EDITORIAIS
CPI pedirá indiciamento de Bolsonaro por 11
crimes
Valor Econômico
Nada acontecerá ao presidente se não
obtiver o aval tácito do presidente da Câmara, Arthur Lira, e do
procurador-geral da Republica, Augusto Aras, que até hoje o tem protegido de problemas
legais
A Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid no Senado encerra seus trabalhos traçando a história detalhada de como o governo de Jair Bolsonaro contribuiu para que mais de 603 mil pessoas morressem até agora vítimas do vírus. Boa parte da trajetória indecorosa de Bolsonaro durante a pandemia, por se desenrolar à luz do dia, já estava documentada e era conhecida. Ao fim de seis meses, a CPI mostrou detalhes escabrosos de ações que se desenrolavam longe da cena pública e revelou nomes de charlatões, oportunistas e corruptos que se abrigavam sob o letal negacionismo bolsonarista. O relatório da CPI deve ser lido hoje no Senado e votado na próxima semana.
O presidente da República fez tudo o que
estava a seu alcance para impedir que as instituições de Estado agissem para
proteger os brasileiros de um vírus desconhecido e mortal. A ignorância sem
freios de Bolsonaro o levou a vários caminhos destrutivos. O primeiro deles foi
o de negar a gravidade da pandemia. Ao ser desmentido pela montanha de mortos
que se formava, o presidente deu um passo à frente e tentou impedir que medidas
sanitárias urgentes fossem executadas. Fez campanha contra a máscara, provocou
aglomerações, foi ao Supremo Tribunal Federal contra as políticas de isolamento
decretadas pelos Estados quando, nos primeiros seis meses da pandemia,
distanciamento social e proteção facial eram as únicas armas para enfrentar o
vírus. Confrontado diversas vezes pelo grande número de mortes no país, disse
que não era “coveiro”, desdenhou do sofrimento de milhares de pessoas ao dizer
“e daí?” diante dos boletins diários alarmantes. Ainda achou tempo para chamar
de “maricas” cidadãos que se protegiam com máscaras.
Com sua cultura de mandrião, Bolsonaro agiu
para obter a “imunidade de rebanho” que, em sua concepção, significava deixar
os brasileiros à mercê do vírus, a um custo altíssimo de vidas. O número de
mortes, o segundo maior do mundo, só não foi ainda maior porque parte das
instituições e dos governos sub-nacionais ignorou as macabras determinações que
partiam de Brasília.
Como se omitir não bastasse, o governo
buscou uma resposta médica própria para a pandemia - e aí surgiu a cloroquina e
outras poções inúteis. Enquanto o presidente demitia um ministro da Saúde atrás
do outro por não concordarem com suas premissas incríveis, aconselhava-se
informalmente com médicos que receitavam cloroquina, desqualificada por
pesquisas científicas como remédio ineficaz.
Adeptos do presidente envolveram-se
diretamente em experiências desumanas com a vida alheia. A CPI desvendou as
inacreditáveis ações da Prevent Senior, que medicava pacientes com o kit covid
sem sua autorização e chegou a falsificar os laudos médicos das vítimas.
O auge do comportamento atroz veio com a
nomeação de um leigo para a Saúde, o general Eduardo Pazuello, e o loteamento
do ministério por um monte de militares - muitos deles, como a CPI desvelou,
uniam o desejo de se apropriar do dinheiro público a seu abissal despreparo
para as funções. Pazuello cumpriu tudo o que o senhor presidente mandou -
entrou com 300 mil mortes e deixou o posto com quase 600 mil. Com um agravante
de peso - surgiram vacinas quando ele lá estava.
Bolsonaro disse que elas não funcionam -
até hoje diz que não se vacinará - e Pazuello foi o encarregado de não fazer ou
protelar compras. Fabricantes como a Pfizer bateram por semanas a fio às portas
do Ministério, oferecendo o medicamento, sem resposta. Outro tento da CPI foi
revelar uma rede de corrupção na Saúde para a compra da Covaxin, com recursos
que chegaram a ser reservados para tal. O governo aliou a farsa à ignomínia, ao
dar a atravessadores corruptos sinal verde para que comprassem imunizantes
quando as próprias autoridades mostravam uma displicência criminosa para
obtê-las.
Ainda que, no conjunto, a CPI tenha sido muito mais produtiva e eficaz para o que se propôs do que muitas outras, seus efeitos práticos podem ser pequenos. O relatório da Comissão pedirá o indiciamento do presidente por 11 crimes, e, com número menor, de 70 pessoas. Nada acontecerá ao presidente, porém, sem o aval tácito do presidente da Câmara, Arthur Lira, e do procurador-geral da República, Augusto Aras, que até hoje o tem protegido de problemas legais. A responsabilidade pela maior tragédia sanitária da história brasileira é clara, mas as punições, se vierem, dependerão de apenas duas pessoas.
O atropelo inconstitucional de Lira
O Estado de S. Paulo
A pandemia exigiu abreviar e simplificar alguns ritos legislativos. Mas regras para tempos excepcionais não podem perder seu caráter igualmente excepcional
Por sua natureza, a atividade legislativa
requer calma e reflexão. A função do Congresso não é dar soluções imediatistas
aos problemas do País. A lei deve constituir uma resposta madura, apta a
permanecer no tempo – o que exige serenidade e estudo. Logicamente, isso tudo
representa um sério desafio para o Legislativo, que se vê muitas vezes instado
pela sociedade a apresentar medidas instantâneas.
Agora, o Congresso tem precisado enfrentar,
em relação aos tempos da atividade parlamentar, um novo desafio, criado pelo
próprio presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL). Não é a pressão da
população que tem levado à precipitação dos trabalhos legislativos. A
Presidência da Câmara, que deveria ser a primeira a preservar a atividade
parlamentar, tem promovido um inconstitucional atropelo na tramitação das
propostas legislativas.
Como revelou o Estado, Arthur Lira (PP-AL) não
apenas tem relevado o estrito cumprimento do Regimento Interno da Câmara dos
Deputados – valendo-se de brechas para impor sua pauta –, como já colocou em
votação projetos cuja versão final era desconhecida pelos próprios deputados.
Trata-se de ponto fundamental. Não há como votar um texto sem que os
parlamentares saibam o conteúdo desse texto.
No dia 14 de outubro, por exemplo, o
relatório final da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 5/21, que altera
regras sobre o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), só foi divulgado
após o início da sessão de votação. O projeto terminou sendo retirado da pauta,
mas o intento abusivo ficou evidente.
O atropelo não tem relação em si com o
conteúdo da proposta legislativa. No caso, a PEC 5/21 tem pontos muito
positivos, que podem promover maior eficiência do CNMP. De toda forma, é
evidente que nenhuma lei pode ser votada sem que se saiba o que está sendo
votado. Ainda mais se for, como era o caso, uma Emenda Constitucional.
No fim das contas, esse modo de proceder
prejudica as boas propostas, suscitando desnecessárias suspeitas sobre seu
conteúdo e sua motivação. Foi o que ocorreu, por exemplo, com a tramitação da
reforma da Lei de Improbidade. Era um projeto necessário, que veio estabelecer
um patamar mínimo de segurança jurídica em área especialmente sensível, com
implicações diretas sobre toda a administração pública e, por consequência,
sobre toda a sociedade. No entanto, a tramitação na Câmara foi atabalhoada, sem
votação do relatório pela comissão especial e com a decretação de um inoportuno
regime de urgência.
Episódio especialmente grave foi a votação
na Câmara do projeto que altera o Imposto de Renda (IR). No momento em que foi
votado, o texto final da reforma do IR era desconhecido pelos parlamentares.
Não havia sido divulgado. Ou seja, os parlamentares votaram um texto sem saber
o que ele representava para o Estado e para os cidadãos.
A confirmar o absurdo da situação, depois
da votação, foram divulgados os efeitos da proposta sobre as contas públicas.
Surpresos, os deputados descobriram, então, que a reforma do IR aprovada na
Câmara resultava em perda de receita de R$ 21,8 bilhões para a União e de R$
19,3 bilhões para Estados e municípios.
Seja qual for o motivo dessa inversão –
tem-se a votação e só depois o texto “aprovado” é divulgado –, ela é
radicalmente inconstitucional e antidemocrática. Não há a rigor votação de uma
matéria se a matéria nem sequer foi publicamente definida. É realmente estranho
que, num regime democrático, seja necessário recordar esse requisito.
Além de respeitar a ordem mínima – votação
depois da divulgação do texto –, é necessário restabelecer o normal
funcionamento das comissões no Congresso, que têm um papel profundamente
democrático. É nas comissões que os temas são debatidos, amadurecidos e
questionados, sendo um importante âmbito de transparência. A pandemia exigiu
abreviar e simplificar alguns ritos legislativos. Mas regras para tempos
excepcionais não podem perder seu caráter igualmente excepcional. A sociedade
precisa do Legislativo funcionando normalmente.
Um mundo menos seguro
O Estado de S. Paulo
Expansão militar chinesa exigirá mais agilidade das democracias liberais na concertação de suas defesas
Em agosto, um míssil supersônico chinês com
capacidade nuclear, mais difícil de rastrear e destruir do que os mísseis
balísticos, circulou o globo antes de atingir seu alvo. O teste ocorreu pouco
após a descoberta de centenas de novos mísseis no deserto chinês e num momento
em que Pequim amplia suas manobras belicosas no Pacífico. O país, cuja frota
naval se tornou recentemente a maior do mundo, tem enviado recorrentemente
caças sobre o espaço aéreo de Taiwan. Ao mesmo tempo, os EUA correm para tecer
uma rede de alianças no Pacífico.
O mundo está menos seguro. Embora o
imperialismo chinês seja historicamente restrito à Ásia, o país tem ambições
globais e sua rápida expansão militar sinaliza interesses que vão além da
defesa de sua soberania. A China não está atada por nenhum pacto de controle de
armas e se mostra refratária a discutir suas políticas nucleares.
“Não estamos em uma competição com a China
per se”, disse o presidente norte-americano, Joe Biden, no encontro do G-7, em
junho, “mas com os governos autocráticos ao redor do mundo, sobre se as
democracias podem ou não competir com eles em um século 21 em rápida
transformação.”
Esse questionamento se mostrou ainda mais
dramático após a saída desastrosa dos americanos e seus aliados do Afeganistão.
A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), após décadas concentrada na
detenção da Rússia e, desde 2001, no combate ao terrorismo, precisará atualizar
rapidamente seus objetivos estratégicos num momento em que os europeus
questionam, com boas razões, a fidelidade dos EUA, enquanto os EUA os acusam,
com boas razões, de não investirem o suficiente em sua defesa.
“A China está se aproximando de nós”, disse
o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg. “Nós os vemos no Ártico; os vemos
no espaço cibernético; os vemos investir pesadamente em infraestrutura crítica
em nossos países.” China e Rússia “trabalham estreitamente juntas”, disse
Stoltenberg, e não devem ser vistas como ameaças separadas. Corroborando esse
diagnóstico, o Japão alertou que na última segunda-feira 10 navios russos e
chineses navegaram através do estreito que separa a sua ilha principal das
ilhas do norte.
Nada disso significa que um conflito global
seja inevitável, e muito menos iminente. Mas suas características serão
diferentes do que foram no passado e exigirão estratégias diferentes para
enfrentar novos riscos como ataques cibernéticos, inteligência artificial e
agressões híbridas, como as que vêm sendo utilizadas pela Rússia e a China. É
preocupantemente sintomático que as agências de inteligência americanas tenham
confessado ter sido surpreendidas pelo novo míssil.
É certo que, unidas, as democracias
liberais têm condições de resistir às ameaças dos regimes autocráticos e
forçá-los a negociar uma coexistência pacífica. Mas, neste momento, é incerto
se elas conseguirão orquestrar essa união com a agilidade necessária. Um bom
começo seria responder aos apelos de Taiwan por uma mobilização internacional
contra as evidentes ameaças de Pequim.
Troca de marcha
Folha de S. Paulo
Desaceleração da China reforça pessimismo
no Brasil, enquanto outras economias centrais reagem
A notícia de que a economia chinesa ficou
quase estagnada
no terceiro trimestre causou alarme na praça, e a preocupação não foi
à toa.
O Brasil já lida com fome, inflação e
desemprego em alta, risco de racionamento de eletricidade, ameaças de desordem
ainda maior nas contas públicas, incompetência na gestão econômica e tumulto
político. Um choque
extra tornaria ainda mais sombrias as perspectivas socioeconômicas
para 2022.
Alguns fatores que explicam o mau
desempenho chinês no terceiro trimestre podem ser passageiros. A China adota
política de tolerância zero em relação à Covid. Um aumento do número de casos
que no Brasil seria imperceptível provocou o fechamento de regiões e unidades
importantes de produção.
Uma crise
de energia levou a cortes de eletricidade e altas explosivas do preço
do carvão e do gás. O risco de falência de empresas do setor
imobiliário gerou incerteza e fez o setor de construção pisar no
freio.
Por ora, não parece que o crescimento irá
desacelerar além do que, faz algum tempo, está visível nas projeções para a
economia chinesa.
De 2001 a 2014, a China cresceu em média
10% ao ano. De 2015 a 2019, a taxa baixou para ainda impressionantes 6,7% ao
ano. Agora, talvez esteja se encaminhando para o patamar de 5%. A troca de
marcha já teve, tem e terá efeitos mais duradouros por aqui.
Quanto às demais economias centrais, a
recuperação segue em passo acelerado. No ano que vem, os Estados Unidos e os
países da União Europeia devem crescer em torno de 4,5%. No Brasil, o
crescimento desde 2017 é dos menores se comparado com a média mundial nas
últimas seis décadas, sem contar os períodos de recessão e este ano.
O país não tem conseguido aproveitar as
oportunidades criadas pela aceleração da atividade nessas grandes economias.
O Brasil ainda não sabe como lidar com a
chamada "transição verde", que oferece possibilidades e riscos
--consumo maior de certos produtos e restrições de caráter ambiental a outros,
além de transformações tecnológicas que podem tornar o seu parque industrial
ainda mais obsoleto.
Decerto um crescimento menor na China
afetará a procura de bens da indústria extrativa nacional, como ferro e
petróleo, o que em geral pode afetar o nível de investimento. Mas a integração
econômica com o restante do mundo, aliás mínima no caso do Brasil, pode se dar
por caminhos variados.
De mais fundamental, o país não consegue
aumentar a eficiência de sua economia nem preparar o Estado para tarefas novas
e mais necessárias. Parado faz décadas, seu problema maior não é um trimestre
ruim na China --nem hoje, nem amanhã, nem no longo prazo."
Homicídios impunes
Folha de S. Paulo
Índices pífios de esclarecimento de
assassinatos e apagão estatístico apontam descaso na segurança
De cada dez casos de homicídio, somente
quatro são esclarecidos no Brasil, de acordo com uma pesquisa apresentada
pelo Instituto Sou da Paz na semana passada.
A taxa nacional, de 44%, indica avanço em
relação a anos anteriores, quando o número de assassinatos esclarecidos não
passou de 32% dos casos, mas ainda assim contrasta com a realidade de outros
países.
Nos Estados Unidos, a taxa equivalente se
aproxima de 60%, e um estudo da Organização das Nações Unidas encontrou
porcentuais ainda maiores na Europa e na Ásia.
Esta é a quarta edição anual do
levantamento do Instituto Sou da Paz, e os pesquisadores se depararam novamente
com enormes dificuldades para obter dados de qualidade das autoridades
estaduais.
Foram requisitados aos Ministérios Públicos
e aos Tribunais de Justiça dos estados informações sobre todos os homicídios
dolosos, com intenção de matar, ocorridos em 2018 e esclarecidos até 2019.
Das 27 unidades da Federação, 6 não
enviaram dados e 4 deram informações incompletas, sendo excluídas da contagem
nacional.
A falha reforça outras evidências de que o
Brasil enfrenta um apagão
estatístico nessa área. Segundo o Atlas da Violência de 2021, cerca
de 17
mil mortes violentas ocorridas em 2019 foram computadas como
indefinidas, sem justificativa.
O novo estudo apontou também enorme
desigualdade entre as polícias estaduais. Rio de Janeiro, com apenas 12% de
mortes elucidadas, e Paraná, com 14%, figuram entre os estados com pior
desempenho.
A impunidade dos crimes obstrui o acesso
das famílias das vítimas à Justiça, amplificando os efeitos perversos do
morticínio de jovens, negros e moradores das periferias das grandes cidades.
O número de homicídios registrados no país
voltou a aumentar no ano passado, após dois anos seguidos de queda, segundo o
Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Verbas destinadas a programas que poderiam
ajudar a elucidar os delitos, como o desenvolvimento de um sistema de análise
balística e um banco de perfis genéticos para comparação de amostras colhidas
em cenas de crimes, têm sido reduzidos
no governo Jair Bolsonaro.
Com homicídios em alta, mais armas em
circulação e sem ferramentas de inteligência para as investigações, ficará mais
difícil melhorar os índices de elucidação de crimes. Às famílias das vítimas,
restará a constatação de que seguirão ignoradas pelos que deveriam protegê-las.
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