Hoje
há um círculo vicioso: os partidos aliciam os eleitores nos períodos
eleitorais, e depois lhes dão as costas, dedicando-se a administrar seus feudos
controlados por poucos caciques
As manifestações de 2013 escancararam uma crise de representatividade que só se agravou após as revelações da Operação Lava Jato. Mas o descolamento entre partidos e eleitores não reflete apenas mudanças conjunturais no ideário político, e sim distorções estruturais que só serão sanadas com reformas básicas.
Um
levantamento da ONG Transparência Partidária aponta que apenas 0,1% dos
filiados a partidos faz contribuições financeiras frequentes às legendas. O
dado expõe a total dependência do dinheiro público por parte dos partidos e a
completa desconexão entre suas cúpulas e suas bases. Para praticamente todos os
partidos, a proporção de filiados que contribuem frequentemente não chega a 1%,
em geral nem a 0,1%. E, dos 18 mil contribuintes frequentes, 8 em 10 se
concentram em dois partidos: Novo e PT. Mas mesmo entre os filiados do PT, só
0,43% contribui regularmente.
A
única exceção é o Novo, no qual 26% dos filiados contribuem frequentemente. O
partido é contrário ao uso de fundos públicos, já devolveu os recursos do fundo
eleitoral e pediu autorização para devolver os do fundo partidário – desde que
não sejam redistribuídos a outros partidos. A legenda depende das mensalidades
cobradas aos filiados, de R$ 30 em média.
Como disse a cientista política Lara Mesquita, da FGV, as regras para distribuição dos recursos possibilitam um “encastelamento” das cúpulas partidárias. “Os partidos adotaram uma estratégia, em certa medida confortável, de garantir sua sobrevivência a partir de recursos públicos.” A estratégia foi consolidada em 2017, quando os partidos no Congresso, não satisfeitos com o fundo partidário, inventaram o fundo para campanhas eleitorais.
Logo
que, em 2015, na esteira dos escândalos revelados pela Lava Jato, o STF
declarou inconstitucional o financiamento eleitoral por empresas, era
compreensível o estabelecimento de um fundo público, a fim de que as campanhas
não fossem abruptamente dominadas pelas pessoas físicas ricas. Mas deveria ser
um mecanismo de transição, que desse tempo para que os partidos, como entes
privados que são, se organizassem para se sustentar com a contribuição de seus
simpatizantes.
Mas
não foi o que aconteceu. Ao contrário: os recursos públicos para os partidos
cresceram a galope. Entre 1995 e 2018, os gastos anuais do fundo partidário
saltaram, em valores deflacionados, 9.766%. Em 2000, o Estado respondia por
menos de 8% dos custos eleitorais; em 2018, respondeu por quase 70%. Em 2020, o
Congresso aprovou um aumento de 18% no fundo eleitoral. Com essa crescente
fonte de receita dada a si mesmos pelos partidos com o dinheiro do
contribuinte, não surpreende que o número de filiados esteja em queda. Afinal,
por qual motivo as legendas se preocupariam em recrutá-los e conservá-los? Não
à toa, segundo a Transparência Partidária, nos últimos dez anos o porcentual de
mudança da composição das Executivas Nacionais foi de ínfimos 24%.
Se,
ao contrário, os partidos fossem progressivamente obrigados a depender dos
filiados, seriam forçados a criar “mais espaços de participação, mais prestação
de contas e a dividir o poder”, disse Mesquita. A discussão não passa
necessariamente pelo valor da contribuição, mas pelo engajamento. Como
argumentou Marcelo Issa, da Transparência Partidária, se apenas metade dos 16
milhões de filiados contribuísse com R$ 5 por mês, isso equivaleria a R$ 480
milhões – metade do fundo partidário.
Hoje
há um círculo vicioso: os partidos aliciam os eleitores nos períodos
eleitorais, e depois lhes dão as costas, dedicando-se a administrar seus feudos
controlados por poucos caciques, que, por sua vez, não sofrem pressão nem dos
filiados nem do Poder Público para prestar contas. Sem uma reforma que não só
elimine o financiamento público aos partidos, mas estabeleça cláusulas de
barreira mais estritas e modelos eleitorais mais representativos – como o voto
distrital –, a fragmentação partidária em uma pletora de legendas sem conteúdo
programático e cada vez mais distantes dos eleitores só aumentará.
Energia solar: oportunidades e desafios – Opinião / O Estado de S. Paulo
Fonte
limpa e inesgotável e ainda grande geradora de empregos
A energia solar está em franca ascensão no Brasil. Em 2020, o País dobrou sua capacidade instalada, e tudo indica que repetirá o feito em 2021. Apesar disso, a proporção de consumidores ainda é irrisória. Mesmo com a brusca queda dos custos associada ao fato de que o Brasil tem uma das melhores irradiações solares do mundo, a expansão dessa matriz ainda dependerá de metas ambiciosas, políticas públicas sólidas, planejamento de mercado e bons quadros regulatórios.
Segundo
a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), em 2020 a
capacidade instalada saltou de 4,6 gigawatts (GW) para 7,5 GW, potência
suficiente para iluminar 3,7 milhões de domicílios. A previsão é de que em 2021
essa taxa alcance 12,6 GW.
Desde
2012, quando a energia solar despontou comercialmente no País, o seu preço caiu
em 80%. O custo atual – cerca de US$ 20 por megawatt-hora – fica abaixo de
todas as outras fontes, exceto a geração eólica. Equipamentos que há dez anos
custavam R$ 30 mil hoje são encontrados pela metade do preço, tornando o
cenário mais atrativo para domicílios e estabelecimentos comerciais.
“Hoje
em dia, deixou de ter só um apelo ambiental, como era anos atrás, e passa por uma
questão financeira”, disse ao Estado Rodolfo Meyer, presidente do
Portal Solar, a maior plataforma de energia solar do País. “As pessoas instalam
realmente para reduzir a conta de luz.”
Nos
próximos anos, a expansão estará condicionada ao desenvolvimento de baterias
que poderão armazenar energia, possibilitando a independência do consumidor em
relação às distribuidoras de energia. Segundo Roberto Brandão, do Grupo de
Estudos do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro, se essa
questão for resolvida, a energia solar tem potencial para liderar a matriz
elétrica brasileira. Hoje a sua fatia ainda é comparativamente pequena: 1,6%.
Em termos de capacidade instalada, o Brasil está na 16.ª posição no mundo.
Entre
os desafios para o desenvolvimento da matriz fotovoltaica no Brasil, os
especialistas apontam a conscientização da população. Os benefícios são vários.
Do ponto de vista ambiental, a energia solar, além de ser uma fonte limpa,
renovável e inesgotável, reduzirá a necessidade de inundar grandes áreas verdes
para construir usinas hidrelétricas.
Além
disso, há os benefícios econômicos. O setor é uma locomotiva para a geração de
empregos. Dos cerca de 11 milhões de empregos gerados pela cadeia de renováveis
no mundo, um terço provém da fonte solar. Casas que produzem energia por meio
de suas próprias instalações fotovoltaicas podem economizar até 95% do valor de
sua conta de luz. O sistema também é uma solução rápida para áreas remotas,
onde não existe fornecimento de energia.
Há
desvantagens, notadamente relacionadas às dificuldades de armazenamento. Mas
trata-se de um empecilho de ordem técnica que, tudo indica, deve ser removido
em pouco tempo.
Pesquisas
levantadas pela Absolar apontam que 93% dos brasileiros gostariam de gerar
energia renovável em sua casa e 85% apoiam investimentos públicos em energias
renováveis, sobretudo a solar e a eólica. Entre os pequenos negócios, 80%
instalariam sistemas fotovoltaicos se tivessem acesso a financiamento
competitivo.
Isso
impõe desafios à iniciativa privada e ao Poder Público. À primeira, cabe elevar
as possibilidades de financiamento de baixo custo e criar novos modelos de
negócios. Já o segundo precisará desenhar um planejamento consistente em
relação aos incentivos e subsídios. Hoje os consumidores do sistema
fotovoltaico não pagam pelos custos da rede de distribuição. Se, por um lado,
isso onera os demais consumidores, por outro, a retirada brusca desses
incentivos pode sufocar na raiz um mercado promissor. A Agência Nacional de
Energia Elétrica promete concluir no primeiro semestre de 2021 a revisão da
regulação sobre os subsídios. Sendo um debate de alto valor estratégico,
demandará todo o empenho de autoridades e especialistas, com ampla
transparência para que o setor privado possa conhecer e avaliar os benefícios
dessa matriz.
O
desvio do dinheiro recuperado – Opinião / O Estado de S. Paulo
Os
recursos públicos e privados recuperados devem ser devolvidos a quem foi lesado
Em decisão liminar, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes pôs fim a uma prática que, apesar de não ter respaldo legal, vinha ganhando ares de normalidade. Ao recuperar recursos públicos e, às vezes, também privados que foram desviados de suas finalidades originais, o Ministério Público (MP) vinha muitas vezes dando um novo uso ao dinheiro, como se lhe coubesse gerir tais recursos.
Na
decisão, Alexandre de Moraes reconheceu que, não havendo vinculação legal
expressa, cabe à União definir a destinação de valores decorrentes de
condenações criminais, colaborações premiadas e outros acordos. A decisão
liminar proíbe que o Ministério Público vincule a distribuição desses recursos,
seja por meio de um acordo, seja recorrendo à Justiça. Não é papel da
instituição gerir dinheiro público – e menos ainda privado.
Num
cenário em que se tornou corriqueiro o Ministério Público definir, por exemplo,
o uso de valores provenientes de uma delação premiada, o ministro Alexandre de
Moraes precisou lembrar o óbvio. O destino de valores ou bens provenientes dos
efeitos de uma condenação criminal ou de acordos deve observar a legislação, em
especial, o Código Penal, a Lei das Organizações Criminosas e a Lei da Lavagem
de Dinheiro.
O
dinheiro recuperado deve ser devolvido a quem foi lesado, e não entregue a quem
participou das investigações. Essa regra básica foi descumprida, por exemplo,
no acordo entre a Petrobrás e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
Revelado em 2018, o texto previa que as multas, no valor de US$ 682,6 milhões,
seriam destinadas a um fundo a ser criado com a participação do Ministério
Público Federal (MPF), que também se encarregaria da gestão orçamentária e
financeira desses recursos.
Na
ocasião, a Procuradoria-Geral da República (PGR) questionou no Supremo a
constitucionalidade do modo de proceder do MPF, que pretendia assumir a gestão
de um fundo de direito privado. O Supremo reconheceu a nulidade dessa
participação do MP.
Outro
notório caso ocorreu em 2016. O MP queria que 20% dos recursos devolvidos por
Paulo Roberto Costa fossem destinados para “os órgãos responsáveis pela
negociação e pela homologação do acordo de colaboração premiada que permitiu
tal repatriação”.
Negando
o pedido, o ministro Teori Zavascki determinou que os valores fossem
depositados integralmente na conta da Petrobrás.
Na
decisão de agora, o ministro Alexandre de Moraes afirma que continua havendo
destinação ou vinculação indevida de recursos públicos por órgãos ou
autoridades sem competência constitucional para tanto. Precisamente para pôr
fim a esses abusos, deferiu a medida liminar.
Nos
escândalos de corrupção, fala-se muito dos recursos públicos desviados.
Trata-se de algo grave: dinheiro dos cofres públicos não teve o devido destino.
No entanto, menciona-se pouco quem é a autoridade competente para definir esse
destino. Por previsão constitucional, cabe ao Congresso Nacional deliberar
sobre a destinação das receitas públicas e, depois, ao Executivo
administrá-las.
Não
basta, portanto, “recuperar” o dinheiro por meio de condenações, multas ou
acordos. Se depois a destinação dos valores é definida por quem não tem
competência para isso, a rigor esses recursos continuam desviados de sua
finalidade.
Vale
lembrar que, muitas vezes, o dinheiro recuperado numa investigação criminal não
é dinheiro público, e sim privado. Por exemplo, ainda que a União seja sua
maior acionista, a Petrobrás é uma sociedade de economia mista, com centenas de
milhares de acionistas privados, que detêm a maior parcela do capital
acionário. Dessa forma, a corrupção na Petrobrás não prejudicou apenas a União,
e sim todos os seus acionistas. Esse aspecto referente aos danos privados nunca
recebeu a devida importância da Operação Lava Jato.
A
decisão do ministro Alexandre de Moraes é muito oportuna. Longe de enfraquecer
as investigações, contribui para que o dinheiro recuperado tenha o exato
destino que lhe cabe, protegendo-o de novos desvios.
Auxílio testa sensatez do Congresso – Opinião / O Globo
A semana começa com a perspectiva de votação no Congresso de um novo auxílio emergencial para atenuar os efeitos sociais provocados pelo recrudescimento da pandemia. Uma reunião na quinta-feira selou um acordo sobre a extensão do benefício entre Legislativo e Executivo. O primeiro estava representado pelos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). O segundo, pelos ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos. Agora se saberá, com Congresso sob nova gestão, o nível de controle que o Planalto tem sobre a agenda parlamentar.
A
ideia do acordo é limitar o novo auxílio a quem tenha renda familiar de até R$
600. Beneficiaria algo como 40 milhões de brasileiros, bem menos que no ano
passado, quando mais de 68 milhões o receberam. O governo promete concentrar o
foco nos mais necessitados, como já deveria ter feito em 2020. Caso o valor
seja fixado em R$ 250 mensais, por quatro meses, como propõe o Ministério da
Economia, o custo para os cofres públicos ficaria em torno de R$ 30 bilhões,
compensados, em princípio, pela extensão do congelamento do reajuste do
funcionalismo, que vigorou em 2020 como contrapartida da ajuda concedida pela
União a estados e municípios.
A
engenharia legislativa para aprovar o auxílio envolveria a inclusão de uma
cláusula de calamidade na PEC Emergencial, como ocorreu no ano passado com o
Orçamento de Guerra, para que as despesas possam feitas à margem do teto dos
gastos. A PEC Emergencial, que cria gatilhos para conter gastos públicos que
ultrapassem limites predefinidos, poderia ainda vir a ser fundida com uma outra
que também tramita no Senado, a do Pacto Federativo, destinada a distribuir
melhor os recursos na Federação e a rever certas regras de vinculações
orçamentárias que amarram o administrador público. É clara a intenção do
governo de, ao mesmo tempo que estende o auxílio, implementar ações de controle
fiscal.
Há
riscos de duas naturezas em toda a operação. O primeiro é a inevitável bondade
do Congresso, que da última vez elevou um benefício inicialmente estipulado em
R$ 200 para R$ 500, depois aumentados para R$ 600 por uma canetada do
presidente Jair Bolsonaro. A medida era necessária, como agora, mas saiu mais
caro do que era preciso. Beneficiou quem não deveria e custou mais de R$ 300
bilhões aos cofres públicos, contribuindo para um salto na dívida pública até perto
de 90% do PIB.
O
segundo risco é a força dos lobbies corporativos que tentam evitar as medidas
compensatórias, rejeitadas em particular pelo funcionalismo. Efeitos dos
gatilhos da PEC Emergencial, como suspensão de concursos, redução de salários e
jornadas, são cruciais para cumprir o espírito da Lei de Responsabilidade
Fiscal, manietada depois de uma decisão desastrosa do Supremo.
Novamente,
se o Congresso se render à pressão para abrir exceções, será inevitável o
estouro do teto de gastos e um novo salto no endividamento. O preço que
pagaremos por isso no futuro será altíssimo. No setor privado, houve redução de
salários, jornadas e ondas de demissões, levando a índices recordes de
desocupação e desalento. O setor público também precisa comparecer com sua cota
de sacrifício para que o país consiga levar mais dinheiro a quem realmente
necessita.
Bolsonaro deveria se inspirar na campanha de vacinação de Israel – Opinião / O Globo
Depois da cloroquina — ineficaz no tratamento da Covid-19 —, o novo objeto de desejo do presidente Jair Bolsonaro é um spray nasal contra o novo coronavírus desenvolvido em Israel. Na última segunda-feira, quando estava no litoral de Santa Catarina, Bolsonaro disse, numa transmissão ao vivo, que a Anvisa analisará em breve o pedido para uso emergencial do produto, testado no Centro Médico Ichilov, em Tel Aviv.
Fora
do mundo encantado do bolsonarismo, o que se tem é bem menos do que parece. O
medicamento (EXO-CD24), testado inicialmente para tratamento de câncer, está na
fase 1 de estudos. É verdade que os primeiros resultados foram animadores —
curou 29 dos 30 pacientes moderados ou graves entre três e cinco dias —, mas os
próprios pesquisadores disseram que mais estudos são necessários para comprovar
eficácia contra a Covid-19.
Mais
producente seria se Bolsonaro olhasse para outra experiência de Israel: a
campanha de vacinação, esta sim com resultados espetaculares. Israel é o país
que mais vacinou até o momento — mais de 40% da população receberam a primeira
dose (no Brasil, menos de 3% até agora). Em dois meses, imunizaram-se mais de
90% dos adultos acima de 60 anos. Os resultados já começam a aparecer. O número
de mortes de idosos diminuiu 40%; as internações caíram 44%, e a quantidade de
casos graves recuou 92%. Boa notícia para Israel e para o mundo, já que
corrobora o poder da vacinação para deter a pandemia.
O
desempenho é creditado a três fatores principais: população relativamente
pequena (9,3 milhões), estoque assegurado de vacinas e um sistema de saúde que
se revelou bem-sucedido na tarefa de coordenar a logística de vacinação. As
doses da Pfizer/BioNTech foram reservadas com antecedência, e a campanha
começou em 19 de dezembro. Ao longo da pandemia, o país implantou três
lockdowns severos. Só agora, com quase metade da população vacinada, as medidas
de restrição começam a ser aliviadas. Em alguns lugares, como academias, hotéis
e cinemas, a frequência só será permitida com a apresentação de um passaporte
digital de vacinação.
Claro
que, como em qualquer outro lugar, ainda há desafios. O número de mortes e de
casos diários ainda é alto. Uma das preocupações é a queda na adesão à vacina
pela população mais jovem e por grupos ultraortodoxos, que não cessaram de
promover aglomerações. Sem participação maciça da população, não será atingida
a imunidade coletiva (ao menos 70%), crucial para controlar a pandemia.
Vale
dizer que a vacina da Pfizer aplicada em Israel — e noutros países como Chile e
México — é a mesma que Bolsonaro e seu ministro da Saúde, Eduardo Pazuello,
desprezaram no ano passado, sob o pretexto de que as condições do contrato eram
desfavoráveis. Ignorou-se a lei da oferta e da procura. Agora, bate-se à porta
das farmacêuticas mendigando doses. Bolsonaro deveria saber que mais vale uma
vacina no braço do que sprays milagrosos voando em laboratório.
O caminho do auxílio – Opinião / Folha de S. Paulo
Acordo
para urgente prorrogação do benefício precisa indicar reequilíbrio fiscal
O
governo Jair Bolsonaro mais uma vez caminha a reboque do Congresso no debate em
torno do auxílio emergencial, cuja prorrogação se tornou um imperativo social,
econômico e político com o novo agravamento da pandemia.
Como
no ano passado, é o comando do Legislativo, agora entregue ao centrão aliado a
Jair Bolsonaro, que impõe pressa na definição do benefício. O Ministério da
Economia basicamente se limita a buscar contrapartidas —essenciais— de ajuste
orçamentário.
Conforme
o entendimento firmado, o caminho legal será o aproveitamento de uma proposta
de emenda constitucional já em tramitação no Senado, aglutinando dispositivos
que constam de diferentes projeto anteriormente encaminhados pelo governo.
As
lideranças parlamentares prometem divulgar o texto da PEC a partir desta
segunda-feira (22). Espera-se que a peça inclua a previsão de um novo auxílio
com o acionamento de uma cláusula de calamidade pública, de modo a suspender
temporariamente as restrições impostas pelo teto de gastos inscrito na
Constituição.
O
acordo também deve —ou deveria— passar pela inserção de normas que reforcem a
eficácia do teto. A principal seria a regulamentação de controles automáticos
para quando as despesas se aproximarem dos limites legais.
Entre
eles, proibição de reajustes salariais e progressões de carreira para o
funcionalismo, além do corte de incentivos tributários.
Parecem
descartadas, no quadro atual de urgência, medidas mais drásticas e controversas
que exigiriam longa negociação política, como cortes de salários e jornadas de
servidores públicos e a desindexação de gastos sociais.
Bolsonaro,
desnecessário dizer, tampouco mostra qualquer disposição para se desgastar com
debates como esse —está mais empenhado em exibir demagogia e corporativismo com
a intervenção desastrada na Petrobras.
A
tramitação da PEC deverá ser acelerada, com a possibilidade de votação em dois
turnos no Senado antes do final do mês e na Câmara em seguida. Havendo bom
andamento político, o processo poderá ser finalizado em março.
Quanto
ao auxílio, ainda não há clareza quanto a valores e abrangência, mas a julgar
pelos sinais emitidos até agora o desenho final será mais restritivo do que o
vigente no ano passado, com dispêndio total de até R$ 50 bilhões.
Seria
impensável, afinal, uma nova liberação acima dos R$ 300 bilhões como a de 2020,
que acabou se mostrando mal direcionada.
Confirmados
esses termos finais, o resultado pode ser considerado satisfatório se as
contrapartidas fiscais forem robustas o bastante.
O
urgente, no momento, é evitar um colapso da renda enquanto a vacinação ainda
não surte efeito sobre os números diários de mortes pela Covid-19; entretanto
também é imprescindível indicar, desde já, que não haverá um colapso das
finanças públicas e da economia.
Faroeste judicial – Opinião / Folha de S. Paulo
Investigação
sobre venda de sentenças judiciais na BA não trata de caso isolado
Uma
teia de relações perniciosas e nada republicanas entre setores do Judiciário e
interesses privados foi exposta pela principal operação
sobre suspeita de vendas de decisões judiciais do Brasil, com foco no
Tribunal de Justiça da Bahia.
Deflagrada
há menos de um ano e meio, a Operação Faroeste, da Polícia Federal e do Ministério
Público Federal, iniciou-se como uma investigação sobre disputa de terras nas
divisas da Bahia com o Piauí e o Tocantins. Suspeita-se que a área hoje objeto
das decisões supostamente compradas chegue a 800 mil hectares; eram 366 mil
hectares no início das investigações.
Do
imbróglio fundiário deriva um vespeiro de interesses privados. Se comprovadas
as acusações, as quais os envolvidos negam, o esquema incluiria advogados que
teriam feito a intermediação entre magistrados e interessados nas terras, além
de outros servidores do TJ da Bahia, Executivo e Ministério Público locais.
Mais
de uma dezena de juízes e desembargadores estão afastados, presos
preventivamente ou em prisão domiciliar. Aos que vierem a ser considerados
culpados, sanções penais, pelo Judiciário, e disciplinares, pelo Conselho
Nacional de Justiça ou pelo próprio tribunal baiano, são cabíveis.
Nota-se que pela Constituição magistrados contam com uma série de garantias justamente para afastá-los de interesses privados —entre elas, cargo vitalício, inamovibilidade de seu posto salvo em caso de interesse público e vencimentos irredutíveis.
Igualmente
a lei veda a magistrados exercer outros cargos além do magistério, receber
participação financeira em processos ou atuar em atividade político-partidária.
Tais
dispositivos deveriam servir de desincentivo à corrupção judicial.
Vergonhosamente, o caso do TJ-BA não é isolado: outras apurações sobre vendas
de decisões judiciais já foram deflagradas em estados como Minas Gerais, Rio de
Janeiro, Ceará e São Paulo.
O
Judiciário brasileiro, que está entre os mais caros do mundo, deveria destinar
mais recursos ao aperfeiçoamento de mecanismos transparentes de controle da
corrupção de seus integrantes.
Bolsonaro amplia incertezas ao mudar comando da Petrobras – Opinião / Valor Econômico
Para
satisfazer parte de sua base eleitoral, Bolsonaro criou problemas de toda ordem
A decisão do presidente Jair Bolsonaro de demitir o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, poucos dias após garantir publicamente que não iria interferir na empresa, adiciona mais elementos de incerteza sobre o futuro da política econômica do governo.
Não
se trata apenas da troca no comando da Petrobras, uma atribuição do chefe do
Executivo, uma vez que a União é acionista majoritária da empresa. O problema é
que a mudança aconteceu após duras críticas à política de preços que vinha
sendo executada. O último aumento de 10% para a gasolina e de 15% para o óleo
diesel foi considerado “excessivo” pelo presidente da República e “fora da
curva”, segundo afirmou a apoiadores, na quinta-feira.
No
sábado, em vídeo nas redes sociais, ele foi mais agressivo, dizendo que não era
justificável um aumento de 32% no preço do diesel neste ano. “Ninguém esperava
essa covardia desse reajuste agora”, afirmou. Bolsonaro disse que, assim como
quiseram derrubá-lo prejudicando a economia com o isolamento social durante a
pandemia, “agora resolveram atacar na energia”.
O
escolhido por Bolsonaro para a presidência da Petrobras é o general da reserva
Joaquim Silva e Luna, atual diretor-geral de Itaipu Binacional. Em entrevista à
repórter Andrea Jubé, do Valor,
Silva e Luna disse que a estatal tem que enxergar as questões sociais. Ele
observou que o preço do diesel e da gasolina impacta toda a cadeia produtiva do
país. “São considerações que têm que ser analisadas junto com o conselho (da
empresa), junto com a equipe”, disse.
As
“questões sociais” que Bolsonaro vislumbra têm a ver com sua reeleição e com o
apoio de setores que o apoiam, como o dos caminhoneiros, cuja greve em 2018 o
então candidato à Presidência aplaudiu. Bolsonaro não está preocupado em
entender e encontrar soluções para problemas complexos. Com a disparada dos
preços do petróleo, motivada pela reativação econômica global, e o dólar
valorizado em boa parte pela desconfiança sobre a situação fiscal brasileira -
o câmbio, sim, é um “ponto fora da curva” - os ajustes aconteceriam de um jeito
ou de outro. Não é simples encontrar uma forma de atenuar o repasse, e em 2018
colocou-se dinheiro público para subsidiar o diesel.
Antes
dos últimos aumentos do diesel e da gasolina, a Petrobras vinha sendo fustigada
pelos seus concorrentes, que importam o produto, pela razão contrária: o preço
fixado pela estatal estaria muito abaixo da cotação internacional, tornando
inexistente a margem de venda dos importadores. O presidente primeiro decidiu
bulir no ICMS, da competência do Estados, para depois reduzir por dois meses os
impostos federais sobre o diesel e eliminá-los para o gás de cozinha. Após a
substituição de Castello Branco, Bolsonaro disse que o diesel estava 15% mais
caro do que deveria, ilustrando que sua fórmula pessoal de cálculo dos preços
dos combustíveis é ainda mais obscura do que a da própria Petrobras.
O
presidente, na prática, faz populismo com preços - ao incluir o gás de cozinha,
insumo amplamente consumido pela população de baixa renda, protege-se
politicamente das críticas de que sua solução beneficia apenas os caminhoneiros
- e, mais ainda, as grandes empresas transportadoras de carga.
Ainda
está presente na memória de todos o desastre econômico promovido pela então
presidente Dilma Rousseff. Ela evitou aumentar os preços dos combustíveis para
controlar a inflação. A Petrobras acumulou um imenso prejuízo e distorceu os
preços relativos da economia. A contenção artificial dos preços contra a
inflação só poderia dar errado, mas este sequer é um motivo de Bolsonaro. Em
nenhum momento sequer ele usou a palavra inflação.
Para satisfazer parte de sua base eleitoral, Bolsonaro criou problemas de toda ordem. A substituição de Castello Branco, pelo motivo apresentado, mostra a volta da interferência do Executivo na política de preços da estatal. A perda de valor das ações decorrente prejudica os acionistas minoritários e ameaça uma rebelião de seus representantes no Conselho e muitas ações judiciais. Com Orçamento sem margens para manobras, o Bolsonaro adicionou uma conta de pelo menos mais R$ 3 bilhões (só com o diesel) para as quais será preciso cortar gastos equivalentes, sob pena de descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal. Em pleo processo de venda de refinarias pela Petrobras, a ação do presidente da República deixa receosos os investidores interessados e desvaloriza os ativos que irão a leilão.
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