EDITORIAIS
Em defesa da urna eletrônica
O Globo
A semana que passou entrará para a história como aquela em que as mentiras do
presidente Jair Bolsonaro sobre o sistema de votação brasileiro foram enfim
confrontadas à altura. Na segunda-feira, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
abriu um inquérito administrativo para apurar os ataques sem provas que ele vem
fazendo à lisura do processo eleitoral. Na quarta-feira, o Supremo Tribunal
Federal (STF) acatou pedido do TSE para que o presidente virasse alvo da investigação
em curso sobre a disseminação de fake news. Na quinta, um grupo de empresários,
economistas e intelectuais divulgou manifesto de apoio ao sistema eleitoral. No
mesmo dia, a Comissão Especial da Câmara rejeitou, por 23 votos a 11, o parecer
que propunha a implementação do voto impresso. Mesmo que a ideia ainda vá a
plenário, é certo que será derrotada.
São todas notícias excelentes para a saúde
da democracia brasileira. Apesar disso, a campanha de Bolsonaro, mesmo
desmentida pelos fatos, conseguiu mobilizar uma parcela barulhenta da sociedade
e abalou a confiança de muitos no sistema de votação. A propaganda bolsonarista
continua a disseminar suas mentiras pelas redes sociais, como revelou
reportagem do GLOBO. Pesquisas de opinião têm verificado uma queda, ainda que
modesta, na confiança nas urnas eletrônicas. Não há motivo racional para
embarcar na conversa fiada daqueles que levantam dúvidas sobre um sistema que
funciona há décadas sem nenhuma evidência de fraude, é submetido regularmente a
testes e aperfeiçoamentos e, diante tudo o que se vê no mundo, deveria ser
motivo de orgulho para o país.
Mudar essa percepção errônea que se espalhou sobre as urnas eletrônicas é agora prioridade do país. Nem todos os que passaram a desconfiar delas são militantes bolsonaristas dispostos a causar o caos para preservar o poder. Há brasileiros genuinamente preocupados com a lisura das eleições depois de ouvir as reiteradas mentiras do presidente e da campanha de seus aliados. Escutar suas dúvidas e informá-los de forma didática é a melhor maneira de combater esse vírus da desconfiança.
Os argumentos dos que defendem a impressão
do voto são fracos e vêm envoltos numa série de falácias. A primeira é apontar
para trabalhos acadêmicos — de seriedade indiscutível — que procuram
identificar vulnerabilidades em sistemas eletrônicos como uma prova de que eles
são menos seguros. Deriva daí a visão, comum nos Estados Unidos, de que apenas
a impressão de todos os votos permite conferir a votação para garantir que o
resultado computado pela urna é fidedigno.
Trata-se de um argumento descabido. Nenhum
sistema oferece garantia de segurança perfeita. O essencial é que, na
comparação com a votação em papel ou com a impressão de votos pelas próprias
urnas, o sistema atual é de longe melhor e mais seguro. Para entender por que,
basta analisar os fatos.
O software que roda na urna eletrônica é
periodicamente auditado por especialistas externos em busca de falhas. Várias
já foram descobertas e corrigidas nesses testes. Importante enfatizar que
descobrir uma possível brecha é completamente diferente de comprovar uma
fraude, algo que jamais aconteceu. Tais testes, ao contrário, contribuem para
tornar o sistema ainda mais seguro.
Ao final da votação, a urna produz um
registro digital de cada voto sem identificar os eleitores, além de um boletim
com os totais — tanto em formato digital quanto impresso. As cópias em papel
são distribuídas. Uma é colada no local da votação. Se o total no boletim
difere dos eleitores que os fiscais dos partidos viram entrar na seção, é
possível detectar. O sistema é, portanto, rastreável. Também permite que os
votos sejam auditáveis, como almejam os defensores da impressão do voto. Não é
preciso recontar manualmente os votos um a um para isso. Quem quiser pode usar
o próprio software para somar os registros digitais dos votos e conferir com os
boletins de cada urna.
Mas quem garante a integridade do software
das urnas antes da votação? Os procedimentos de segurança na instalação são
rígidos. Violá-los exigiria a cumplicidade de funcionários do TSE. Mesmo que
isso pudesse ocorrer num ou outro caso excepcional, é uma quimera acreditar que
poria em risco o sistema, já que as urnas não estão em rede, o transporte conta
com apoio da polícia e do Exército, e a transmissão de dados na apuração usa as
melhores práticas internacionais de criptografia. Em toda eleição, urnas são
sorteadas para ser submetidas a testes de integridade registrados em vídeo.
Jamais foram encontradas discrepâncias relevantes.
É evidente que implantar o voto impresso
não evitaria os riscos de violação associados às fases de instalação do
software ou transporte. E não seria inócuo, ou apenas uma camada a mais de
garantia para a integridade do sistema, como proclamam seus defensores. Ao
contrário, abriria margem a outros desafios técnicos (como garantir impressoras
de qualidade a preços razoáveis) e brechas a irregularidades que eram comuns no
passado. Para não falar na ideia absurda de imprimir um “comprovante” para cada
eleitor conferir os candidatos digitados na urna, uma ameaça evidente ao voto
secreto. Políticos ou empresários poderiam exigir esses comprovantes após o
pleito como condição para distribuir favores.
É legítimo levantar dúvidas sobre o
processo eleitoral por desconhecimento e preocupação com a lisura das eleições.
Nesses casos, campanhas de esclarecimento são essenciais. Mas insistir em
disseminar mentiras e falácias para questionar a legitimidade do voto é
diferente. É crime contra a democracia.
Não se dialoga com golpistas
O Estado de S. Paulo
A forte reação da sociedade a Jair Bolsonaro deixa claro que não há diálogo possível com quem pretende destruir a democracia
A forte reação da sociedade e das
instituições democráticas aos arreganhos golpistas do presidente Jair Bolsonaro
dos últimos dias deixa claro que não há diálogo possível com quem pretende
destruir a democracia brasileira.
A inaudita decisão do presidente do Supremo
Tribunal Federal, ministro Luiz Fux, de cancelar uma reunião com Jair
Bolsonaro, que havia sido marcada a título de fomentar uma aproximação entre os
Poderes, resultou da singela constatação de que o presidente, cuja indecorosa
trajetória política se notabilizou pelo confronto e pela ofensa, não quer
conversa, como jamais quis.
Não foi por falta de esforço. Em dois anos
e oito meses de mandato, houve vários encontros de chefes do Judiciário e do
Legislativo com Bolsonaro na expectativa de que esse diálogo fosse moderar o
presidente. Em vão: Bolsonaro não existiria, como político, se não fosse seu
comportamento iracundo e irresponsável, sempre em franco desafio às normas e
leis – sejam os regulamentos militares que ele violou quando esteve no
Exército, seja a Constituição que ele desrespeita todos os dias.
Depois de inúmeras agressões de Bolsonaro
às instituições democráticas, a linha vermelha parece ter sido afinal cruzada
quando, na quarta-feira passada, o presidente ameaçou explicitamente agir à
revelia da Constituição, perturbando as eleições de 2022 para impor suas
vontades. Ao fazê-lo, espalhando informações comprovadamente falsas a respeito
do sistema de votação, ofendeu ministros do Supremo Tribunal Federal e do
Tribunal Superior Eleitoral, além de colocar em dúvida a honestidade dessas
Cortes.
Esse comportamento delinquente do
presidente levou 250 personalidades dos setores financeiro, cultural e
acadêmico a lançar um importante manifesto em defesa da realização das eleições
do ano que vem e do respeito a seus resultados. Centenas de pessoas aderiram à
mensagem, que diz que um “futuro mais próspero e justo” só será possível “com
base na estabilidade democrática”.
Com Bolsonaro no poder, contudo, não haverá
estabilidade. A todo momento, o presidente inventa pretextos para agredir
instituições democráticas e desorganizar o País. Agora é uma inexistente
insegurança das urnas eletrônicas, supostamente relatada, segundo Bolsonaro,
por um inquérito da Polícia Federal – que, conforme esclareceu o TSE, já
concluiu que “nada de anormal ocorreu”. Antes, foi a decisão do Supremo sobre
as competências de União, Estados e municípios no combate à pandemia, que
Bolsonaro classificou como “crime”.
Ante o derretimento de sua popularidade e
de suas imensas dificuldades políticas, é certo que Bolsonaro, ao mesmo tempo
que entrega o governo ao fisiologismo do Centrão, vai tramar situações para
criar ainda mais tumulto, pois a estabilidade, ao baixar a maré, deixaria
evidente sua monumental mediocridade como político e como governante.
A próxima crise já está contratada: no dia
29 de setembro, o Supremo retoma o julgamento do recurso interposto por
Bolsonaro para não ter que depor pessoalmente no inquérito que apura sua
suposta interferência na Polícia Federal, denunciada pelo ex-ministro da
Justiça Sérgio Moro.
Conforme o único voto proferido até agora,
do ministro Celso de Mello, já aposentado, Bolsonaro, na condição de
investigado, não pode escolher como depor. “O postulado republicano repele
privilégios”, escreveu Celso de Mello em seu voto. Mantido o princípio de que
ninguém está acima da lei, ao contrário do que pensa Bolsonaro, é provável que
o presidente sofra novo revés no Supremo.
Até aqui, as seguidas derrotas de Bolsonaro
no Supremo e no Congresso – a mais recente foi a derrubada do famigerado
projeto que instituiria o voto impresso – foram incapazes de fazê-lo recuar. Ao
contrário: o presidente as transforma em provas de que é vítima de “pessoas que
desejam a cadeira do poder por ambição”, como disse em recente discurso.
Na mesma ocasião, Bolsonaro lembrou a Canção
do Exército, ao dizer que, “se a Pátria amada for um dia ultrajada, lutaremos
sem temor”. Ultraje à Pátria – e à democracia – é a presença de Jair Bolsonaro
na Presidência da República.
A leitura nas prisões
O Estado de S. Paulo
Com mudanças na LEP e resolução do CNJ, presos podem descontar 4 dias de pena por livro lido
Criado com o objetivo de defender o direito
à educação de presos e integrado por professores da Unifesp e membros do
Ministério Público, da Defensoria Pública e de ONGs, o Grupo Educação nas
Prisões acaba de publicar um estudo inédito sobre a leitura nos presídios. O
que o levou a realizar esse trabalho foi uma alteração introduzida em 2011 na
Lei de Execução Penal (LEP).
Em vigor desde 1984, essa lei estimula os
presos a trabalhar, mediante a concessão de determinados benefícios. Na
linguagem jurídica, esse incentivo à ressocialização do preso é chamado de
princípio da remissão da pena. Até essa alteração, os presos somente podiam
descontar um dia da pena a cada três dias trabalhados. Concebida com o objetivo
de ampliar a educação nas prisões, a alteração na LEP permitiu que os presos
também possam reduzir a pena se passarem a ler livros e a participar de
atividades culturais e esportivas.
Ao impor uma nova regulamentação a esse
dispositivo, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma resolução que
estabelece diretrizes para a fiscalização, pelos tribunais, da ampliação das
práticas socioeducativas nos presídios, como leitura. A resolução do CNJ dá ao
preso o prazo de até 30 dias para ler uma obra literária, devendo apresentar em
até 10 dias, após esse período, uma resenha com base num roteiro previamente
fornecido pela Justiça. Cada obra lida permite ao preso descontar quatro dias
da pena. Por ano, o preso terá direito à remissão de 12 obras lidas, o que lhe
permitirá reduzir a pena em 48 dias.
O objetivo do estudo foi avaliar o impacto
dessas inovações, cuja implementação é apoiada por universidades, ONGs e
movimentos sociais. A ideia é identificar as experiências que deram certo em
algumas unidades prisionais e estimular as demais a colocá-las em prática.
Atualmente, o sistema penal abriga cerca de
755 mil presos e tem um déficit de 312 mil vagas. Do total de presos, 96% são
do sexo masculino e a maioria tem entre 18 e 20 anos. Com relação ao grau de
escolaridade, 51% dos presos não concluíram o ensino fundamental, 15% não têm
ensino médio completo e só 0,5% tem educação superior completa. Mas, apesar da
baixa escolaridade, o estudo registrou que apenas 10,6% do total de presos
participam de atividades educacionais. Desses, 9,6% estavam envolvidos em atividades
de educação formal e 1%, em atividades complementares de educação não formal,
como leitura. Nos últimos três anos a atividade de leitura representou apenas
1% dos dias descontados das penas – ante 80% de descontos gerados pelo
trabalho.
O estudo mostrou ainda que vários fatores
vêm dificultando a expansão das atividades de leitura nas prisões. Um deles é a
exigência da resenha do livro lido, uma vez que ela não leva em conta a
dificuldade que muitos presos têm para escrever. Para que o estímulo à leitura
de livros dê resultados, a alternativa seria a formação de grupos de discussão,
também chamados de rodas de leitura, que ajudariam os juízes criminais a saber
se os presos compreenderam o que leram. Já com relação à escolha dos
participantes das atividades propostas por ONGs e entidades que formulam
projetos de leituras, o estudo aponta que em 76,9% dos casos a seleção é feita
pela direção das prisões e que o critério de escolha valoriza o bom
comportamento e o nível de escolaridade.
O estudo recomenda aos movimentos sociais e
às unidades prisionais que desenvolvam projetos específicos para os distintos
níveis de letramento, alfabetização e escolarização. E sugere à Justiça
criminal que passe a aceitar outras formas de expressão que atestem compreensão
das obras lidas, além da resenha escrita, e que não seja rigorosa nas regras de
correção. Trabalhos como o do Grupo Educação nas Prisões são iniciativas
importantes para remover os entraves que dificultam a promoção da educação no
sistema penal, permitindo assim que os presos sejam ressocializados e que
estejam preparados para viver em sociedade quando ganharem a liberdade.
Confiança, emprego e investimento
O Estado de S. Paulo
Expectativas melhoram entre empresários e consumidores, mas ainda desigualmente
Com expansão de 0,5% em junho, o emprego
industrial completou 11 meses de crescimento e alcançou o maior patamar desde
agosto de 2016, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Além de
avançar nas contratações, o setor industrial, exibindo o maior índice de
confiança do setor empresarial, é o mais propenso a abrir vagas, de acordo com
a Síntese das Sondagens de Julho da Fundação Getúlio Vargas
(FGV). A sociedade se move e sinais de esperança tornam menos escuro um cenário
ainda marcado por alto desemprego, inflação disparada, vacinação atrasada e
governo perdido em confusões políticas e financeiras – agora com ameaça de novo
atraso no pagamento aos credores de precatórios.
Apesar das boas notícias, dificuldades
causadas pela pandemia ainda atrapalham a recuperação da indústria. O
faturamento oscila, faltam componentes eletrônicos e outros insumos e os custos
de produção têm subido. Escassez e preços de insumos compõem o principal
problema indicado por 63,8% dos consultados em pesquisa recente da CNI. De maio para junho o crescimento do
produto industrial foi nulo, informou o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). Além do abastecimento insuficiente e caro, as empresas têm
de enfrentar as barreiras de um mercado ainda sujeito a restrições e às oscilações
causadas pelo empobrecimento e pela insegurança das famílias.
Mesmo com os avanços a partir de maio de
2020, quando começou a reação da indústria e do varejo, as novidades mais
promissoras aparecem nas sondagens de confiança de empresários e consumidores.
Pela primeira vez desde outubro de 2013, o índice de confiança empresarial
(ICE) superou a linha de 100 pontos (101,9), entrando no território positivo,
segundo a FGV. No caso dos consumidores, o indicador, embora em alta,
permaneceu abaixo da fronteira, em 82,2 pontos. Os mais confiantes, de acordo
com a pesquisa, são os empresários industriais, com a marca de 108,4 pontos. As
outras marcas ficaram próximas da fronteira: 101 no comércio, 98 nos serviços e
95,7 na construção.
Os consumidores mostraram-se mais animados
quanto ao futuro. Seu índice de expectativa subiu 2,5 pontos e chegou a 90,8,
mas a avaliação da condição presente diminuiu 0,7 ponto e recuou para 70,9.
Além disso, chegou ao recorde de 18 pontos a distância entre as expectativas
indicadas por pessoas com diferentes níveis de renda. Nas duas faixas mais
baixas o índice médio de confiança ficou em 72,4 pontos, sem variação. Nas duas
superiores, a média chegou a 90,4 pontos. A diferença é a maior da série
iniciada em 2005.
O contraste parece facilmente compreensível
quando se consideram as condições e perspectivas das pessoas com diferentes
condições de educação e de remuneração. As oportunidades de emprego têm sido
bem menores para as pessoas com menor escolaridade, mais sujeitas à desocupação,
à informalidade, à insegurança econômica e ao aperto orçamentário. A
desocupação, a subocupação e a informalidade têm sido mostradas com dolorosa
clareza pelas pesquisas do IBGE, atacadas de forma injustificada, há poucos
dias, pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
A melhora das expectativas ainda se reflete
de forma limitada no investimento produtivo. A intenção de investir tem
aumentado no setor industrial, segundo a CNI, mas o aumento efetivo das compras
de máquinas e equipamentos ainda parece modesto. Em julho, a utilização da
capacidade instalada chegou a 82,9%, o maior nível desde abril de 2013, antes
da última grande crise (2015-2016) anterior à pandemia. O número impressiona,
mas sem dúvida se explica em boa parte pela pouca expansão da capacidade
produtiva nos últimos oito a dez anos. Essa hipótese é reforçada pelo grande
recuo da indústria de bens de capital. Em junho, segundo o IBGE, a produção
desse ramo industrial foi 25,4% inferior àquela registrada em setembro de 2013,
quando se atingiu o pico da série histórica. As demonstrações de confiança
serão muito mais expressivas quando esse investimento for retomado com grande
disposição.
Retomada cautelosa
Folha de S. Paulo
Com avanço da vacinação, SP e RJ anunciam
menos restrições, mas precauções são necessárias
Sensação parcialmente justificada de alívio
se espalha pelo país com os sinais consistentes de arrefecimento da epidemia de
Covid-19. Há que manter a atitude de precaução, contudo, pois ainda há
incerteza sobre o comportamento do vírus Sars-CoV-2 e suas variantes.
As estatísticas de casos e mortes observam
recuo acentuado há semanas. Depois de ultrapassar a média de 70 mil novas
infecções diagnosticadas a cada dia em junho, estamos neste agosto na casa de
30 mil, e os óbitos diários finalmente caíram abaixo de mil.
As internações
retrocedem no país todo. Em várias cidades começam a ser desativados
os leitos de UTI surgidos para tentar impedir o temido colapso hospitalar que
se observou em Manaus e rondou até as cidades mais ricas do país.
Deve-se creditar tal melhora, sem dúvida,
ao avanço da
vacinação. O tumulto inicial causado pela incúria do governo Jair
Bolsonaro foi estancado, e o Brasil retomou seu desempenho usual em imunização,
inoculando de 1 a 2 milhões de pessoas diariamente.
Cerca de metade da população recebeu até
aqui pelo menos uma dose. A marca não se distancia tanto da verificada em países
desenvolvidos como EUA e Reino Unido, onde mais de 70% se acham na
mesma situação --ainda que só um quinto dos brasileiros estejam plenamente
imunizados, contra três quintos nos outros dois casos.
Autoridades paulistas decidiram programar a
virtual suspensão das restrições remanescentes à mobilidade e ao comércio. O
governador João Doria (PSDB) anunciou que no dia 17 não haverá mais restrições
de horário nem de lotação para estabelecimentos, à exceção de aglomerações em
casas noturnas e shows de médio e grande porte.
Nessa data se espera concluir a aplicação
da primeira dose a toda a população adulta do estado. No Rio de Janeiro, a
reabertura pode ocorrer em setembro, com a frequência aos locais condicionada à
comprovação de vacina.
Doria repete a prática de comunicar com
antecedência adoção ou remoção de limites à mobilidade, dando alguma
previsibilidade a agentes econômicos. Faz bem, ademais, em manter a
obrigatoriedade do uso de máscaras.
O Sars-CoV-2, afinal, tem se mostrado bem
imprevisível, como se vê pelo sucessivo surgimento de variantes ameaçadoras.
Delta, a mais recente e dominante, se transmite com o dobro da intensidade
observada no início da pandemia.
Vacinas parecem eficientes contra ela, mas
pouco se compreende de sua progressão populacional, com curvas díspares em
nações em estágio parecido de imunização.
Recomenda-se, assim, cautela no
relaxamento, por mais que todos anseiem pela volta da normalidade.
Perigos no IR
Folha de S. Paulo
Nova versão da reforma do imposto apresenta
problemas que merecem mais debate
A desarticulação do Planalto novamente
cobra sua conta, desta vez na forma de um projeto de reforma do Imposto de
Renda que, infelizmente, afastou-se do que deveria ser o objetivo principal
--tornar a distribuição da carga tributária mais progressiva.
Movido pela ânsia eleitoreira de desonerar
a classe média por meio da correção da tabela do IR, objetivo que pode ser
meritório se inserido num conjunto coerente de mudanças, o governo buscou
tratar de múltiplos aspectos sem fazer cálculos cuidadosos.
A esperança de que os erros iniciais
pudessem ser corrigidos também caiu por terra com a divulgação do substitutivo
do relator, deputado Celso Sabino (PSDB-PI). O texto é uma tentativa de
equilibrar demandas, não de sanar vícios.
O princípio essencial de justiça tributária
que consta da proposta é a instituição da cobrança sobre dividendos
distribuídos por empresas a seus acionistas, como defende esta Folha, e que
deveria compensar os impactos na arrecadação da redução do imposto corporativo
e da correção da tabela para pessoas físicas.
Ocorre que o relator preservou a isenção
para empresas do Simples e para dividendos de até R$ 20 mil mensais recebidos
de micro e pequenas empresas, favorecendo os que se organizam como pessoas jurídicas
para obterem a renda de seu trabalho. Tal patamar não faz sentido num país com
renda per capita de R$ 2.931 mensais em 2020.
Embora os muito ricos paguem mais,
corretamente, na proposta em debate, para a grande maioria dos que recebem
dividendos foi mantida a distorção ante trabalhadores celetistas que estão
sujeitos a uma carga muito maior.
Com a redução do IR das pessoas jurídicas e
outras providências, o projeto em sua versão atual geraria uma perda de até R$
30 bilhões anuais, que afetariam também estados e municípios.
As compensações elencadas carecem de
credibilidade. Passam por promessas de redução de incentivos fiscais, para quem
quiser acreditar, receitas que ocorreriam apenas uma vez (como as que atingem
fundos de investimento) e ganhos que dependem de crescimento mais acelerado da
economia.
Dado o regime de urgência aprovado, parece
provável que o relatório seja votado na Câmara nos próximos dias. Com os
problemas que ainda restam, contudo, o melhor é continuar buscando
aperfeiçoamentos, sem deliberação açodada.
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