O Globo
O Brasil está na pior crise institucional
desde a redemocratização e é preciso entender os elementos desta crise. Todos
os autocratas que conspiram contra a liberdade usam a estratégia de atacar o
sistema eleitoral. Foi assim com Trump, foi o que fez a Venezuela chavista, foi
a estratégia de Viktor Orbán na Hungria. Houve uma escalada das agressões do
presidente Jair Bolsonaro contra a urna eletrônica nos últimos dias. Ele não
faz isso apenas para defender o voto impresso. Ele mira mais alto. Quer a
desconfiança no sistema eleitoral, almeja o conflito social, porque essas são
as bases do golpe que pretende dar.
A última semana foi diferente, pela natureza da reação do Judiciário. Em vez de notas de repúdio, um inquérito administrativo aberto no TSE e uma notícia-crime apresentada, pelo TSE, ao STF. O ministro Alexandre de Moraes aceitou a denúncia e incluiu Jair Bolsonaro no inquérito das fake news. O presidente Bolsonaro ameaçou explicitamente agir fora da Constituição. O ministro Luiz Fux, diante da escalada de agressões, suspendeu a reunião entre os poderes e apontou para o responsável: “o presidente da República tem reiterado ofensas e ataques de inverdades a integrantes desta Corte”. Normalmente os pronunciamentos abusam das orações sem sujeito, e o país tem que depreender de quem se fala. Desta vez, foi diferente.
O manifesto de economistas, empresários,
intelectuais contra a radicalização do presidente foi outro ponto de mudança.
Além de assinar o documento, vários deles deram entrevistas confirmando o
sentido do que estava dito no texto, que o país não aceitará ameaças às
eleições. Isso é uma virada. Entre os que assinaram, há alguns notórios
apoiadores de Jair Bolsonaro no começo do governo no mercado financeiro, ou
pessoas que até bem pouco tempo continuavam apostando na tese simplista de que
a economia iria crescer por causa das “reformas” e tudo ficaria bem.
Na segunda-feira eu entrevistei o general
Santos Cruz e ele me disse que era preciso atuação dos outros poderes contra as
ameaças de não realização das eleições por parte de Jair Bolsonaro. A gravação
foi pela manhã, antes, portanto, da decisão do Tribunal Superior Eleitoral de
reagir com atos às ameaças do presidente.
— O Judiciário, o Ministério Público e o
próprio legislativo precisam atuar dentro das leis, e dos seus limites, e
acionar quem coloca o sistema democrático em risco. A eleição periódica é
fundamento democrático — afirmou o general.
Santos Cruz também deu a explicação-chave
para este momento. Disse que Bolsonaro estava se aproveitando do “contexto
geral de fanatismo”. Porque aí “cria-se o tumulto social, cria-se o conflito,
porque ele se sente melhor neste ambiente de conflito e tumulto”.
Esse é o ponto fundamental. Bolsonaro está
querendo criar um clima de convulsão social, como aquele que levou trumpistas a
invadirem o Congresso americano. Já está preparando o momento seguinte à perda
do poder, mobilizando milícias bolsonaristas digitais e reais para que na confusão
ele possa invocar o uso das Forças Armadas.
Uma autoridade de Brasília, que tem
interlocutores entre militares, faz as seguintes reflexões. Se houver um clima
de convulsão social, só o presidente pode convocar as Forças Armadas. Isso é
privativo do chefe do Executivo, que é o comandante em chefe. É isso que
Bolsonaro planeja. Desde o começo do governo, o presidente tem assediado os
militares para que demonstrem apoio político a ele. Os da ativa que discordam
seguem o regulamento e nada falam. Os que são ligados ao presidente se
manifestam. O general Braga Netto, pessoa de índole autoritária, é da reserva,
mas como ministro da Defesa tem tentado envolver os comandantes militares em
seus movimentos. O comandante do Exército estava em um voo e só soube da nota
contra a CPI quando pousou. Não gostou, mas nada fez. Outros integrantes do
Alto Comando do Exército têm feito fortes críticas internas à maneira como
Braga Netto tem empurrado as Forças Armadas para o apoio a Bolsonaro.
Bolsonaro se alimenta, na preparação do seu
golpe, da confusão institucional, do ataque à urna eletrônica para estimular a
dúvida sobre o processo eleitoral e da convulsão social que está instigando.
Ele já avançou muito em seu projeto. Não há diálogo que o modere, porque
Bolsonaro precisa da crise.
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