Paulo
Guedes errou a estratégia e a cada dia se torna menor
No
discurso de posse, em 1949, o presidente americano Harry Truman anunciou que
uma das prioridades de seu segundo mandato seria o apoio a países em
desenvolvimento, como forma de compensar a preferência dada à reconstrução da
Europa no pós-guerra, com o Plano Marshall.
O
chamado “Ponto Quatro” do seu programa de governo previa empréstimos e
assistência técnica. No caso do Brasil, a parceria resultou na criação da
Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, que entre 1951 e 1953 realizou um amplo
diagnóstico das carências e oportunidades do país e acabou resultando na
fundação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (o “Social” só
apareceria na década de 1980) e, anos depois, no Plano de Metas de JK.
Uma
das linhas de ação escolhidas pelo Chile foi oferecer bolsas de estudos para
que estudantes de economia fizessem mestrado e doutorado na Universidade de
Chicago, desde então a cidadela do pensamento neoclássico e da defesa do livre
mercado.
Com
o golpe de Augusto Pinochet em 1973, muitos desses jovens foram convidados a
retornar e elaborar o programa econômico do seu governo. Ganharam assim o
apelido de Chicago boys, e deram as cartas até o fim da ditadura, em 1990.
40 anos depois de defender sua tese de doutorado na Universidade de Chicago, Paulo Guedes foi escolhido para ser o xerife da economia pelo ainda candidato Jair Bolsonaro. Determinado a dar um choque liberal, o novo ministro decidiu convocar três amigos também egressos da escola celebrizada por Friedman, Coase, Stigler, Becker, Lucas e tantos outros vencedores do Prêmio Nobel.
Assim,
Rubem Novaes, Roberto Castello Branco e Joaquim Levy assumiram,
respectivamente, as presidências do Banco do Brasil, da Petrobras e do BNDES.
Num feliz trocadilho, Guedes e seus amigos se autoproclamavam os Chicago
oldies.
No
fim da tarde da última sexta-feira (19/02), o presidente demitiu Castello
Branco da Petrobras e pôs um fim precoce à experiência dos “garotões” de
Chicago no governo. Antes dele, Joaquim Levy havia caído em junho de 2019, e
Rubem Novaes saído do BB em setembro de 2020. Agora só resta Paulo Guedes.
Neste
final de semana muito se falou sobre o intervencionismo de Bolsonaro, bem como
do populismo que o impede de implementar a pauta liberal do ministro da
Economia. Para quem passou quase três décadas no Congresso defendendo uma
agenda corporativista e sem se envolver em qualquer debate relevante para o
futuro do país, nada disso deveria surpreender.
O
que precisamos discutir, contudo, são os erros estratégicos de Paulo Guedes.
Ao
aceitar o convite de Bolsonaro, Guedes não se contentou simplesmente em ser a
principal referência econômica do governo; ele exigiu superpoderes, colocando
sob a sua guarda nada menos do que quatro antigos ministérios: Fazenda,
Indústria e Comércio, Planejamento e Trabalho.
Mas
não foi só: o superministro também fez questão de não trazer para sua equipe
ninguém que pudesse lhe fazer sombra. Além dos amigos Chicago oldies, os
postos-chave de seu ministério foram ocupados por jovens servidores de carreira
(que embora competentes, não tinham peso político) ou seus antigos
colaboradores do setor privado. A cada entrevista de Bolsonaro, Guedes parecia
inflar ao ser chamado de “Posto Ipiranga” - aquele a quem todos recorrem em
qualquer necessidade, como no comercial da TV.
Houve
um tempo em que o brasileiro razoavelmente bem informado sabia recitar de cor a
escalação da equipe econômica. Além dos ministros da Fazenda e do Planejamento,
o presidente do Banco Central e os titulares das Secretarias do Tesouro e da
Receita também assumiam publicamente o papel de guardiões da austeridade
fiscal, transmitindo aos políticos, ao mercado e à população as diretrizes do
governo.
Na
época de ouro em que conseguimos manter anos seguidos de superávits acima de 3%
do PIB, o time incluía, no segundo mandato de FHC, Pedro Malan (Fazenda),
Martus Tavares (Planejamento), Armínio Fraga (Banco Central), Everardo Maciel
(Receita) e Fábio Barbosa (Tesouro). No primeiro mandato de Lula, mesmo com um
político à frente da Fazenda (Antonio Palocci) e um economista heterodoxo no
Planejamento (Guido Mantega), as contas foram mantidas em dia com Henrique
Meirelles no Banco Central, Joaquim Levy no Tesouro, Marcos Lisboa na
Secretaria de Política Econômica e Jorge Rachid na Receita Federal.
Hoje
em dia é raro encontrar quem saiba dizer, sem utilizar o Google, o nome dos
secretários atuais do Tesouro ou da Receita Federal, pois seu superior não
autoriza ninguém a falar em seu nome. Por não ser onipresente e onisciente, e
sem contar com um time de peso que publicamente defenda suas propostas, Guedes
acabou isolado.
Com
um ministério tão grande nas mãos, os problemas de coordenação não tardaram a
aparecer, como atestam as sucessivas promessas furadas de entrega de reformas e
privatizações. Outros erros capitais foram desprezar a cultura política de
Brasília, promovendo atritos desnecessários com o Congresso, e subestimar a
complexidade do funcionamento da máquina pública federal - que o digam Salim
Mattar e Paulo Uebel, que debandaram em agosto de 2020.
Mesmo
antes da pandemia, a demora em entregar crescimento e desemprego baixo já
incomodava Bolsonaro e seus ministros da ala militar e desenvolvimentista,
todos de olho em 2022. Não chegam a ser surpresa, portanto, os rumores de uma
iminente divisão do ministério da Economia. Quando as coisas começam a ir mal,
uma pasta tão grande desperta a cobiça alheia, e o Centrão está à espreita.
Guedes
desprezou os conselhos de Filipe II da Macedônia e do Homem Aranha. Sem entender
que é preciso “dividir para governar” e que “grandes poderes exigem grandes
responsabilidades”, a cada dia se torna menor e dispensável. Virou um Chicago
loser.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.
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