Desde
1991, um total de 23 projetos propõem revisar a redação da Lei de Segurança
Nacional, ainda sem votação
O
primeiro projeto apresentado na Câmara dos Deputados para debater
a revisão da Lei de Segurança Nacional (LSN) vai completar 30 anos de
tramitação em dezembro. Usada como base para prender o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) na
semana passada, a lei promulgada ainda na ditadura militar tem sido amplamente
aplicada desde que o presidente Jair Bolsonaro assumiu a
Presidência – servindo de instrumento para investigar de jornalistas a
advogados –, mas segue contestada e alvo de 23 propostas legislativas que
preveem sua modificação ou revogação.
O
primeiro projeto neste sentido foi apresentado em 1991, três anos após o Brasil
ganhar uma nova e democrática Constituição. A Carta de 1988, no entanto, não
deixava claro – como ainda não deixa – se a LSN deveria continuar a ser
aplicada com a mudança de regime. O Supremo Tribunal Federal ainda
não decidiu a respeito.
Deputado pelo PT na época, o jurista Hélio Bicudo (morto em 2018) apresentou um projeto que definia o que eram crimes contra o Estado Democrático de Direito e o equilíbrio entre os Poderes. Ele se baseava em uma outra proposta, do governo de José Sarney, que revogava por completo a LSN. Desde então, outros 22 textos foram apensados ao projeto original.
O último deles, de autoria dos deputados Paulo Teixeira (PT-SP) e João Daniel (PT-SE), institui a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito, em substituição à LSN. Desenvolvido em parceria com um grupo de juristas, que inclui nomes como Pedro Serrano, Lenio Streck, Juarez Tavares e Carol Proner, o texto é baseado em normas internacionais de países que, como o Brasil, já viveram ditaduras.
Teixeira acredita que a prisão de Silveira possa resgatar o debate no Legislativo. Na sexta, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), anunciou a criação de um grupo para estudar leis que definam a relação entre os Poderes. “Nossa proposta pune, por exemplo, quem faz apologia a ditaduras, como foi o caso, e agrava a pena quando se trata de agente público civil ou militar”, diz o petista, que lista no projeto uma série de países que têm leis para defender a democracia, da Alemanha ao Chile.Segundo
Teixeira, desde que Bolsonaro chegou ao poder há “exagero” no uso da
legislação. Levantamento do Estadão no
ano passado comprova a percepção: nos oito anos da gestão do ex-presidente Lula
(2003-2010) foram abertos 29 inquéritos com base na LSN. Sob Bolsonaro, de janeiro
de 2019 a junho de 2020, a Polícia Federal abriu 30.
Vaga. A principal crítica feita pelos especialistas é que, além de ter sido formulada como instrumento de perseguição aos opositores da ditadura, a LSN tipifica crimes de forma vaga. No artigo 23, por exemplo, fala em subversão da ordem pública e social, mas sem definir o que isso significa. “A LSN traz tipos penais muito vagos. Tem sido usada para punir opinião, por meio do artigo 26, que considera crime como ‘fato ofensivo à reputação’ dos presidentes dos Poderes. O governo Bolsonaro tem recorrido a esse artigo para mandar investigar quem o critica. Foi o que fez o então ministro da Justiça, Sérgio Moro, em relação ao ex-presidente Lula, por exemplo, e é o que tem feito o atual ministro André Mendonça com jornalistas, cartunistas e advogado”, diz Serrano.
O advogado investigado com base na lei por um comentário
sobre a atuação de Bolsonaro na pandemia é o criminalista Marcelo Feller.
“Em janeiro, recebi intimação da PF para depor em inquérito solicitado pelo
ministro Mendonça. Foi aí que tomei conhecimento do fato, já arquivado após
pedido da procuradoria da República. O crime que queriam me imputar foi um
comentário que fiz, com base em dados científicos, de que, por meio de seus
atos e discursos, Bolsonaro é responsável por 10% dos casos e mortes de
covid-19 no Brasil.” Feller fez a afirmação em programa da CNN com base estudo da
Universidade de Cambridge e da Fundação Getúlio Vargas.
Da
lista de 22 projetos apensados à proposta de Bicudo, 12 visam definir o que é
terrorismo. No outro grupo, há sugestões de alteração que vão desde o aumento
das penas a novas tipificações de crimes. André Figueiredo (PDT-CE), por
exemplo, propõe tratar como crime participação em atos considerados
antidemocráticos para pedir a dissolução do Congresso, o retorno da ditadura ou
o AI-5. Silveira se encaixaria nesses
critérios.
PROPOSTAS
1991 – Hélio
Bicudo define como crime ato que promova o desequilíbrio entre os poderes.
2002 – Miguel
Reale Júnior prevê crime de atentado à autoridade por “facciosismo político”
2003 – Alberto
Fraga considera crime ato que prejudique o funcionamento das instituições do
Estado
2015 – Moroni
Torgan define como crime ato que incite a animosidade entre as Forças Armadas e
instituições civis
2019 – L. P. de O.
e Bragança prevê como crime “patrocínio de causas que atentem contra a ordem
social”
Reginaldo
Lopes define o STF como a Corte para julgar crimes contra a democracia
2020 – Gustavo
Fruet define como crime contra a democracia atos de apologia da ditadura e da
tortura.
Paulo
Teixeira e João Daniel) Institui a Lei de Defesa do Estado Democrático de
Direito
José
Medeiros aumenta a pena prevista por crime de ameaça à vida de presidentes dos
Três Poderes
André Figueiredo diz ser crime participar de ato a favor da dissolução do Congresso
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