quarta-feira, 20 de outubro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

CPI pedirá indiciamento de Bolsonaro por 11 crimes

Valor Econômico

Nada acontecerá ao presidente se não obtiver o aval tácito do presidente da Câmara, Arthur Lira, e do procurador-geral da Republica, Augusto Aras, que até hoje o tem protegido de problemas legais

A Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid no Senado encerra seus trabalhos traçando a história detalhada de como o governo de Jair Bolsonaro contribuiu para que mais de 603 mil pessoas morressem até agora vítimas do vírus. Boa parte da trajetória indecorosa de Bolsonaro durante a pandemia, por se desenrolar à luz do dia, já estava documentada e era conhecida. Ao fim de seis meses, a CPI mostrou detalhes escabrosos de ações que se desenrolavam longe da cena pública e revelou nomes de charlatões, oportunistas e corruptos que se abrigavam sob o letal negacionismo bolsonarista. O relatório da CPI deve ser lido hoje no Senado e votado na próxima semana.

O presidente da República fez tudo o que estava a seu alcance para impedir que as instituições de Estado agissem para proteger os brasileiros de um vírus desconhecido e mortal. A ignorância sem freios de Bolsonaro o levou a vários caminhos destrutivos. O primeiro deles foi o de negar a gravidade da pandemia. Ao ser desmentido pela montanha de mortos que se formava, o presidente deu um passo à frente e tentou impedir que medidas sanitárias urgentes fossem executadas. Fez campanha contra a máscara, provocou aglomerações, foi ao Supremo Tribunal Federal contra as políticas de isolamento decretadas pelos Estados quando, nos primeiros seis meses da pandemia, distanciamento social e proteção facial eram as únicas armas para enfrentar o vírus. Confrontado diversas vezes pelo grande número de mortes no país, disse que não era “coveiro”, desdenhou do sofrimento de milhares de pessoas ao dizer “e daí?” diante dos boletins diários alarmantes. Ainda achou tempo para chamar de “maricas” cidadãos que se protegiam com máscaras.

Com sua cultura de mandrião, Bolsonaro agiu para obter a “imunidade de rebanho” que, em sua concepção, significava deixar os brasileiros à mercê do vírus, a um custo altíssimo de vidas. O número de mortes, o segundo maior do mundo, só não foi ainda maior porque parte das instituições e dos governos sub-nacionais ignorou as macabras determinações que partiam de Brasília.

Como se omitir não bastasse, o governo buscou uma resposta médica própria para a pandemia - e aí surgiu a cloroquina e outras poções inúteis. Enquanto o presidente demitia um ministro da Saúde atrás do outro por não concordarem com suas premissas incríveis, aconselhava-se informalmente com médicos que receitavam cloroquina, desqualificada por pesquisas científicas como remédio ineficaz.

Adeptos do presidente envolveram-se diretamente em experiências desumanas com a vida alheia. A CPI desvendou as inacreditáveis ações da Prevent Senior, que medicava pacientes com o kit covid sem sua autorização e chegou a falsificar os laudos médicos das vítimas.

O auge do comportamento atroz veio com a nomeação de um leigo para a Saúde, o general Eduardo Pazuello, e o loteamento do ministério por um monte de militares - muitos deles, como a CPI desvelou, uniam o desejo de se apropriar do dinheiro público a seu abissal despreparo para as funções. Pazuello cumpriu tudo o que o senhor presidente mandou - entrou com 300 mil mortes e deixou o posto com quase 600 mil. Com um agravante de peso - surgiram vacinas quando ele lá estava.

Bolsonaro disse que elas não funcionam - até hoje diz que não se vacinará - e Pazuello foi o encarregado de não fazer ou protelar compras. Fabricantes como a Pfizer bateram por semanas a fio às portas do Ministério, oferecendo o medicamento, sem resposta. Outro tento da CPI foi revelar uma rede de corrupção na Saúde para a compra da Covaxin, com recursos que chegaram a ser reservados para tal. O governo aliou a farsa à ignomínia, ao dar a atravessadores corruptos sinal verde para que comprassem imunizantes quando as próprias autoridades mostravam uma displicência criminosa para obtê-las.

Ainda que, no conjunto, a CPI tenha sido muito mais produtiva e eficaz para o que se propôs do que muitas outras, seus efeitos práticos podem ser pequenos. O relatório da Comissão pedirá o indiciamento do presidente por 11 crimes, e, com número menor, de 70 pessoas. Nada acontecerá ao presidente, porém, sem o aval tácito do presidente da Câmara, Arthur Lira, e do procurador-geral da República, Augusto Aras, que até hoje o tem protegido de problemas legais. A responsabilidade pela maior tragédia sanitária da história brasileira é clara, mas as punições, se vierem, dependerão de apenas duas pessoas.

O atropelo inconstitucional de Lira

O Estado de S. Paulo

A pandemia exigiu abreviar e simplificar alguns ritos legislativos. Mas regras para tempos excepcionais não podem perder seu caráter igualmente excepcional

Por sua natureza, a atividade legislativa requer calma e reflexão. A função do Congresso não é dar soluções imediatistas aos problemas do País. A lei deve constituir uma resposta madura, apta a permanecer no tempo – o que exige serenidade e estudo. Logicamente, isso tudo representa um sério desafio para o Legislativo, que se vê muitas vezes instado pela sociedade a apresentar medidas instantâneas.

Agora, o Congresso tem precisado enfrentar, em relação aos tempos da atividade parlamentar, um novo desafio, criado pelo próprio presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL). Não é a pressão da população que tem levado à precipitação dos trabalhos legislativos. A Presidência da Câmara, que deveria ser a primeira a preservar a atividade parlamentar, tem promovido um inconstitucional atropelo na tramitação das propostas legislativas.

Como revelou o Estado, Arthur Lira (PP-AL) não apenas tem relevado o estrito cumprimento do Regimento Interno da Câmara dos Deputados – valendo-se de brechas para impor sua pauta –, como já colocou em votação projetos cuja versão final era desconhecida pelos próprios deputados. Trata-se de ponto fundamental. Não há como votar um texto sem que os parlamentares saibam o conteúdo desse texto.

No dia 14 de outubro, por exemplo, o relatório final da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 5/21, que altera regras sobre o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), só foi divulgado após o início da sessão de votação. O projeto terminou sendo retirado da pauta, mas o intento abusivo ficou evidente.

O atropelo não tem relação em si com o conteúdo da proposta legislativa. No caso, a PEC 5/21 tem pontos muito positivos, que podem promover maior eficiência do CNMP. De toda forma, é evidente que nenhuma lei pode ser votada sem que se saiba o que está sendo votado. Ainda mais se for, como era o caso, uma Emenda Constitucional.

No fim das contas, esse modo de proceder prejudica as boas propostas, suscitando desnecessárias suspeitas sobre seu conteúdo e sua motivação. Foi o que ocorreu, por exemplo, com a tramitação da reforma da Lei de Improbidade. Era um projeto necessário, que veio estabelecer um patamar mínimo de segurança jurídica em área especialmente sensível, com implicações diretas sobre toda a administração pública e, por consequência, sobre toda a sociedade. No entanto, a tramitação na Câmara foi atabalhoada, sem votação do relatório pela comissão especial e com a decretação de um inoportuno regime de urgência.

Episódio especialmente grave foi a votação na Câmara do projeto que altera o Imposto de Renda (IR). No momento em que foi votado, o texto final da reforma do IR era desconhecido pelos parlamentares. Não havia sido divulgado. Ou seja, os parlamentares votaram um texto sem saber o que ele representava para o Estado e para os cidadãos.

A confirmar o absurdo da situação, depois da votação, foram divulgados os efeitos da proposta sobre as contas públicas. Surpresos, os deputados descobriram, então, que a reforma do IR aprovada na Câmara resultava em perda de receita de R$ 21,8 bilhões para a União e de R$ 19,3 bilhões para Estados e municípios.

Seja qual for o motivo dessa inversão – tem-se a votação e só depois o texto “aprovado” é divulgado –, ela é radicalmente inconstitucional e antidemocrática. Não há a rigor votação de uma matéria se a matéria nem sequer foi publicamente definida. É realmente estranho que, num regime democrático, seja necessário recordar esse requisito. 

Além de respeitar a ordem mínima – votação depois da divulgação do texto –, é necessário restabelecer o normal funcionamento das comissões no Congresso, que têm um papel profundamente democrático. É nas comissões que os temas são debatidos, amadurecidos e questionados, sendo um importante âmbito de transparência. A pandemia exigiu abreviar e simplificar alguns ritos legislativos. Mas regras para tempos excepcionais não podem perder seu caráter igualmente excepcional. A sociedade precisa do Legislativo funcionando normalmente.

Um mundo menos seguro

O Estado de S. Paulo

Expansão militar chinesa exigirá mais agilidade das democracias liberais na concertação de suas defesas

Em agosto, um míssil supersônico chinês com capacidade nuclear, mais difícil de rastrear e destruir do que os mísseis balísticos, circulou o globo antes de atingir seu alvo. O teste ocorreu pouco após a descoberta de centenas de novos mísseis no deserto chinês e num momento em que Pequim amplia suas manobras belicosas no Pacífico. O país, cuja frota naval se tornou recentemente a maior do mundo, tem enviado recorrentemente caças sobre o espaço aéreo de Taiwan. Ao mesmo tempo, os EUA correm para tecer uma rede de alianças no Pacífico.

O mundo está menos seguro. Embora o imperialismo chinês seja historicamente restrito à Ásia, o país tem ambições globais e sua rápida expansão militar sinaliza interesses que vão além da defesa de sua soberania. A China não está atada por nenhum pacto de controle de armas e se mostra refratária a discutir suas políticas nucleares.

“Não estamos em uma competição com a China per se”, disse o presidente norte-americano, Joe Biden, no encontro do G-7, em junho, “mas com os governos autocráticos ao redor do mundo, sobre se as democracias podem ou não competir com eles em um século 21 em rápida transformação.”

Esse questionamento se mostrou ainda mais dramático após a saída desastrosa dos americanos e seus aliados do Afeganistão. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), após décadas concentrada na detenção da Rússia e, desde 2001, no combate ao terrorismo, precisará atualizar rapidamente seus objetivos estratégicos num momento em que os europeus questionam, com boas razões, a fidelidade dos EUA, enquanto os EUA os acusam, com boas razões, de não investirem o suficiente em sua defesa.

“A China está se aproximando de nós”, disse o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg. “Nós os vemos no Ártico; os vemos no espaço cibernético; os vemos investir pesadamente em infraestrutura crítica em nossos países.” China e Rússia “trabalham estreitamente juntas”, disse Stoltenberg, e não devem ser vistas como ameaças separadas. Corroborando esse diagnóstico, o Japão alertou que na última segunda-feira 10 navios russos e chineses navegaram através do estreito que separa a sua ilha principal das ilhas do norte.

Nada disso significa que um conflito global seja inevitável, e muito menos iminente. Mas suas características serão diferentes do que foram no passado e exigirão estratégias diferentes para enfrentar novos riscos como ataques cibernéticos, inteligência artificial e agressões híbridas, como as que vêm sendo utilizadas pela Rússia e a China. É preocupantemente sintomático que as agências de inteligência americanas tenham confessado ter sido surpreendidas pelo novo míssil.

É certo que, unidas, as democracias liberais têm condições de resistir às ameaças dos regimes autocráticos e forçá-los a negociar uma coexistência pacífica. Mas, neste momento, é incerto se elas conseguirão orquestrar essa união com a agilidade necessária. Um bom começo seria responder aos apelos de Taiwan por uma mobilização internacional contra as evidentes ameaças de Pequim.

Troca de marcha

Folha de S. Paulo

Desaceleração da China reforça pessimismo no Brasil, enquanto outras economias centrais reagem

A notícia de que a economia chinesa ficou quase estagnada no terceiro trimestre causou alarme na praça, e a preocupação não foi à toa.

O Brasil já lida com fome, inflação e desemprego em alta, risco de racionamento de eletricidade, ameaças de desordem ainda maior nas contas públicas, incompetência na gestão econômica e tumulto político. Um choque extra tornaria ainda mais sombrias as perspectivas socioeconômicas para 2022.

Alguns fatores que explicam o mau desempenho chinês no terceiro trimestre podem ser passageiros. A China adota política de tolerância zero em relação à Covid. Um aumento do número de casos que no Brasil seria imperceptível provocou o fechamento de regiões e unidades importantes de produção.

Uma crise de energia levou a cortes de eletricidade e altas explosivas do preço do carvão e do gás. O risco de falência de empresas do setor imobiliário gerou incerteza e fez o setor de construção pisar no freio.

Por ora, não parece que o crescimento irá desacelerar além do que, faz algum tempo, está visível nas projeções para a economia chinesa.

De 2001 a 2014, a China cresceu em média 10% ao ano. De 2015 a 2019, a taxa baixou para ainda impressionantes 6,7% ao ano. Agora, talvez esteja se encaminhando para o patamar de 5%. A troca de marcha já teve, tem e terá efeitos mais duradouros por aqui.

Quanto às demais economias centrais, a recuperação segue em passo acelerado. No ano que vem, os Estados Unidos e os países da União Europeia devem crescer em torno de 4,5%. No Brasil, o crescimento desde 2017 é dos menores se comparado com a média mundial nas últimas seis décadas, sem contar os períodos de recessão e este ano.

O país não tem conseguido aproveitar as oportunidades criadas pela aceleração da atividade nessas grandes economias.

O Brasil ainda não sabe como lidar com a chamada "transição verde", que oferece possibilidades e riscos --consumo maior de certos produtos e restrições de caráter ambiental a outros, além de transformações tecnológicas que podem tornar o seu parque industrial ainda mais obsoleto.

Decerto um crescimento menor na China afetará a procura de bens da indústria extrativa nacional, como ferro e petróleo, o que em geral pode afetar o nível de investimento. Mas a integração econômica com o restante do mundo, aliás mínima no caso do Brasil, pode se dar por caminhos variados.

De mais fundamental, o país não consegue aumentar a eficiência de sua economia nem preparar o Estado para tarefas novas e mais necessárias. Parado faz décadas, seu problema maior não é um trimestre ruim na China --nem hoje, nem amanhã, nem no longo prazo."

Homicídios impunes

Folha de S. Paulo

Índices pífios de esclarecimento de assassinatos e apagão estatístico apontam descaso na segurança

De cada dez casos de homicídio, somente quatro são esclarecidos no Brasil, de acordo com uma pesquisa apresentada pelo Instituto Sou da Paz na semana passada.

A taxa nacional, de 44%, indica avanço em relação a anos anteriores, quando o número de assassinatos esclarecidos não passou de 32% dos casos, mas ainda assim contrasta com a realidade de outros países.

Nos Estados Unidos, a taxa equivalente se aproxima de 60%, e um estudo da Organização das Nações Unidas encontrou porcentuais ainda maiores na Europa e na Ásia.

Esta é a quarta edição anual do levantamento do Instituto Sou da Paz, e os pesquisadores se depararam novamente com enormes dificuldades para obter dados de qualidade das autoridades estaduais.

Foram requisitados aos Ministérios Públicos e aos Tribunais de Justiça dos estados informações sobre todos os homicídios dolosos, com intenção de matar, ocorridos em 2018 e esclarecidos até 2019.

Das 27 unidades da Federação, 6 não enviaram dados e 4 deram informações incompletas, sendo excluídas da contagem nacional.

A falha reforça outras evidências de que o Brasil enfrenta um apagão estatístico nessa área. Segundo o Atlas da Violência de 2021, cerca de 17 mil mortes violentas ocorridas em 2019 foram computadas como indefinidas, sem justificativa.

O novo estudo apontou também enorme desigualdade entre as polícias estaduais. Rio de Janeiro, com apenas 12% de mortes elucidadas, e Paraná, com 14%, figuram entre os estados com pior desempenho.

A impunidade dos crimes obstrui o acesso das famílias das vítimas à Justiça, amplificando os efeitos perversos do morticínio de jovens, negros e moradores das periferias das grandes cidades.

O número de homicídios registrados no país voltou a aumentar no ano passado, após dois anos seguidos de queda, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Verbas destinadas a programas que poderiam ajudar a elucidar os delitos, como o desenvolvimento de um sistema de análise balística e um banco de perfis genéticos para comparação de amostras colhidas em cenas de crimes, têm sido reduzidos no governo Jair Bolsonaro.

Com homicídios em alta, mais armas em circulação e sem ferramentas de inteligência para as investigações, ficará mais difícil melhorar os índices de elucidação de crimes. Às famílias das vítimas, restará a constatação de que seguirão ignoradas pelos que deveriam protegê-las.

 

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