segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Sergio Lamucci - Custo Bolsonaro aumenta ainda mais

- Valor Econômico

A decisão de trocar o comando da Petrobras torna o cenário mais nublado para o investimento

Com a intervenção na Petrobras, o custo Jair Bolsonaro subiu ainda mais. O presidente produz incertezas e ruídos continuamente, da economia à saúde, passando pela política externa e pela área ambiental. A decisão de trocar Roberto Castello Branco por Joaquim Silva e Luna no comando na petroleira, em reação aos reajustes de combustíveis, torna o cenário mais nublado para o investimento, que já sofre com o recrudescimento da pandemia, a vacinação lenta, as dúvidas sobre a sustentabilidade das contas públicas e a crônica dificuldade do país de crescer a taxas mais elevadas.

A mudança na Petrobras é o maior passo na direção do populismo dado por Bolsonaro, preocupado em evitar uma nova greve dos caminhoneiros e, como sempre, de olho nas eleições do ano que vem. Para completar, o presidente disse no sábado que mais alterações no governo vão ocorrer nesta semana, além de ter afirmado que vai “meter o dedo na energia elétrica”.

O impacto negativo da interferência na Petrobras e da expectativa de intervenção no setor energético deve jogar contra a recuperação da atividade econômica, além de poder contribuir para um câmbio mais desvalorizado, num momento marcado por fortes pressões inflacionárias, devido à combinação do real enfraquecido e da disparada dos preços de commodities, como o petróleo. O risco é o Banco Central (BC) ter de elevar os juros com mais força do que se imaginava, piorando as já pouco animadoras perspectivas para o crescimento.

Coordenador de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), Armando Castelar diz que a decisão de Bolsonaro obviamente aumenta a incerteza, num quadro em que a atividade já está retraída. Empresários tendem a adiar planos de expansão da capacidade produtiva num ambiente de maior indefinição, com risco de intervenção do governo na economia. “Com mais incerteza, cresce o valor de esperar para o investidor”, resume Castelar. Essas dúvidas podem afetar tanto os fluxos financeiros quanto os destinados para atividades produtivas, diz o economista.

Para ele, os dois primeiros trimestres de 2021 deverão ter variações do Produto Interno Bruto (PIB) próximas de zero na comparação com o trimestre anterior. “Pode ser um pouco negativa no primeiro, com o fim do auxílio emergencial, e marginalmente positiva no segundo, com o retorno parcial [do auxílio], mas em termos econômicos nada significativamente diferente de zero”, avalia Castelar.

Segundo ele, o Ibre/FGV projeta um crescimento de 3,6% neste ano, mas o número se deve em grande parte à herança estatística de 2020, que deve ficar em 3%. Isso significa que, se o PIB terminar 2021 no nível do fim do ano passado, o crescimento será de 3%.

A interferência na Petrobras pode pesar sobre o real, já mais desvalorizado do que grande parte das moedas emergentes. Castelar lembra que a eleição de Joe Biden nos EUA no fim do ano passado e as perspectivas de vacinação ao longo de 2021 contribuíram para reduzir a aversão global ao risco nos últimos meses, mas a divisa brasileira segue depreciada. Afetam o real as incertezas sobre a trajetória das contas públicas, o aumento do número de casos e mortes pela covid-19, o crescimento fraco do país desde 2014 e, para alguns analistas, o nível baixo dos juros básicos, com a Selic em 2% ao ano.

Castelar observa que a eventual opção por segurar reajustes de combustíveis complica a gestão da política monetária, já um desafio para o Banco Central (BC) hoje, por causa da combinação de inflação pressionada e atividade fraca. Não reajustar preços da gasolina e do óleo diesel ou reduzi-los artificialmente pode produzir um alívio de curto prazo para a inflação, mas diminui a transparência e tende a elevar as expectativas em relação aos índices de preços, por represar aumentos das cotações, diz ele. Isso atrapalha a vida do BC.

Bolsonaro disse no sábado que deverá promover outras mudanças no governo nesta semana. Em janeiro, ele pensou em demitir o presidente do Banco do Brasil (BB), André Brandão, pelo anúncio de um programa de demissão voluntária e do fechamento de agências, mas foi convencido a não trocá-lo naquele momento.

As decisões e declarações populistas de Bolsonaro também levantam dúvidas sobre o que vai ocorrer com as contas públicas daqui para frente. O auxílio emergencial voltará, a princípio com valor mais baixo, para um público menos amplo e por um período mais curto, mas ainda há incerteza sobre a adoção de medidas mais fortes de contrapartida a esses gastos, como as voltadas para conter o crescimento de despesas obrigatórias. Além disso, não está definida a compensação da isenção de impostos federais sobre o óleo diesel e o gás de cozinha, anunciada na semana passada por Bolsonaro. Embora a equipe econômica mostre disposição de compensar a redução de tributos, o presidente indicou que gostaria de baixar o PIS/Cofins incidente sobre os combustíveis sem ter de contrabalançar o efeito sobre a receita, como prevê a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), usando como justificativa a situação excepcional que o país atravessa.

As decisões de Bolsonaro evidenciam o desprestígio crescente no governo da agenda liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes. Por um bom tempo, Guedes disse que promoveria um programa ambicioso de privatizações, capaz de levantar R$ 1 trilhão em receitas. Era uma cifra obviamente exagerada, ainda mais porque Bolsonaro sempre descartou a ideia de privatizar a Petrobras, o Banco do Brasil (BB) e a Caixa. Não apenas não houve nenhuma venda de estatal até o momento como o governo dá sinais de que pretende controlar reajustes de preços pela Petrobras, além de sugerir que pode haver interferência no segmento de energia. Com essas atitudes, o presidente contribui ativamente para piorar o ambiente de negócios no país, ao aumentar o já elevado nível de incerteza na economia. 

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