O Globo
A sociedade mais exigente contribui para
aumentar a concorrência na política, ingrediente essencial para o bom
funcionamento da democracia
Somos uma nação ainda adolescente. Foi
apenas na década de 1930 - lamentavelmente, em um contexto autoritário -, que o
país atingiu um ponto que o permitia trilhar o caminho sem volta de construção
de uma nação.
Até então, havia ameaças recorrentes de
movimentos separatistas e revoltas regionais que questionavam o poder central.
Desde então, foi crise atrás de crise na política e, pior, por bastante tempo
se buscou a solução de impasses pela violência, como nas ditaduras.
A adolescência não costuma ser uma fase
tranquila. A nação anseia descobrir o que quer para si e avança por tentativa e
erro. Enquanto isso, vai se defrontando com as consequências e limitações de
suas escolhas.
Foi assim no “contrato social” da
Constituição de 1988, que apesar dos avanços civilizatórios, pecou ao querer
colocar a todos sob o manto da proteção estatal.
A sociedade foi considerada hipossuficiente
em vários aspectos, o que gerou uma Carta contraditória e injusta com as
gerações subsequentes, que têm de arcar com o consequente desarranjo das contas
públicas.
Na adolescência, tudo parece estridente,
como se não houvesse o dia seguinte, mas apenas a agonia do presente.
Nesta confusão atual é importante, porém, separar problemas estruturais, que demandarão, nos próximos mandatos presidenciais, políticos capazes, e questões conjunturais, que podem ser mais facilmente superadas, especialmente no cenário de renovação na política.
A História também é feita de acidentes. Da
mesma forma que a facada ajudou Bolsonaro a se eleger, pelo tempo de exposição
na TV e pela empatia despertada no eleitor, a pandemia pode inviabilizar sua
reeleição ou até a presença no segundo turno - como aponta Maurício Moura.
A crise expos seu despreparo e, de quebra,
contribui para reduzir o apelo de discursos populistas na sociedade, ensina
Carlos Melo.
A queda da aprovação do presidente mostra
que a sociedade não está apática. Os políticos enfrentarão provavelmente um
ambiente de maior questionamento em 2022. Com eleitores mais exigentes, a
polarização no primeiro turno da eleição poderá ser bem menor do que foi em
2018.
Entre agentes econômicos, há maior
compreensão de que não se trata de trocar o ministro da Economia – a propósito,
tampouco existe ministro salvador da pátria.
Difunde-se a percepção de que Bolsonaro não
seria capacitado a enfrentar o desafio de reformar o Estado.
O governo se arrasta. Perdeu as rédeas da
política econômica para o Centrão, cujo objetivo, a julgar por seu
comportamento, é o benefício próprio nas eleições de 2022, e não a reeleição de
Bolsonaro.
Sua aliança com o governo é de ocasião,
sendo explorada de forma eficiente frente à erosão do capital político do
presidente.
As frequentes investidas contra a regra do
teto para elevar gastos, sem ter de cortar de lugar algum - principalmente
emendas parlamentares e fundo eleitoral –, mostram que o Centrão separa muito
bem os problemas de cada um: a inflação é problema do Banco Central e o deles é
ganhar a eleição, e para isso precisam ter um Auxílio Brasil (temporário) ou
Renda Brasil (permanente) para chamar de seu nos redutos eleitorais, mesmo que
isso coloque mais combustível na inflação por conta do risco fiscal.
Importante observar a postura do Senado,
que recentemente passou a conter medidas que representam retrocesso, como a
reforma do Imposto de Renda. Concorrência na política é um santo ingrediente.
Já havia discutido neste espaço os limites
mais estreitos para a indisciplina fiscal em 2022 em comparação a 2014, pois
não haveria a mesma complacência dos mercados.
De fato, a reação ao aumento do risco
fiscal tem se materializado cada vez mais nos preços de ativos, como mostra o
comportamento da Bolsa e do dólar, que se descolam da dinâmica global.
Certamente a alta do dólar machuca a
inflação e o setor produtivo como um todo, mas pior seria enterrar de vez
qualquer disciplina das contas públicas. Seria contratar uma recessão, assim
como ocorreu em 2015-16.
O quadro macroeconômico é difícil e não há
motores para melhorá-lo na atual gestão. Mas é um fator conjuntural. Poderá ser
mais facilmente superado com a mudança na política.
A sociedade mais exigente contribui para
aumentar a concorrência na política, ingrediente essencial para o bom
funcionamento da democracia. A nação amadurece rumo à vida adulta. Sairemos
vivos, ainda que não ilesos, da atual encruzilhada.
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