O Estado de S. Paulo
O Brasil está em guerra pela democracia,
mas a ‘casa do povo’ cuida dos próprios interesses
Primeiro, o Congresso triplicou o fundo
eleitoral para escandalosos R$ 5,7 bilhões em plena pandemia de covid-19 e de
desemprego. Depois, tratou de reduzir os mecanismos de controle sobre essa
dinheirama, propondo um código que tira a Justiça Eleitoral da frente e
praticamente deixa a “fiscalização” do fundo e das campanhas por conta dos...
partidos.
O País está no pior dos mundos, com mais de
560 mil mortos pela covid-19 e enfrentando uma crise institucional de um
presidente da República que ameaça rasgar a Constituição contra o Supremo
Tribunal Federal, o Tribunal Superior Eleitoral e os próprios ministros, que
resistem bravamente em nome da democracia. E o Congresso, onde está?
STF, TSE, milhares de empresários, intelectuais e líderes religiosos, sociedades de ciência e direitos humanos, entidades profissionais e religiosas, subprocuradores da República e grupos de parlamentares cerram fileiras contra os ataques de Bolsonaro à Constituição e às eleições. A resistência, porém, não encontra o devido eco na “casa do povo”, onde a maioria está mais preocupada com a própria reeleição e com o próprio bolso do que com a democracia.
O Congresso está nas nuvens, cuidando dos
próprios interesses, ampliando seus privilégios. Na Câmara, com apoio explícito
do presidente Arthur Lira (PP-AL). No Senado, com a atitude excessivamente,
digamos, elegante do presidente Rodrigo Pacheco (quase exDEM-MG). É preciso
mais. É preciso gritar e articular uma defesa enérgica das instituições, da
democracia.
E é urgente, depois que o líder do Centrão
Ciro Nogueira abocanhou a “alma do governo” e tem de pagar com a alma do
Congresso. Nogueira é unha e carne com Arthur Lira, fiel guardião do cofre onde
estão em torno de 130 pedidos de impeachment, e acaba de ignorar a derrota do
voto impresso na Comissão Especial. Vai tentar ressuscitar a proposta – atual
obsessão de Bolsonaro – no plenário. O regimento permite, mas nunca se viu.
Há, porém, focos de resistência democrática
também no Parlamento, ativos e ruidosos. No Senado, a CPI da Covid confirma o
quanto o governo, sob o descaso ou a inspiração de Bolsonaro, virou uma casa da
mãe Joana aberta a picaretas e picaretagens na pandemia. Na Câmara, a união de
11 partidos pela urna eletrônica e de parlamentares de diferentes orientações
ideológicas pró Supremo, democracia e eleições.
Num único dia, Bolsonaro sofreu tripla
derrota: o presidente do Supremo, Luiz Fux, rompeu o diálogo com ele; o PIB e a
inteligência brasileira finalmente deram as caras pela democracia e as
eleições; e, por 23 votos a 11, a Comissão Especial da Câmara rejeitou a volta
do famigerado voto impresso. Com 11 partidos contrários, a proposta deve sofrer
nova derrota em plenário. Se passar, vai enfrentar uma muralha no Senado, como
o presidente Pacheco anuncia.
Nada disso, porém, consegue disfarçar o
esforço parlamentar para criar o “distritão” e um Código Eleitoral
obscurantista. Pelo “distritão”, só terão chance de vitória para a Câmara as
celebridades, os pastores de almas, os muito ricos, os que já têm mandato e...
as milícias. E a proposta de Código Eleitoral reduz as cotas da diversidade e o
poder de fiscalização e punição da Justiça Eleitoral, com as raposas tomando
conta do galinheiro.
Logo, a poderosa resistência que ganha
corpo no Brasil deve não apenas mirar nas ameaças contumazes do presidente da
República à democracia, mas também nas “boiadas” no Congresso contra a
moralidade pública, a lisura das campanhas eleitorais, o meio ambiente.
Bolsonaro não dá bola para nada, mas deputados e senadores são suscetíveis à
opinião pública e aos setores responsáveis da sociedade. O grito deve ser: sim
à democracia, não às “boiadas”!
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