Folha de S. Paulo
Filósofos mostram que é possível discordar
sem agredir, virtude que parece em falta nos dias de hoje
Daniel Dennett e Gregg Caruso. Ambos são
filósofos e defendem uma reforma radical do sistema penal, que inclui a
abolição da sentença capital, uma substancial redução das penas e a criação de
programas que ajudem na reinserção social dos prisioneiros depois que deixam a
cadeia. Mas as razões por que fazem isso não poderiam ser mais diferentes.
Dennett sustenta que o livre-arbítrio
existe (ainda que numa modalidade bem “leve”) e que ele é compatível com o
universo determinista em que provavelmente vivemos. Já Caruso afirma que o
livre-arbítrio não passa de ficção, quer vivamos num universo determinado ou
indeterminado.
Se os dois, partindo de pressupostos diametralmente opostos, chegaram a resultados parecidos, espíritos ultrapragmáticos podem ficar tentados a concluir que a filosofia é mesmo “a ciência com a qual ou sem a qual o mundo vai tal e qual”. Mas, para os que, como eu, acreditam que razões fazem diferença, então a leitura de “Just Deserts” (justos merecimentos) surge como um banquete intelectual.
O livro consiste em três baterias de
discussões, em que os dois filósofos esgrimem seus melhores argumentos. É uma
viagem fascinante por temas tão vastos como moral, direito, acaso, escolha. Há
até pitadas de física. Para não deixar o leitor na fissura, já adianto que o
elemento que permitirá que os autores convirjam parcialmente é uma espécie de consequencialismo.
Quer sejamos seres livres, quer sejamos autômatos que só respondem a causas
externas, a possibilidade de ser preso é um estímulo que as pessoas não
costumam ignorar. Assim, sanções podem justificar-se, não como resposta
retributivista a ações passadas, mas como medida que visa a assegurar o futuro
da coletividade, ao protegê-la de atos antissociais.
Como bônus, o cavalheirismo e a elegância
dos debatedores mostram que é possível discordar sem agredir, virtude que
parece em falta nos dias de hoje.
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