Festas
clandestinas, variante do corona, vacina em falta, vacina de vento, às vezes
acho que o Brasil se deixa devastar pelo vírus.
É
importante compreender não só pela pandemia, mas também pela sensação de que
somos muito vulneráveis diante de obstáculos futuros. O governo tem uma grande
culpa na tragédia. Um estudo divulgado pela “Lancet” afirma que os erros de
Trump contribuíram para 40% das mortes nos EUA.
Estudo
semelhante no Brasil, certamente, mostraria que a política de Bolsonaro matou
muito mais. Trump pelo menos financiou a vacina, Bolsonaro foi o único
estadista no mundo a contestá-la.
Quanto
ao governo, resta apenas denunciar seus erros, juntar documentos e esperar que
os tribunais o julguem.
Mas
há algo na própria sociedade brasileira que precisa de uma análise. Tanta gente
nas festas de fim de ano, tanta gente nos bailes de carnaval clandestinos,
tanta gente sem máscara, é um movimento inevitável. Por que valorizamos tanto a
liberdade individual em contraste com um certo descuido pelo coletivo, pela
sensação de pertencimento?
Se
minha hipótese é verdadeira, não vão adiantar muito lições de moral, campanhas
educativas. Elas apenas patinam na superfície do problema. No Brasil, as
pessoas sentem que a cidadania traz poucas vantagens; logo, não merece nenhum
tipo de sacrifício.
Ali em 2013, o grande movimento espontâneo já parecia indicar uma insatisfação com os serviços públicos que pouco devolviam aos impostos pagos.
No
princípio da pandemia, que demandava tanta solidariedade, surgiram notícias de
corrupção em diferentes estados. Respiradores comprados em casas de vinho,
hospitais de campanha superfaturados; a sensação de que esses fatos
transmitiram era que entre os governantes reinava o lema de cada um por si.
Quando
surgiu a quarentena, era evidente para todos a impossibilidade de realizá-la no
exíguo espaço de algumas moradias. A orientação moral era esta: façam
quarentena, inclusive para proteger os outros. Mas fomos incapazes de oferecer
uma rede de hotéis, pousadas e abrigos que pudessem ser usados para isso. Da
mesma maneira, dizíamos: “Lavem as mãos”. Mas fomos incapazes de pensar um
esquema de abastecimento emergencial nas comunidades onde a água é rara, às
vezes inexistente.
Não
houve uma configuração especial no transporte público para oferecer
alternativas para que circulasse mais vazio, com álcool disponível e até
máscaras para quem não as tinha.
A
educação e a cultura passaram a depender do mundo virtual. Mas não foi feito um
grande esforço para estender a conexão de qualidade para que as crianças
tivessem algumas aulas, e os adultos, alguma diversão e arte.
É
nesse quadro que nossas campanhas se movem. Teríamos muito mais eficácia se
houvesse mais proximidade, se as pessoas sentissem que os conselheiros também
buscam soluções para atenuar a aspereza de suas vidas.
Tudo
isso não impediu ações de solidariedade nos morros do Rio e uma atividade
assistencial intensa em Paraisópolis, uma região que foi sacudida antes da
pandemia por uma violenta ação da PM.
Mas,
de um modo geral, creio, a raiz da nossa vulnerabilidade está na distância
entre os dirigentes e as pessoas. Não há partidos, organizações intermediárias;
os indivíduos se sentem sós e aprofundam a ilusão de uma existência isolada.
Acreditam que estão arriscando apenas sua vida, mas, na verdade, levam muitas
consigo.
Enquanto
não nos livrarmos de um tipo de governo e buscarmos uma correção de rumos, o
Brasil poderá até escapar do coronavírus, mas será sempre um país vulnerável,
quase indefeso.
Talvez essas reflexões sejam mais adequadas para depois da pandemia, mas sinceramente ninguém sabe quando acabará: melhor é aceitar que o próximo desastre já começou, sem que nos déssemos conta.
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