- O Estado de S. Paulo
O
engajamento do governo na eleição dos presidentes da Câmara e do Senado é sinal
de aprendizado
Jair Bolsonaro,
eleito presidente com uma plataforma antipolítica e antiestablishment, resolveu
se engajar diretamente no processo político de escolha dos novos presidentes
da Câmara e do Senado.
O que explica essa mudança aparentemente contraditória no comportamento do
presidente?
Muito
está em jogo com a eleição dos novos presidentes das duas Casas Legislativas.
Tanto o presidente da Câmara dos Deputados como o do Senado são
verdadeiros gatekeepers. Ou seja, têm o poder de vetar ex ante iniciativas
que julguem indesejáveis ou de promover ações estratégicas que mudem o status
quo de acordo com seus interesses.
Esses poderes procedimentais e de agenda não são triviais. As regras internas da Câmara garantem a seu presidente um papel central na condução do processo legislativo e na definição e funcionamento do sistema de comissões permanentes e especiais. Em legislativos muito centralizados e fortemente hierarquizados, como o brasileiro, o papel do gatekeeper se torna ainda mais relevante, pois pode, inclusive, decidir unilateralmente a sorte do próprio governo de plantão ao, por exemplo, dar prosseguimento a pedidos de impeachment de presidentes.
O desenho institucional hierarquizado do Congresso brasileiro se parece muito com o do Congresso americano do início do século 20. O speaker, equivalente ao presidente da Câmara, costumava ser tão poderoso que muitos o chamavam de “Czar”, pois não hesitava em usar seus poderes para nomear membros e presidentes de comissões e remover aqueles que não seguiam a sua liderança.
Em
1910, um grupo dissidente de republicanos progressistas decidiu se aliar aos
deputados de oposição do Partido Democrata em uma revolta contra os
superpoderes do presidente da House of Representatives, Joseph Cannon. A
revolta resultou na aprovação de uma resolução que diminuiu drasticamente os
poderes do speaker. Essa reforma abriu caminho para um processo vigoroso
de descentralização e profissionalização do Congresso americano.
Embora
a concentração de poderes na mão do speaker não fosse tão decisiva
para o funcionamento do sistema político dos Estados Unidos, caracterizado pelo
bipartidarismo majoritário, ela gera ganhos de coordenação necessários ao
presidencialismo multipartidário adotado no Brasil.
Presidentes
que conseguem ter aliados políticos como chefes das Casas Legislativas
definitivamente dormem mais tranquilos. Conseguem ter mais sucesso na arena
congressual aprovando mais reformas e enfrentam menores custos de
governabilidade. Além do mais, quando existe alinhamento entre os chefes do
Executivo e do Legislativo, é esperada a criação de um menor número de
Comissões Parlamentares de Inquérito investigando as ações do Executivo.
Existe,
entretanto, um risco de o engajamento excessivo do governo criar animosidades
com o Legislativo se seu candidato não for o vencedor, colocando-o em uma
situação pior do que a que estaria se continuasse a se negar a fazer política
com o Parlamento.
Nos
dois processos de impeachment bem-sucedidos no Brasil, o presidente da
República não tinha como aliados os presidentes da Câmara dos Deputados.
Fernando Collor (PRN) não se engajou na escolha de Ibsen Pinheiro (PMDB) e
Dilma Rousseff apoiou explicitamente Arlindo Chinaglia (PT), derrotado por
Eduardo Cunha (PMDB).
Demorou
quase dois anos de seu mandato para que Bolsonaro percebesse que uma atitude de
negação da política gera custos proibitivos de governabilidade. Parece que
finalmente o presidente acordou e percebeu que é muito mais difícil governar
sem aliados em postos-chave no Congresso. Se houve aprendizado, este se deu a
partir de perdas sucessivas impostas pelas instituições políticas. Quanto mais
Bolsonaro se verga e joga o jogo institucional do presidencialismo
multipartidário, mais a democracia brasileira mostra a sua força.
*Cientista político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da FGV
Nenhum comentário:
Postar um comentário