O Globo / Folha de S. Paulo
O Senado aprovou um projeto que mandava o
governo aplicar R$ 3,5 bilhões para assegurar o acesso dos alunos de escolas
públicas à internet. Bolsonaro vetou a iniciativa
Um governo pode ter uma perna no atraso,
outra na malandragem e a terceira em otras cositas más. O de Bolsonaro tem
todas.
O Senado aprovou um projeto da Câmara que
mandava o governo aplicar R$ 3,5 bilhões do Fundo de Universalização dos
Serviços de Telecomunicações, o FUST, para assegurar o acesso dos alunos de
escolas públicas à internet. Bolsonaro vetou a iniciativa. Era o jogo jogado,
pois é atribuição do presidente da República vetar decisões do Congresso.
Jogando o jogo, o Congresso derrubou o veto de Bolsonaro, e a lei foi
promulgada. Sempre dentro do quadrado da Constituição, o governo recorreu ao
Supremo Tribunal Federal. Perdeu.
Até aí, movia-se a perna do atraso de um
governo que reluta em aplicar o dinheiro do FUST para levar a internet às
escolas públicas durante uma pandemia. (A rede privada de ensino, quando teve
meios, adaptou-se.)
Na semana passada, moveu-se a perna da
malandragem. Um dia antes do fim do prazo dado pelo Supremo para que o governo
se mexesse, Bolsonaro baixou uma Medida Provisória adiando o investimento de R$
3,5 bilhões. Chutou a bola para cima, pois a MP vigorará por 120 dias, a menos
que seja aceita pelo Congresso.
Passou-se quase um ano, e as escolas públicas não receberam um tostão. Alguém poderia argumentar que o governo tenta segurar as despesas da Viúva e uma conta de R$ 3,5 bilhões é salgada. Nessa hora, olhando-se direito, vê-se a terceira perna do governo.
Em dezembro de 2019 o repórter Aguirre
Talento mostrou que o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)
havia soltado um edital que previa um gasto de R$ 3 bilhões para comprar
equipamentos eletrônicos para a rede pública de ensino. Em tese, era uma
iniciativa que melhoraria a conexão dos colégios com a internet. Na prática, a
Controladoria-Geral da União viu que havia otras cositas más. Uma só
escola de Minas Gerais receberia 30.030 laptops para seus 255 alunos (117,76
para cada um). A gracinha do esbanjamento repetia-se em 355 outros colégios.
Além disso, o edital parecia viciado para beneficiar fornecedores afortunados.
Passou-se mais de um ano da exposição do
jabuti, três novos ministros ocuparam o MEC, o FNDE trocou várias vezes de
presidente, e até hoje não se sabe quem botou o jabuti no edital.
Azararam Costa e Silva
Um sábio que pesquisa a história do
acidente vascular cerebral do presidente Costa em Silva suspeitava há tempo que
ele morreu em dezembro de 1969, entre outros fatores, pela depressão em que
caiu porque era tratado como uma criança. As pessoas falavam com ele como se a
sua percepção tivesse sido lesada, quando tinha perdido movimentos e a
capacidade de se expressar, mas sabia o que estava acontecendo.
A sabedoria convencional dizia que o AVC,
uma vez iniciado, teria uma progressão inevitável. Assim, durante quatro dias,
ele perdeu progressivamente a fala e os movimentos do lado direito do corpo.
Ele teve uma isquemia, que é uma obstrução da circulação sanguínea no cérebro.
(O derrame é o contrário, com o rompimento de um vaso.)
Hoje, uma vez diagnosticadas a tempo, as
isquemias cerebrais podem ser tratadas com anticoagulantes.
Um artigo científico informa que em 1958,
onze anos antes do AVC de Costa e Silva, o neurologista canadense Miller
Fisher, em Boston, tratava isquemias com anticoagulantes. No Brasil, o
fatalismo da progressão inevitável foi aceito ainda por muitos anos.
O presidente perdeu momentaneamente a fala
no dia 27 de agosto. Recuperou-a, e voltou a perdê-la de vez na madrugada do
dia 29, quando ainda conseguiu se expressar por meio de um bilhete.
O pelotão palaciano comandava o major
médico que cuidava do paciente e levou-o para o Rio. Lá, ele foi examinado pelo
neurologista Abraham Ackerman. Era tarde.
No dia seguinte, o marechal perdeu a
capacidade de se expressar.
Se Costa e Silva estivesse em Boston no dia
27, seu destino teria sido outro.
Como ele estava em Pindorama, o pelotão
palaciano blindou-o, escondeu a gravidade do caso, depôs o vice-presidente
Pedro Aleixo e entregou o poder a uma junta militar composta pelos três
ministros militares. Ela governou o país por um mês. Em 1988, o deputado
Ulysses Guimarães chamou-os publicamente de “Os Três Patetas”. Quinze anos
antes, o general Ernesto Geisel usava a mesma expressão, privadamente.
Alexandre e Barroso
Bolsonaro dá a impressão de que está metido
numa briga com o ministro Luís Roberto Barroso, mas sabe que sua encrenca é com
o ministro Alexandre de Moraes.
Barroso chegou ao Supremo vindo da sua
banca de advocacia. A carreira de Moraes foi outra: ele veio do Ministério
Público e foi secretário de Segurança de São Paulo.
Um aprendeu a defender seus clientes. O
outro aprendeu a baixar o chanfalho em quem viola a lei.
Paulo Bolsonaro
O professor Delfim Netto está bonzinho. Com
14,8 milhões de desempregados no portfólio, o ministro Paulo Guedes resolveu
atacar o IBGE, dizendo que suas estatísticas ainda estão “na idade da pedra
lascada”. Delfim defendeu a instituição e disse que torcia para que a fala de
Guedes “tenha sido um infeliz lapso verbal”.
Não foi. Tratou-se de um caso de contágio
bolsonarista, semelhante aos lances do “vagabundos” do STF de Abraham
Weintraub, do “pária” de Ernesto Araújo e da “boiada” de Ricardo Salles.
Paulo Guedes é ministro da Economia há mais
de dois anos e não notou que convivia com um IBGE de Flintstones. Pior: levou
para a presidência do instituto a economista Susana Cordeiro Guerra, doutora
pelo MIT, e deixou-a ir embora.
O golpe, em 1961
O Brasil era governado por um tatarana que
armava um golpe. As fake news da época eram tenebrosas.
No dia 9 de agosto de 1961, Jânio Quadros
pediu ao Conselho de Segurança Nacional que examinasse um material, “tendo em
vista a reunião ministerial referente às Guianas”. Era urgente, pois Jânio via
ali um “intenso trabalho autonomista ou de emancipação nacional, com a presença
de fortes correntes de esquerda, algumas, reconhecidamente, comunistas”.
Na chefia do gabinete da Secretaria Geral
do Conselho, o coronel Golbery do Couto e Silva colecionou os seguintes
informes, “cujos graus de confiança ainda não foi possível avaliar”:
“Informe nº 5: Pelo barco de pesca Z-189
desembarcaram em Amaralina, BA, cerca de 22 pessoas, trazidas por um submarino
desconhecido, ali observado nestes últimos dias, o desembarque ocorreu em fins
de julho.”
“Informe nº 6: Durante o corrente ano
chegaram ao Brasil cerca de dois mil comunistas, da China Vermelha, técnicos em
guerrilhas”.
Aziz disse tudo
O senador Omar Aziz, presidente da CPI da
Covid, disse tudo, ao duvidar do que dizia o tenente-coronel da reserva Marcelo
Blanco, ex-integrante do pelotão levado pelo general Eduardo Pazuello para o
Ministério da Saúde:
“Aqui não tem otário”.
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