A
decisão de trocar o comando da Petrobras torna o cenário mais nublado para o
investimento
Com
a intervenção na Petrobras, o custo Jair Bolsonaro subiu ainda mais. O
presidente produz incertezas e ruídos continuamente, da economia à saúde,
passando pela política externa e pela área ambiental. A decisão de trocar
Roberto Castello Branco por Joaquim Silva e Luna no comando na petroleira, em
reação aos reajustes de combustíveis, torna o cenário mais nublado para o
investimento, que já sofre com o recrudescimento da pandemia, a vacinação
lenta, as dúvidas sobre a sustentabilidade das contas públicas e a crônica
dificuldade do país de crescer a taxas mais elevadas.
A
mudança na Petrobras é o maior passo na direção do populismo dado por
Bolsonaro, preocupado em evitar uma nova greve dos caminhoneiros e, como
sempre, de olho nas eleições do ano que vem. Para completar, o presidente disse
no sábado que mais alterações no governo vão ocorrer nesta semana, além de ter
afirmado que vai “meter o dedo na energia elétrica”.
O impacto negativo da interferência na Petrobras e da expectativa de intervenção no setor energético deve jogar contra a recuperação da atividade econômica, além de poder contribuir para um câmbio mais desvalorizado, num momento marcado por fortes pressões inflacionárias, devido à combinação do real enfraquecido e da disparada dos preços de commodities, como o petróleo. O risco é o Banco Central (BC) ter de elevar os juros com mais força do que se imaginava, piorando as já pouco animadoras perspectivas para o crescimento.
Coordenador
de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio
Vargas (Ibre/FGV), Armando Castelar diz que a decisão de Bolsonaro obviamente
aumenta a incerteza, num quadro em que a atividade já está retraída. Empresários
tendem a adiar planos de expansão da capacidade produtiva num ambiente de maior
indefinição, com risco de intervenção do governo na economia. “Com mais
incerteza, cresce o valor de esperar para o investidor”, resume Castelar. Essas
dúvidas podem afetar tanto os fluxos financeiros quanto os destinados para
atividades produtivas, diz o economista.
Para
ele, os dois primeiros trimestres de 2021 deverão ter variações do Produto
Interno Bruto (PIB) próximas de zero na comparação com o trimestre anterior.
“Pode ser um pouco negativa no primeiro, com o fim do auxílio emergencial, e
marginalmente positiva no segundo, com o retorno parcial [do auxílio], mas em
termos econômicos nada significativamente diferente de zero”, avalia Castelar.
Segundo
ele, o Ibre/FGV projeta um crescimento de 3,6% neste ano, mas o número se deve
em grande parte à herança estatística de 2020, que deve ficar em 3%. Isso
significa que, se o PIB terminar 2021 no nível do fim do ano passado, o
crescimento será de 3%.
A
interferência na Petrobras pode pesar sobre o real, já mais desvalorizado do
que grande parte das moedas emergentes. Castelar lembra que a eleição de Joe
Biden nos EUA no fim do ano passado e as perspectivas de vacinação ao longo de
2021 contribuíram para reduzir a aversão global ao risco nos últimos meses, mas
a divisa brasileira segue depreciada. Afetam o real as incertezas sobre a
trajetória das contas públicas, o aumento do número de casos e mortes pela
covid-19, o crescimento fraco do país desde 2014 e, para alguns analistas, o
nível baixo dos juros básicos, com a Selic em 2% ao ano.
Castelar
observa que a eventual opção por segurar reajustes de combustíveis complica a
gestão da política monetária, já um desafio para o Banco Central (BC) hoje, por
causa da combinação de inflação pressionada e atividade fraca. Não reajustar
preços da gasolina e do óleo diesel ou reduzi-los artificialmente pode produzir
um alívio de curto prazo para a inflação, mas diminui a transparência e tende a
elevar as expectativas em relação aos índices de preços, por represar aumentos
das cotações, diz ele. Isso atrapalha a vida do BC.
Bolsonaro
disse no sábado que deverá promover outras mudanças no governo nesta semana. Em
janeiro, ele pensou em demitir o presidente do Banco do Brasil (BB), André Brandão,
pelo anúncio de um programa de demissão voluntária e do fechamento de agências,
mas foi convencido a não trocá-lo naquele momento.
As
decisões e declarações populistas de Bolsonaro também levantam dúvidas sobre o
que vai ocorrer com as contas públicas daqui para frente. O auxílio emergencial
voltará, a princípio com valor mais baixo, para um público menos amplo e por um
período mais curto, mas ainda há incerteza sobre a adoção de medidas mais
fortes de contrapartida a esses gastos, como as voltadas para conter o
crescimento de despesas obrigatórias. Além disso, não está definida a
compensação da isenção de impostos federais sobre o óleo diesel e o gás de
cozinha, anunciada na semana passada por Bolsonaro. Embora a equipe econômica
mostre disposição de compensar a redução de tributos, o presidente indicou que
gostaria de baixar o PIS/Cofins incidente sobre os combustíveis sem ter de
contrabalançar o efeito sobre a receita, como prevê a Lei de Responsabilidade
Fiscal (LRF), usando como justificativa a situação excepcional que o país
atravessa.
As decisões de Bolsonaro evidenciam o desprestígio crescente no governo da agenda liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes. Por um bom tempo, Guedes disse que promoveria um programa ambicioso de privatizações, capaz de levantar R$ 1 trilhão em receitas. Era uma cifra obviamente exagerada, ainda mais porque Bolsonaro sempre descartou a ideia de privatizar a Petrobras, o Banco do Brasil (BB) e a Caixa. Não apenas não houve nenhuma venda de estatal até o momento como o governo dá sinais de que pretende controlar reajustes de preços pela Petrobras, além de sugerir que pode haver interferência no segmento de energia. Com essas atitudes, o presidente contribui ativamente para piorar o ambiente de negócios no país, ao aumentar o já elevado nível de incerteza na economia.
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