Valor Econômico
Como será o novo normal em um Brasil bem
mais tecnológico e diferente é bom tema para campanha eleitoral
Semana retrasada fui pedalar até o centro
do Rio. Me surpreendi com quanta gente havia nas ruas, indo ou vindo do
trabalho, ou já nos bares, aproveitando que o fim de semana começava. É uma
evidência pontual, reconheço, mas consistente com indicadores mais amplos, como
aqueles de mobilidade do Google e da Apple. A vida aos poucos entra em nova
rotina que, sem ser a do pré-pandemia, está mais perto do normal do que foram
2020 e a maioria deste ano. Se fosse apostar, diria que o “meio normal” será a
regra em 2022.
O principal motor dessa mudança é o sucesso na vacinação. Segundo o Ministério da Saúde, 97% dos brasileiros com 60 anos ou mais já receberam a segunda dose ou a dose única da vacina contra a covid-19. Na faixa de 40 a 59 anos essa taxa é de 76%, caindo para 48% no grupo de 25 a 39 anos e 32% no de 18 a 24 anos. Já as taxas para a primeira dose, ou única, são de, respectivamente, 100%, 94%, 86% e 80%. São ótimos números, que posicionam o Brasil para, até o fim do ano, ser um dos países com maior cobertura vacinal do planeta.
O avanço da vacinação e a queda no número
de casos e mortes vão levar a um aumento da demanda por serviços, aí incluídos
os que envolvem contato direto com outras pessoas. Isso já ajudou a que, nos
seis meses até agosto, o setor de serviços tenha crescido ao ritmo anualizado
de 6,7% ao ano, atingindo um patamar 4% acima daquele pré-pandemia. Essa
recuperação tem puxado o nível de emprego, que também tem crescido com força,
embora ainda estivesse, no trimestre móvel de maio a julho, 4,9% abaixo do
nível alcançado dois anos antes.
Acredito que essa retomada do setor de
serviços vai seguir forte neste trimestre e no primeiro de 2022. Setores como
turismo e o transporte aéreo devem ir bem nas férias de verão, sendo provável
que tenhamos um réveillon e, especialmente, um carnaval ainda mais animados que
no pré-pandemia.
Uma boa referência é o que aconteceu no
carnaval de 1919, após a grave pandemia da Gripe Espanhola, que, como o de
2022, ocorreu na virada de fevereiro para março. Como descreve Ruy Castro em
Metrópole à Beira-Mar, foi o carnaval “da revanche - a grande desforra contra a
peste que quase dizimara a cidade” do Rio de Janeiro. Como aponta ele, poucas
“semanas antes estávamos a milímetros da morte” e quem “sobreviveu não perderia
por nada aquele Carnaval”. Foi o melhor carnaval da história até então, quando
estreou o Cordão do Bola Preta.
Penso que o consumo privado decorrente
dessa demanda reprimida - por serviços, principalmente - será a principal força
motriz por trás do crescimento do PIB em 2022. Um consumo em parte bancado pela
considerável poupança acumulada ao longo da pandemia. No segundo trimestre de
2021, o consumo das famílias ainda ficou 3% abaixo do nível pré-pandemia,
situação que vai ser logo revertida.
A retomada do consumo só não será maior
porque há também fatores que jogam contra, como a política monetária mais
restritiva; a perda de renda real, por conta da alta inflação; a política
fiscal que será de neutra a contracionista; e a alta do risco político, a
permanecer o cenário eleitoral de forte polarização, que pode derrubar ainda
mais a confiança e o preço dos ativos. Além disso, a indústria continuará
sofrendo com a falta de componentes - inclusive para bicicletas! - e as famílias
sentindo o patamar elevado de endividamento.
O carnaval de 1919 não trouxe de volta a
Espanhola, como muitos temiam. A ver se, em 2022, teremos a mesma sorte: as
aglomerações serão um grande teste para o esquema de vacinação. A menos de uma
nova onda, porém, nada deve impedir que, passadas as férias, as empresas
comecem a operar em um regime semi-presencial, o que fará a demanda por
transporte público e alimentação fora do domicílio aumentarem. A volta às aulas
em 2022 também deve ser em formato presencial, contribuindo para normalizar a
demanda por serviços e, ao mesmo tempo, liberando os pais - e as mães em
especial - para voltarem a suas atividades.
Isso reforçará a tendência de uma
significativa recuperação do emprego, ainda que possivelmente sem apagar todas
as perdas com a pandemia. Além disso, em que pese a desaceleração do
crescimento chinês no terceiro trimestre deste ano, o cenário externo deve
seguir com preços elevados de commodities, o que será positivo para a
agropecuária e a extrativa mineral.
Em síntese, haverá uma volta à normalidade,
mas só parcial, não só porque medidas de proteção sanitária seguirão
necessárias - máscaras e distanciamento social -, mas também porque, quando a
covid for embora, as coisas não serão iguais ao que eram antes. Em muitas
áreas, como, por exemplo, nos serviços bancários, no comércio varejista e na
própria administração pública, haverá mudanças permanentes, com maior uso da
tecnologia. Também penso que haverá menos reuniões presenciais, menos viagens a
trabalho e mais seminários pela internet.
Descobrir qual será o novo normal será
parte do desafio de todos em 2022. Esse, aliás, é um bom tema a ser discutido
na campanha eleitoral, em um Brasil que será bem mais tecnológico e diferente
após a pandemia.
*Armando Castelar Pinheiro é
professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e
pesquisador-associado do FGV Ibre
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