domingo, 20 de setembro de 2020

Janio de Freitas - A política de devastação

- Folha de S. Paulo 

 Da decisão do presidente vieram cortes de verbas, redução dos quadros técnicos e científicos e nomeações de dirigentes inabilitados 

 O governo Bolsonaro deve ser o primeiro e principal processado pelo crime de devastação incendiária do Pantanal. As leis de proteção ambiental e numerosos acordos internacionais de que o Brasil é signatário, assim como a própria Constituição, foram e continuam transgredidos na meticulosa desmontagem do sistema de vigilância, prevenção e combate às agressões ao patrimônio natural. Esta é, notoriamente, uma rara política de governo em um governo sem políticas. 

É notória, aqui e no mundo, a responsabilidade pessoal e direta de Bolsonaro. Da sua decisão vieram os cortes de verbas, a redução dos quadros técnicos e científicos, e as nomeações de dirigentes inabilitados em setores como Ibama, Funai, ICMBio, INPE, e os outros de importância vital para a Amazônia, o Pantanal e os povos indígenas. 

 “Amazônia tem 2º pior agosto de desmate, atrás só de 2019” (já governo Bolsonaro). “Em 14 dias, Amazônia queimou mais que em setembro de 2019.” Títulos como estes recentes, da Folha, sucederam-se desde a posse de Bolsonaro. E, por consequência, a do executor do projeto de desmonte da proteção ambiental, Ricardo Salles —já condenado por improbidade na secretaria do Meio Ambiente de um governo paulista de Geraldo Alckmin. 

A indiferença de Bolsonaro ao clamor interno e internacional, a cada pesquisa de desmatamento e queimadas, só não foi completa por suas provocações e represálias administrativas. Entre elas, a demissão escandalosa do cientista Ricardo Galvão, conceituado presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais que divulgou, como de hábito e do seu dever, o crescimento alarmante da devastação amazônica no então novo governo. 

Constatado que o fogo no Pantanal tornava-se incontrolável, a explicação foi imediata: não era tanto pelo fogo, mas pela falta de equipes habilitadas para combatê-lo. Explicação complementar: a verba deste ano para combatentes a queimadas, em comparação com a de 2019, foi cortada em mais de metade. A dimensão da tragédia pantaneira não estava prevista, mas o fogaréu na Amazônia já exigia maior investimento, e não perda de verba. 

Acima das necessidades está a política contra a Amazônia e a riqueza ambiental. Com mais provas oferecidas pelo próprio governo. O Orçamento para 2021 mandado por Bolsonaro ao Congresso, por exemplo, corta ainda mais os recursos dos setores de monitoramento, defesa e pesquisa visados pela destruição programada. 

Essa política transgride a legislação. É criminosa. Proporciona a apropriação de terras do patrimônio da União, o desmatamento e o contrabando de madeira valiosa. Protege o garimpo ilegal e se incorpora a toda essa criminalidade. Bolsonaro e seu governo são passíveis de processo criminal — e o merecem. 

VOZ SÉRIA 
A esquerda brasileira está chamada a refletir sobre o apoio incondicional a Nicolás Maduro e ao regime venezuelano. O mais recente relatório a pedir “investigações imediatas” do governo Maduro, sobre torturas e execuções extrajudiciais, saiu sob a responsabilidade de Michelle Bachelet. Alta comissária do Conselho de Direitos Humanos da ONU, a ex-presidente do Chile não se confunde com instrumentos da guerra de propaganda e outras guerras dos Estados Unidos contra o governo Maduro. 

Conquistas proporcionadas à maioria desde sempre desvalida, mantidas ou mesmo ampliadas por Maduro, não se confundem com criminalidade política. 

EM CENA 
Durante alguns dias, as notícias foram inflando: a equipe econômica quer congelar aposentadoria por dois anos, governo quer cortar R$ 10 bilhões do auxílio a idosos e pobres com deficiências, senador bolsonarista (Márcio Bittar, MDB-AC) quer congelar salário mínimo. Então Bolsonaro saca a espada e salva os ameaçados. Com a TV devidamente preparada para o ato. Quem de nada desconfiou tem, ainda, uma chance. O que Abraham Weintraub fez para receber cargo precioso, quando deveria ser excluído do governo pelos insultos vagabundos ao Supremo e seus ministros? Nada. A menos que alguém lhe devesse uma compensação, por se dar mal em um gesto, como diziam, a pedidos.

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