobre a economia.
O Brasil enfrenta uma situação complicada, que exigiria habilidade e liderança do governo para encontrar uma solução razoável. De um lado, houve uma deterioração expressiva das contas públicas em 2020, por causa do aumento dos gastos para combater os efeitos da pandemia e da queda de receitas causada pela recessão. De outro, a perspectiva para o ano que vem é de um corte significativo nas medidas de estímulo, depois de o país ter adotado um pacote de apoio expressivo neste ano.
Nesse
cenário, é preciso indicar claramente a retomada do ajuste fiscal, num país em
que o endividamento público deu um salto enorme e tem déficits primários
(excluindo gastos com juros) desde 2014. De outro, retirar os estímulos
bruscamente, encerrando o auxílio emergencial sem colocar nada no lugar - como
um programa de transferência de renda mais amplo que o Bolsa Família -, vai
afetar a recuperação da atividade. É um equilíbrio difícil, que esbarra na
aversão do presidente Jair Bolsonaro a tomar decisões muitas vezes impopulares.
Em
relatório sobre as perspectivas para 2021, o J.P. Morgan diz que o principal
assunto para os mercados e a economia brasileira em 2021 é se o governo vai
respeitar o teto de gastos. “Com a crise deixando desemprego elevado, seguido
agora pela possibilidade de uma segunda onda de casos de covid-19, há pressões
para novos estímulos no ano que vem”, escrevem os economistas Cassiana
Fernandez, Cristiano Souza e Vinicius Moreira. Para eles, há diversas opções
para desatar esse nó: novas transferências de renda sem nenhuma compensação em
contrapartida, o que tenderia gerar reações negativas do mercado; novas
transferências de renda combinadas à aprovação de reformas fiscais de médio
prazo, preservando a credibilidade fiscal; ou o encerramento do auxílio
emergencial sem maiores mudanças nas políticas sociais. O ideal seria a segunda
opção, uma solução intermediária.
O
cenário-base do banco, porém, é que o governo não será capaz de aprovar
reformas de médio prazo para acomodar mais gastos no curto prazo e tampouco
conseguirá mudar o teto. No entanto, como as despesas obrigatórias continuam a
crescer, a pressão sobre o mecanismo que limita a expansão dos gastos da União
vai seguir, mantendo dúvidas sobre a sustentabilidade de médio prazo das regras
fiscais, avaliam os economistas do J.P. Morgan. Com isso, a discussão sobre
reformas que garantam a sustentabilidade das contas públicas continuará a ter
destaque em 2021, com efeitos sobre as expectativas e possivelmente causando
volatilidade durante o ano.
Com
a premissa de que o teto de gastos será mantido e com o aumento de casos da covid-19
na Europa e nos EUA, o J.P. Morgan vê o PIB brasileiro se enfraquecendo na
virada do ano, com aceleração posterior. A economia teria um crescimento de
2,6% em 2021 - para 2020, a estimativa é de uma retração de 4,6%.
Depois
de crescer no terceiro trimestre 7,7% em relação ao anterior, feito o ajuste
sazonal, o PIB deve perder bastante fôlego no quarto trimestre deste ano e no
primeiro trimestre do ano que vem, avalia o J.P. Morgan. Para os três últimos
meses de 2020, a projeção é de alta de apenas 1%; para os três primeiros meses
de 2021, de queda de 0,5%.
O
banco estima que haverá um forte impulso fiscal negativo no primeiro trimestre
de 2021, equivalente a 1,9% do PIB, considerando a mudança do resultado
primário ajustada pelo ciclo econômico. Esse efeito deverá ocorrer devido ao
fim do auxílio e à retirada de outras medidas de crédito, avaliam Cassiana,
Souza e Moreira. Na visão do banco, haverá uma recuperação gradual, num cenário
em que, além do impulso fiscal negativo, o desemprego vai permanecer elevado.
Esse efeito pode ser parcialmente compensado pelo uso da poupança acumulada
durante a crise, mas os economistas do J.P. Morgan avaliam que isso não será
suficiente para contrabalançar totalmente a retração fiscal, em meio à piora da
covid-19.
Ao
longo do ano, porém, a situação tende a ser tornar mais positiva, dizem eles. É
verdade que o agravamento da pandemia em algumas regiões, especialmente na
Europa, deve desacelerar o crescimento global no fim deste ano e no começo do
próximo. No entanto, várias opções de vacina estarão disponíveis no início de
2021 e a mobilidade deverá aumentar ao longo do primeiro semestre, uma vez que
a vacinação em massa deverá começar nos países desenvolvidos por volta do meio
do ano que vem, escrevem os economistas. Com esse cenário externo mais
positivo, o J.P. Morgan espera uma retomada da economia brasileira, com a
normalização das condições domésticas e a perspectiva de que haja maior
disponibilidade de vacinas também no Brasil no fim do ano. Desse modo, haveria
uma tendência de melhora moderada ao longo de 2021, liderada pelo consumo das
famílias. Os maiores riscos a esse cenário são um recrudescimento da pandemia
que afete a mobilidade e a perda de credibilidade da política fiscal, dizem os
economistas do banco.
A
condução irresponsável da crise sanitária por Bolsonaro e a falta de um
planejamento para a vacinação indicam que essa é uma ameaça de peso para o
cenário de crescimento em 2021. No front fiscal, há vários motivos para
ceticismo. O presidente se recusa a tomar decisões difíceis e há problemas na
articulação política do governo. Se não ficar claro que há um plano de ajuste
das contas públicas de médio prazo, há o risco de danos graves para a confiança
na política fiscal, o que coloca em xeque a manutenção dos juros baixos. Já o
fim do auxílio, sem a adoção de um programa de transferência de renda mais
amplo que o Bolsa Família, poderá causar uma desaceleração mais significativa
da economia, além de aumentar a pobreza e a desigualdade.
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