domingo, 8 de agosto de 2021

O que a mídia pensa: Editoriais

EDITORIAIS

Em defesa da urna eletrônica

O Globo

A semana que passou entrará para a história como aquela em que as mentiras do presidente Jair Bolsonaro sobre o sistema de votação brasileiro foram enfim confrontadas à altura. Na segunda-feira, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) abriu um inquérito administrativo para apurar os ataques sem provas que ele vem fazendo à lisura do processo eleitoral. Na quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) acatou pedido do TSE para que o presidente virasse alvo da investigação em curso sobre a disseminação de fake news. Na quinta, um grupo de empresários, economistas e intelectuais divulgou manifesto de apoio ao sistema eleitoral. No mesmo dia, a Comissão Especial da Câmara rejeitou, por 23 votos a 11, o parecer que propunha a implementação do voto impresso. Mesmo que a ideia ainda vá a plenário, é certo que será derrotada.

São todas notícias excelentes para a saúde da democracia brasileira. Apesar disso, a campanha de Bolsonaro, mesmo desmentida pelos fatos, conseguiu mobilizar uma parcela barulhenta da sociedade e abalou a confiança de muitos no sistema de votação. A propaganda bolsonarista continua a disseminar suas mentiras pelas redes sociais, como revelou reportagem do GLOBO. Pesquisas de opinião têm verificado uma queda, ainda que modesta, na confiança nas urnas eletrônicas. Não há motivo racional para embarcar na conversa fiada daqueles que levantam dúvidas sobre um sistema que funciona há décadas sem nenhuma evidência de fraude, é submetido regularmente a testes e aperfeiçoamentos e, diante tudo o que se vê no mundo, deveria ser motivo de orgulho para o país.

Mudar essa percepção errônea que se espalhou sobre as urnas eletrônicas é agora prioridade do país. Nem todos os que passaram a desconfiar delas são militantes bolsonaristas dispostos a causar o caos para preservar o poder. Há brasileiros genuinamente preocupados com a lisura das eleições depois de ouvir as reiteradas mentiras do presidente e da campanha de seus aliados. Escutar suas dúvidas e informá-los de forma didática é a melhor maneira de combater esse vírus da desconfiança.

Os argumentos dos que defendem a impressão do voto são fracos e vêm envoltos numa série de falácias. A primeira é apontar para trabalhos acadêmicos — de seriedade indiscutível — que procuram identificar vulnerabilidades em sistemas eletrônicos como uma prova de que eles são menos seguros. Deriva daí a visão, comum nos Estados Unidos, de que apenas a impressão de todos os votos permite conferir a votação para garantir que o resultado computado pela urna é fidedigno.

Trata-se de um argumento descabido. Nenhum sistema oferece garantia de segurança perfeita. O essencial é que, na comparação com a votação em papel ou com a impressão de votos pelas próprias urnas, o sistema atual é de longe melhor e mais seguro. Para entender por que, basta analisar os fatos.

O software que roda na urna eletrônica é periodicamente auditado por especialistas externos em busca de falhas. Várias já foram descobertas e corrigidas nesses testes. Importante enfatizar que descobrir uma possível brecha é completamente diferente de comprovar uma fraude, algo que jamais aconteceu. Tais testes, ao contrário, contribuem para tornar o sistema ainda mais seguro.

Ao final da votação, a urna produz um registro digital de cada voto sem identificar os eleitores, além de um boletim com os totais — tanto em formato digital quanto impresso. As cópias em papel são distribuídas. Uma é colada no local da votação. Se o total no boletim difere dos eleitores que os fiscais dos partidos viram entrar na seção, é possível detectar. O sistema é, portanto, rastreável. Também permite que os votos sejam auditáveis, como almejam os defensores da impressão do voto. Não é preciso recontar manualmente os votos um a um para isso. Quem quiser pode usar o próprio software para somar os registros digitais dos votos e conferir com os boletins de cada urna.

Mas quem garante a integridade do software das urnas antes da votação? Os procedimentos de segurança na instalação são rígidos. Violá-los exigiria a cumplicidade de funcionários do TSE. Mesmo que isso pudesse ocorrer num ou outro caso excepcional, é uma quimera acreditar que poria em risco o sistema, já que as urnas não estão em rede, o transporte conta com apoio da polícia e do Exército, e a transmissão de dados na apuração usa as melhores práticas internacionais de criptografia. Em toda eleição, urnas são sorteadas para ser submetidas a testes de integridade registrados em vídeo. Jamais foram encontradas discrepâncias relevantes.

É evidente que implantar o voto impresso não evitaria os riscos de violação associados às fases de instalação do software ou transporte. E não seria inócuo, ou apenas uma camada a mais de garantia para a integridade do sistema, como proclamam seus defensores. Ao contrário, abriria margem a outros desafios técnicos (como garantir impressoras de qualidade a preços razoáveis) e brechas a irregularidades que eram comuns no passado. Para não falar na ideia absurda de imprimir um “comprovante” para cada eleitor conferir os candidatos digitados na urna, uma ameaça evidente ao voto secreto. Políticos ou empresários poderiam exigir esses comprovantes após o pleito como condição para distribuir favores.

É legítimo levantar dúvidas sobre o processo eleitoral por desconhecimento e preocupação com a lisura das eleições. Nesses casos, campanhas de esclarecimento são essenciais. Mas insistir em disseminar mentiras e falácias para questionar a legitimidade do voto é diferente. É crime contra a democracia.

Não se dialoga com golpistas

O Estado de S. Paulo

A forte reação da sociedade a Jair Bolsonaro deixa claro que não há diálogo possível com quem pretende destruir a democracia

A forte reação da sociedade e das instituições democráticas aos arreganhos golpistas do presidente Jair Bolsonaro dos últimos dias deixa claro que não há diálogo possível com quem pretende destruir a democracia brasileira.

A inaudita decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux, de cancelar uma reunião com Jair Bolsonaro, que havia sido marcada a título de fomentar uma aproximação entre os Poderes, resultou da singela constatação de que o presidente, cuja indecorosa trajetória política se notabilizou pelo confronto e pela ofensa, não quer conversa, como jamais quis.

Não foi por falta de esforço. Em dois anos e oito meses de mandato, houve vários encontros de chefes do Judiciário e do Legislativo com Bolsonaro na expectativa de que esse diálogo fosse moderar o presidente. Em vão: Bolsonaro não existiria, como político, se não fosse seu comportamento iracundo e irresponsável, sempre em franco desafio às normas e leis – sejam os regulamentos militares que ele violou quando esteve no Exército, seja a Constituição que ele desrespeita todos os dias.

Depois de inúmeras agressões de Bolsonaro às instituições democráticas, a linha vermelha parece ter sido afinal cruzada quando, na quarta-feira passada, o presidente ameaçou explicitamente agir à revelia da Constituição, perturbando as eleições de 2022 para impor suas vontades. Ao fazê-lo, espalhando informações comprovadamente falsas a respeito do sistema de votação, ofendeu ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, além de colocar em dúvida a honestidade dessas Cortes.

Esse comportamento delinquente do presidente levou 250 personalidades dos setores financeiro, cultural e acadêmico a lançar um importante manifesto em defesa da realização das eleições do ano que vem e do respeito a seus resultados. Centenas de pessoas aderiram à mensagem, que diz que um “futuro mais próspero e justo” só será possível “com base na estabilidade democrática”.

Com Bolsonaro no poder, contudo, não haverá estabilidade. A todo momento, o presidente inventa pretextos para agredir instituições democráticas e desorganizar o País. Agora é uma inexistente insegurança das urnas eletrônicas, supostamente relatada, segundo Bolsonaro, por um inquérito da Polícia Federal – que, conforme esclareceu o TSE, já concluiu que “nada de anormal ocorreu”. Antes, foi a decisão do Supremo sobre as competências de União, Estados e municípios no combate à pandemia, que Bolsonaro classificou como “crime”.

Ante o derretimento de sua popularidade e de suas imensas dificuldades políticas, é certo que Bolsonaro, ao mesmo tempo que entrega o governo ao fisiologismo do Centrão, vai tramar situações para criar ainda mais tumulto, pois a estabilidade, ao baixar a maré, deixaria evidente sua monumental mediocridade como político e como governante.

A próxima crise já está contratada: no dia 29 de setembro, o Supremo retoma o julgamento do recurso interposto por Bolsonaro para não ter que depor pessoalmente no inquérito que apura sua suposta interferência na Polícia Federal, denunciada pelo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro.

Conforme o único voto proferido até agora, do ministro Celso de Mello, já aposentado, Bolsonaro, na condição de investigado, não pode escolher como depor. “O postulado republicano repele privilégios”, escreveu Celso de Mello em seu voto. Mantido o princípio de que ninguém está acima da lei, ao contrário do que pensa Bolsonaro, é provável que o presidente sofra novo revés no Supremo.

Até aqui, as seguidas derrotas de Bolsonaro no Supremo e no Congresso – a mais recente foi a derrubada do famigerado projeto que instituiria o voto impresso – foram incapazes de fazê-lo recuar. Ao contrário: o presidente as transforma em provas de que é vítima de “pessoas que desejam a cadeira do poder por ambição”, como disse em recente discurso.

Na mesma ocasião, Bolsonaro lembrou a Canção do Exército, ao dizer que, “se a Pátria amada for um dia ultrajada, lutaremos sem temor”. Ultraje à Pátria – e à democracia – é a presença de Jair Bolsonaro na Presidência da República.

A leitura nas prisões

O Estado de S. Paulo

Com mudanças na LEP e resolução do CNJ, presos podem descontar 4 dias de pena por livro lido

Criado com o objetivo de defender o direito à educação de presos e integrado por professores da Unifesp e membros do Ministério Público, da Defensoria Pública e de ONGs, o Grupo Educação nas Prisões acaba de publicar um estudo inédito sobre a leitura nos presídios. O que o levou a realizar esse trabalho foi uma alteração introduzida em 2011 na Lei de Execução Penal (LEP).

Em vigor desde 1984, essa lei estimula os presos a trabalhar, mediante a concessão de determinados benefícios. Na linguagem jurídica, esse incentivo à ressocialização do preso é chamado de princípio da remissão da pena. Até essa alteração, os presos somente podiam descontar um dia da pena a cada três dias trabalhados. Concebida com o objetivo de ampliar a educação nas prisões, a alteração na LEP permitiu que os presos também possam reduzir a pena se passarem a ler livros e a participar de atividades culturais e esportivas.

Ao impor uma nova regulamentação a esse dispositivo, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma resolução que estabelece diretrizes para a fiscalização, pelos tribunais, da ampliação das práticas socioeducativas nos presídios, como leitura. A resolução do CNJ dá ao preso o prazo de até 30 dias para ler uma obra literária, devendo apresentar em até 10 dias, após esse período, uma resenha com base num roteiro previamente fornecido pela Justiça. Cada obra lida permite ao preso descontar quatro dias da pena. Por ano, o preso terá direito à remissão de 12 obras lidas, o que lhe permitirá reduzir a pena em 48 dias.

O objetivo do estudo foi avaliar o impacto dessas inovações, cuja implementação é apoiada por universidades, ONGs e movimentos sociais. A ideia é identificar as experiências que deram certo em algumas unidades prisionais e estimular as demais a colocá-las em prática. 

Atualmente, o sistema penal abriga cerca de 755 mil presos e tem um déficit de 312 mil vagas. Do total de presos, 96% são do sexo masculino e a maioria tem entre 18 e 20 anos. Com relação ao grau de escolaridade, 51% dos presos não concluíram o ensino fundamental, 15% não têm ensino médio completo e só 0,5% tem educação superior completa. Mas, apesar da baixa escolaridade, o estudo registrou que apenas 10,6% do total de presos participam de atividades educacionais. Desses, 9,6% estavam envolvidos em atividades de educação formal e 1%, em atividades complementares de educação não formal, como leitura. Nos últimos três anos a atividade de leitura representou apenas 1% dos dias descontados das penas – ante 80% de descontos gerados pelo trabalho. 

O estudo mostrou ainda que vários fatores vêm dificultando a expansão das atividades de leitura nas prisões. Um deles é a exigência da resenha do livro lido, uma vez que ela não leva em conta a dificuldade que muitos presos têm para escrever. Para que o estímulo à leitura de livros dê resultados, a alternativa seria a formação de grupos de discussão, também chamados de rodas de leitura, que ajudariam os juízes criminais a saber se os presos compreenderam o que leram. Já com relação à escolha dos participantes das atividades propostas por ONGs e entidades que formulam projetos de leituras, o estudo aponta que em 76,9% dos casos a seleção é feita pela direção das prisões e que o critério de escolha valoriza o bom comportamento e o nível de escolaridade. 

O estudo recomenda aos movimentos sociais e às unidades prisionais que desenvolvam projetos específicos para os distintos níveis de letramento, alfabetização e escolarização. E sugere à Justiça criminal que passe a aceitar outras formas de expressão que atestem compreensão das obras lidas, além da resenha escrita, e que não seja rigorosa nas regras de correção. Trabalhos como o do Grupo Educação nas Prisões são iniciativas importantes para remover os entraves que dificultam a promoção da educação no sistema penal, permitindo assim que os presos sejam ressocializados e que estejam preparados para viver em sociedade quando ganharem a liberdade. 

Confiança, emprego e investimento

O Estado de S. Paulo

Expectativas melhoram entre empresários e consumidores, mas ainda desigualmente

Com expansão de 0,5% em junho, o emprego industrial completou 11 meses de crescimento e alcançou o maior patamar desde agosto de 2016, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Além de avançar nas contratações, o setor industrial, exibindo o maior índice de confiança do setor empresarial, é o mais propenso a abrir vagas, de acordo com a Síntese das Sondagens de Julho da Fundação Getúlio Vargas (FGV). A sociedade se move e sinais de esperança tornam menos escuro um cenário ainda marcado por alto desemprego, inflação disparada, vacinação atrasada e governo perdido em confusões políticas e financeiras – agora com ameaça de novo atraso no pagamento aos credores de precatórios.

Apesar das boas notícias, dificuldades causadas pela pandemia ainda atrapalham a recuperação da indústria. O faturamento oscila, faltam componentes eletrônicos e outros insumos e os custos de produção têm subido. Escassez e preços de insumos compõem o principal problema indicado por 63,8% dos consultados em pesquisa recente da CNI. De maio para junho o crescimento do produto industrial foi nulo, informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além do abastecimento insuficiente e caro, as empresas têm de enfrentar as barreiras de um mercado ainda sujeito a restrições e às oscilações causadas pelo empobrecimento e pela insegurança das famílias.

Mesmo com os avanços a partir de maio de 2020, quando começou a reação da indústria e do varejo, as novidades mais promissoras aparecem nas sondagens de confiança de empresários e consumidores. Pela primeira vez desde outubro de 2013, o índice de confiança empresarial (ICE) superou a linha de 100 pontos (101,9), entrando no território positivo, segundo a FGV. No caso dos consumidores, o indicador, embora em alta, permaneceu abaixo da fronteira, em 82,2 pontos. Os mais confiantes, de acordo com a pesquisa, são os empresários industriais, com a marca de 108,4 pontos. As outras marcas ficaram próximas da fronteira: 101 no comércio, 98 nos serviços e 95,7 na construção.

Os consumidores mostraram-se mais animados quanto ao futuro. Seu índice de expectativa subiu 2,5 pontos e chegou a 90,8, mas a avaliação da condição presente diminuiu 0,7 ponto e recuou para 70,9. Além disso, chegou ao recorde de 18 pontos a distância entre as expectativas indicadas por pessoas com diferentes níveis de renda. Nas duas faixas mais baixas o índice médio de confiança ficou em 72,4 pontos, sem variação. Nas duas superiores, a média chegou a 90,4 pontos. A diferença é a maior da série iniciada em 2005.

O contraste parece facilmente compreensível quando se consideram as condições e perspectivas das pessoas com diferentes condições de educação e de remuneração. As oportunidades de emprego têm sido bem menores para as pessoas com menor escolaridade, mais sujeitas à desocupação, à informalidade, à insegurança econômica e ao aperto orçamentário. A desocupação, a subocupação e a informalidade têm sido mostradas com dolorosa clareza pelas pesquisas do IBGE, atacadas de forma injustificada, há poucos dias, pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

A melhora das expectativas ainda se reflete de forma limitada no investimento produtivo. A intenção de investir tem aumentado no setor industrial, segundo a CNI, mas o aumento efetivo das compras de máquinas e equipamentos ainda parece modesto. Em julho, a utilização da capacidade instalada chegou a 82,9%, o maior nível desde abril de 2013, antes da última grande crise (2015-2016) anterior à pandemia. O número impressiona, mas sem dúvida se explica em boa parte pela pouca expansão da capacidade produtiva nos últimos oito a dez anos. Essa hipótese é reforçada pelo grande recuo da indústria de bens de capital. Em junho, segundo o IBGE, a produção desse ramo industrial foi 25,4% inferior àquela registrada em setembro de 2013, quando se atingiu o pico da série histórica. As demonstrações de confiança serão muito mais expressivas quando esse investimento for retomado com grande disposição.

Retomada cautelosa

Folha de S. Paulo

Com avanço da vacinação, SP e RJ anunciam menos restrições, mas precauções são necessárias

Sensação parcialmente justificada de alívio se espalha pelo país com os sinais consistentes de arrefecimento da epidemia de Covid-19. Há que manter a atitude de precaução, contudo, pois ainda há incerteza sobre o comportamento do vírus Sars-CoV-2 e suas variantes.

As estatísticas de casos e mortes observam recuo acentuado há semanas. Depois de ultrapassar a média de 70 mil novas infecções diagnosticadas a cada dia em junho, estamos neste agosto na casa de 30 mil, e os óbitos diários finalmente caíram abaixo de mil.

As internações retrocedem no país todo. Em várias cidades começam a ser desativados os leitos de UTI surgidos para tentar impedir o temido colapso hospitalar que se observou em Manaus e rondou até as cidades mais ricas do país.

Deve-se creditar tal melhora, sem dúvida, ao avanço da vacinação. O tumulto inicial causado pela incúria do governo Jair Bolsonaro foi estancado, e o Brasil retomou seu desempenho usual em imunização, inoculando de 1 a 2 milhões de pessoas diariamente.

Cerca de metade da população recebeu até aqui pelo menos uma dose. A marca não se distancia tanto da verificada em países desenvolvidos como EUA e Reino Unido, onde mais de 70% se acham na mesma situação --ainda que só um quinto dos brasileiros estejam plenamente imunizados, contra três quintos nos outros dois casos.

Autoridades paulistas decidiram programar a virtual suspensão das restrições remanescentes à mobilidade e ao comércio. O governador João Doria (PSDB) anunciou que no dia 17 não haverá mais restrições de horário nem de lotação para estabelecimentos, à exceção de aglomerações em casas noturnas e shows de médio e grande porte.

Nessa data se espera concluir a aplicação da primeira dose a toda a população adulta do estado. No Rio de Janeiro, a reabertura pode ocorrer em setembro, com a frequência aos locais condicionada à comprovação de vacina.

Doria repete a prática de comunicar com antecedência adoção ou remoção de limites à mobilidade, dando alguma previsibilidade a agentes econômicos. Faz bem, ademais, em manter a obrigatoriedade do uso de máscaras.

O Sars-CoV-2, afinal, tem se mostrado bem imprevisível, como se vê pelo sucessivo surgimento de variantes ameaçadoras. Delta, a mais recente e dominante, se transmite com o dobro da intensidade observada no início da pandemia.

Vacinas parecem eficientes contra ela, mas pouco se compreende de sua progressão populacional, com curvas díspares em nações em estágio parecido de imunização.

Recomenda-se, assim, cautela no relaxamento, por mais que todos anseiem pela volta da normalidade.

Perigos no IR

Folha de S. Paulo

Nova versão da reforma do imposto apresenta problemas que merecem mais debate

A desarticulação do Planalto novamente cobra sua conta, desta vez na forma de um projeto de reforma do Imposto de Renda que, infelizmente, afastou-se do que deveria ser o objetivo principal --tornar a distribuição da carga tributária mais progressiva.

Movido pela ânsia eleitoreira de desonerar a classe média por meio da correção da tabela do IR, objetivo que pode ser meritório se inserido num conjunto coerente de mudanças, o governo buscou tratar de múltiplos aspectos sem fazer cálculos cuidadosos.

A esperança de que os erros iniciais pudessem ser corrigidos também caiu por terra com a divulgação do substitutivo do relator, deputado Celso Sabino (PSDB-PI). O texto é uma tentativa de equilibrar demandas, não de sanar vícios.

O princípio essencial de justiça tributária que consta da proposta é a instituição da cobrança sobre dividendos distribuídos por empresas a seus acionistas, como defende esta Folha, e que deveria compensar os impactos na arrecadação da redução do imposto corporativo e da correção da tabela para pessoas físicas.

Ocorre que o relator preservou a isenção para empresas do Simples e para dividendos de até R$ 20 mil mensais recebidos de micro e pequenas empresas, favorecendo os que se organizam como pessoas jurídicas para obterem a renda de seu trabalho. Tal patamar não faz sentido num país com renda per capita de R$ 2.931 mensais em 2020.

Embora os muito ricos paguem mais, corretamente, na proposta em debate, para a grande maioria dos que recebem dividendos foi mantida a distorção ante trabalhadores celetistas que estão sujeitos a uma carga muito maior.

Com a redução do IR das pessoas jurídicas e outras providências, o projeto em sua versão atual geraria uma perda de até R$ 30 bilhões anuais, que afetariam também estados e municípios.

As compensações elencadas carecem de credibilidade. Passam por promessas de redução de incentivos fiscais, para quem quiser acreditar, receitas que ocorreriam apenas uma vez (como as que atingem fundos de investimento) e ganhos que dependem de crescimento mais acelerado da economia.

Dado o regime de urgência aprovado, parece provável que o relatório seja votado na Câmara nos próximos dias. Com os problemas que ainda restam, contudo, o melhor é continuar buscando aperfeiçoamentos, sem deliberação açodada.

 

 

 

 

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